Este obituário impõe-se por alguns motivos. O principal, e que sobressai logo, é que nada li na blogosfera sobre a morte do Miguel Botelho, cujo blogue podem ver aqui. Bem sei que a blogosfera já era, mas, ainda assim, pensei que alguns dos seus velhos amigos voltassem aos blogues apenas para deixar algumas palavras, ou que a sua editora o fizesse. Não que o Miguel as precisasse, e seguramente que não as precisaria na blogosfera. Manifestações públicas de pesar não têm nada que ver com os sentimentos das pessoas e nada dizem acerca da sua dor.
Não escrevo sobre a morte do Miguel porque ele tenha sido um grande amigo. Conheci-o através da blogosfera, e estivemos juntos apenas em algumas ocasiões, todas elas públicas. Escrevo sobre a sua morte, e faço-o aqui, porque considero ser o justo quando falamos de alguém que mantinha o mais velho blogue, que eu conheça, ainda em actividade, o Innersmile, ou Um Voo Cego a Nada, desde meados de Julho de 2001. Sendo o Miguel uma grande referência na blogosfera, não poderia encarar a sua partida como se nada fosse. Não. A sua trajectória nestes dezoito anos, e dezoito anos riquíssimos, justificam que deixe aqui, para a posterioridade, o meu sentimento neste momento, que é de consternação. Sabia-o doente, sabia que lutava há muitos anos contra um tumor. Não imaginava este desfecho, aos 57 anos de idade, com tanto ainda para dar.
O Miguel começou a acompanhar o meu blogue, e eu acompanhava o seu. Depois, afastámo-nos gradualmente. Imagino que a sua doença e o progressivo esvaziamento da blogosfera para isso tenham contribuído, já que a nossa relação, ainda que não fosse de grande amizade e assídua presença, sempre foi mutuamente cordial e respeitosa. Confesso que não fui tão atento quanto deveria. Não o contactei, não procurei inteirar-me mais do seu estado de saúde, não o visitei, por motivos que também se prendem à minha vida pessoal. Redimo-me, mal, desta forma: não só não imaginei que pudesse morrer - tal nunca me passou pela cabeça -, como julguei que, enfim, amizades suas, que deixaram de ser minhas, pudessem ter contribuído para alguns juízos de valor seus a meu respeito. Vou ser menos palavroso. Julguei que já não me tivesse em grande consideração, não por qualquer má atitude da minha parte para consigo, ou vice-versa, porque sempre nos demos bem, mas por lhe terem dito mal de mim. Intrigas que agora não fazem qualquer sentido (alguma vez fizeram?), mas que também ajudam a explicar, direi eu, o porquê do nosso afastamento.
Das vezes em que falámos, o Miguel sempre me teceu rasgados e generosos elogios. Admirava-o, e presumo que lho tenha dito, não só pelo seu intelecto como pela pessoa que era, pelo carinho e cuidado que manifestava pelos seus, os pais, a sobrinha, o irmão. Era um homem atento, culto, viajado, ponderado, educado. Às tantas, o corpo e a alma já pouco tinham que ver um com o outro. A sua alma era elegante e graciosa, e aquele corpo definhava a olhos vistos. Estivemos juntos, pela última vez, salvo erro em 2014/2015, num restaurante ali pela Praça de Espanha. Depois, fomos beber café ao Jardim Amália Rodrigues. Já estava doente. Já se levantava inúmeras vezes para ir à retrete. Infelizmente, na falta de melhores memórias, é esta que guardo, da mesma forma que guardo o seu convite para ser meu cicerone em Coimbra, numa viagem que nunca se veio a concretizar.
Miguel, agora a ti: obrigado pelo convívio, o pouco que tivemos. Obrigado pelo Innersmile, que espero que se mantenha no ar, para que te possamos conservar não só através da memória como também dos teus inúmeros textos ao longo de quase duas décadas. E, ironia do destino, a tua última publicação assinalou a maioridade do teu diário online, como lhe chamavas, quando tu já estavas tão perto do fim.
Destacaria, da sua produção literária, e o Miguel escreveu prosa e poesia, este pequeno poema, que fala de morte e da sua circunstância presente, que uma parte do Miguel tinha ido com a mãe, o pai, o irmão e o desgaste da luta desleal contra um inimigo silencioso. A morte há muito pairava sobre si. Talvez não seja a forma mais alegre e optimista de terminar esta publicação, por não ser capaz de encarar a morte, e particularmente a morte do Miguel, neste momento, com palavras amenas.
notícias
morreste, foste embora
trocou-se uma ausência
por outra
os dias lá foram andando
a vida vivida como
uma doença incurável
lembro-me de ti
vez em quando
uma hora por outra
mas vejo-te ao longe
como se o teu silêncio
fosse indolor
uma leve perturbação
incómoda e aguda:
não tenho notícias
não sei nada de ti
Deixo te um grande abraço de amizade neste momento de dor... Faz-me muita confusão quando se parte tão novo :( enfim
ResponderEliminarPaz à sua alma
Grande abraço amigo
Meus sentimentos ... poucos são aqueles que, como você, lembram-se dos amigos que partem e lhes rendem a devida memória.
ResponderEliminarMais um rapaz que deixa este mundo tão cedo. Estive com o Miguel uma única vez, mas falei com ele uma mão cheia de vezes, conversas que não vale a pena retratar aqui, por serem apenas minha e dele.
ResponderEliminarAcho que somos todos culpados por sermos apanhados tão de surpresa. É a indiferença que deixamos que invada os nossos corações. Felizmente, como eu sempre digo, as pessoas só morrem verdadeiramente quando são esquecidas e desejo que eu não tenha a oportunidade de o esquecer.