«Posso até ser preso, mas só por polícias bonitos.»
The Spark: the origins of pride é daqueles documentários que todos devem ver, pessoas LGBT e não, porque só fala de sobrevivência e amor, desde os duros, porém estimulantes, anos 60, de motins contra a repressão policial, até à actualidade. Fala-se de direitos também, contudo, na perspectiva de os explicar segundo um qualquer princípio que faça sentido. Num exemplo, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo fará sentido para acautelar direitos do casal. Não estamos perante um manifesto LGBT inconsequente, não. Pelo contrário. São testemunhos muito reais, de pessoas que viveram acontecimentos que hoje lemos algures em artigos de internet. Não sabemos o que é estar a dançar com alguém até surgir, no bar, um determinado sinal luminoso a alertar para a iminência de uma rusga policial. Não sabemos o que é atentar em cada prédio de um bairro (no documentário, Castro, em Los Angeles) e cada um deles ter albergado um amigo que morreu de SIDA ou de fome, por se encontrar demasiado fraco para sair e comprar comida. Também não sabemos o que é estar à espera que um ponteiro de relógio marque a hora certa para se dar início a um momento histórico na luta por direitos civis. O bom deste documentário é permitir-nos não só conhecer a história da afirmação LGBT, mas ainda pela boca dos seus principais intervenientes, não necessariamente gays; ouvimos o testemunho de um ministro francês que fazia parte do governo aquando da descriminalização da homossexualidade no país dos gauleses.
A França e os EUA foram o epicentro de revoltas que viriam a alterar o paradigma no modo como se encarava a homossexualidade, num fenómeno que se alastrou a todo o mundo ocidental, começando logo pelos Países Baixos. E há pormenores caricatos, como o das lésbicas que fundam uma irmandade de apoio aos gays vítimas da SIDA, doando sangue na impossibilidade de estes o fazerem, ou o do boicote a uma marca de sumo de laranja que era publicitada nos media por uma reacionária da extrema-direita cristã. Em tempos tão conturbados, aquela gente uniu-se em torno de uma causa, uma militância, o que no presente deu origem a movimentos que em parte perderam todo o sentido. Ainda referir o do preservativo num obelisco de Paris, que prontamente foi retirado pelas autoridades. Pormenores ditos de bastidores, que enriquecem a luta de homens e mulheres que se investiram de uma coragem que provavelmente nos faltaria.
Muitos daqueles activistas que participaram na revolta de Stonewall e de outros idênticos em Paris não se revêem nesta aparente normalização da luta. Como em certo trecho se ouve, «não lutámos para agora sermos papás e mamãs». Uma comunidade que tanto bracejou pelo direito à diferença, vê-se cada vez mais diluída na dita normalidade, a heteronormatividade, que foi invadindo o quotidiano LGBT, como se procurassem copiar modelos.
Dos documentários mais interessantes, pelo modo como foi elaborado. É dinâmico, coerente e desinteressado, não agressivo, não ressentido contra a maioria heterossexual. Versa sobre a história, sobre o como foi, e o como foi foi aguerrido, combativo, penoso.
A luta, dizem, não está ganha, quando mais de setenta países criminalizam a homossexualidade. Onze deles com a pena de morte.
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