17 de outubro de 2019

Trois Couleurs: Rouge.


  Trois Couleurs: Rouge insere-se numa trilogia que não conheço. Pelo que me pude aperceber, há uma sequência entre os filmes. Como não os conheço, não posso fazer qualquer paralelismo. A minha análise será restrita àquilo que vi.

   Kieslowski, o realizador, faleceu pouco depois deste último filme da saga da trilogia das cores. Deixou-nos uma obra glamorosa, de interpretações elegantes e bem conseguidas, guarda-roupa e cenários requintados. Há duas sequências claramente definidas: a do jovem estudante de Direito e a sua namorada loira, uma, e a de Valentine e o juiz, outra. Entre elas, à primeira vista, parece não haver qualquer relação. Aparentemente, Valentine mora perto do estudante de Direito. Conseguem-se ver das janelas dos respectivos apartamentos. À medida em que a narrativa avança, percebemos que há uma ligação sub-reptícia entre o juiz e aquele jovem estudante. O juiz, voyeur, é o senhor de todas as causas, um deus manipulador, afinal, ele é o dominus da vida dos seus vizinhos, conhecendo os seus segredos. Simultaneamente, ele parece dominar Valentine e até a personagem do jovem estudante de Direito, fazendo com que as suas existências se confundam. Nunca chegamos a perceber se a história do jovem estudante de Direito é a sua, em flahback, ou se corre paralelamente à sua. Tão-pouco se é uma vida que ele instrumentaliza para contar ou sua. Há um enigma, um cruzamento de factos e acontecimentos que, deliberadamente, nos fazem perder a noção da realidade. Só no final, com o naufrágio do ferry-boat, é que temos uma perspectiva comum de todas aquelas personagens.




   O que ressalta é exactamente esse peso demolidor do juiz, que age sobre as outras personagens como se fossem meras marionetas. Nisto se inclui a bela Valentine, que se deixa seduzir. Há uma outra hipótese deixada em aberta: aquela Valentine terá existido ou terá ele criado aquela Valentine a partir da modelo do anúncio de pastilhas elásticas? A cena final deixa-nos essa probabilidade. O juiz controlou-nos também a nós, espectadores, armadilhando-nos a percepção. 

   Trois Couleurs: Rouge confunde-nos. Vemos o filme e, no fim das contas, não sabemos o que vimos. Kieslowski é, no fundo, aquele juiz, ao baralhar-nos os sentidos. Manipula os sons e as imagens (a Valentine do cartaz e a do naufrágio, iguais, diante de um fundo encarnado) e, num acto desleal, reserva-se a verdade do enredo. Não haveria melhor forma de se despedir do mundo dos vivos. É um grande filme.

2 comentários:

  1. Esta trilogia que o polaco Krzysztof Kieślowski produziu serve como forma de homenagem e agradecimento à França, talvez porque foi o dinheiro francês que lhe permitiu fazê-lo, ou por outras quaisquer razões mais profundas.
    A França e a Polónia tiveram ao longo da história uma ligação profunda que talvez pareça estranha, mas deu resultado. Não só reis franceses escolheram princesas polacas como consortes (ou sem sorte, como veio a acontecer com a pobre Maria Leszczyńska, que teve de aguentar várias amantes reais, mas, na época, elas até estranhavam quando tal não acontecia) como o próprio Henrique III de França, antes de ser de França, ocupou durante algum tempo o trono da Polónia.
    Roman Polanski continua ligado de forma quase umbilical com Paris, talvez porque nos Estados Unidos ele não seja considerado "persona grata" ...

    São as três cores da bandeira francesa, e cada filme está ligado às palavras de ordem dos franceses provenientes da revolução francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
    Vi os três filmes, mas o único que realmente me tocou foi o primeiro, dedicado à cor azul, talvez pelo drama profundo que encerra e que invade todo o filme e porque foi a descoberta de uma Binoche absolutamente deslumbrante, a qual me cativou na altura.
    Depois disto a carreira da atriz tornou-se desigual ao contrário da Huppert, que nunca deixa ninguém indiferente, e cada papel que interpreta é sempre uma fascinação.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Por acaso não percebi essa correlação com as cores da bandeira francesa, mas realmente faz sentido.

      Tenho de ver os outros dois. Muitas vezes começo pelo fim. :D

      Uma continuação de boa semana, Manel.

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