Fui tristemente surpreendido, ontem, com a notícia do falecimento do Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral. Imaginava-o doente, porque me lembrava dos seus problemas ósseos, não me ocorrendo que estivesse já no fim da linha.
O Prof. Freitas do Amaral, como foi sobejamente referido, é um dos pais da nossa democracia, um dos obreiros do actual regime, ao ter participado, através da Aliança Democrática, com a qual chegou ao Governo, na revisão constitucional de 1982 que diminuiu a carga ideológica da nossa Lei Fundamental. Na qualidade de fundador do CDS, desempenhou um papel importantíssimo no período de 1976-1986, actuando como contrapeso à esquerda e, sobretudo, à extrema-esquerda, ele, que era um homem do centro, e que chegou a dizer na última fase da sua vida política que "esteve mais à direita quando o país estava demasiado à esquerda e mais à esquerda quando o país estava demasiado à direita". Se não foi assim, foi parecido.
O CDS surgiu como um partido de centro. Aliás, a sigla significa precisamente Centro Democrático Social. Foi Paulo Portas quem lhe imprimiu o cunho populista, eurocéptico, diferente daquele que esteve na sua origem. Veio, muito graças ao empenho do senhor professor, congregar uma direita saudosista do Estado Novo, conservadora, cristã. Freitas do Amaral foi sempre um bom democrata-cristão, que sabia, todavia, pensar por si. Manteve-se coerente às suas convicções e teve a coragem, e devemos reconhecê-lo, de mudar quando achou que devia mudar.
Em 1986, concorreu às eleições presidenciais mais disputadas da história da III República, conseguindo mais votos, mas não os suficientes para ganhar à primeira volta. À segunda, não fosse o apoio das forças da extrema-esquerda e Mário Soares não teria ganhado. Há até o célebre episódio em que Cunhal exorta aos comunistas para que votem em Soares tapando com a mão a foto do candidato socialista. A derrota foi-lhe pesada e representou o fim de um ciclo político. Eu diria que as eleições de 1986 figuram como o seu zénite na vida política nacional. Passaria, mais tarde, pelas Nações Unidas.
A par de político, destacou-se como enorme académico. Eu estudei por três dos seus manuais, a História das Ideias Políticas e a Direito Administrativo. É um nome incontornável do direito administrativo português. Dedicou-se não só à sua área de formação, o Direito, como também à História. Deixou-nos obras de referência, entre as quais uma biografia de Dom Afonso Henriques que terei de adquirir. A sua bibliografia é vastíssima.
Empenho e coragem, como mencionei acima, são características que lhe assentam bem. Foi assim na política, quando passou do CDS ao PS, foi assim na vida académica, quando saiu da Clássica de Direito e fundou a Nova. O apoio ao PS, gradual, começando com uma contundente crítica à invasão do Iraque, custou-lhe o ostracismo do CDS. Recordo-me de terem retirado a sua fotografia da sede do partido. Ontem mesmo, quando se soube do seu falecimento, não senti verdadeiro pesar por parte da actual dirigente, Assunção Cristas. Aquelas suas palavras pareceram-me mais de circunstância do que do coração. Em seu favor, diga-se que ela chegou recentemente ao partido, há uns dez anos. Não terá convivido politicamente com Diogo Freitas do Amaral. Bom, e nem a idade lho teria permitido.
Morre um dos últimos. Andamos a vê-los partir, as figuras de referência do nosso regime. Freitas do Amaral é mais um dos que se vai, e que se junta a Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Álvaro Cunhal, Mário Soares, Maria de Lurdes Pintassilgo e tantos outros.
O velório está marcado para hoje, nos Jerónimos, e é provável que tente passar por lá.
Um homem que, não obstante gostar-se ou não, dever-se-á respeitar pela sua vida e pela sua envergadura como homem, político, homem eminente no Direito para lá de muitas mais dimensões que teve ao longo do seu percurso de vida e na nossa história recente.
ResponderEliminarApesar de nunca ter votado nele, nem gostar de muitas das suas opções, não discuto a sua importância, que foi de peso e deu credibilidade ao regime português, quando dele bem necessitava o país.
Quanto ao livro que escreveu sobre Afonso Henriques, não gosto muito dele por se ter deixado ficar "pela rama", porque não explorou a figura como ela o deveria ter sido, mas, verdade seja dita, ele também não tinha intenção disso quando a apresentou, à obra, e fez questão de o afirmar.
O estudo que José Mattoso escreveu sobre o nosso primeiro rei parece-me melhor e com maior envergadura histórica.
Mas tal não seria para menos, dada a envergadura deste último escritor e estudioso da História do nosso país.
Não comentei os seus últimos posts, pois o cinema sob que se debruçou escapa-se-me, e não vi nada. E são filmes que são difíceis de encontrar no circuito comercial e, mesmo na net, não são fáceis de obter. Mas li-o com atenção!
Um bom final de semana
Manel
Olá, Manel.
EliminarAinda mais curioso fiquei com a biografia de Afonso Henriques por Freitas do Amaral. Será assim tão decepcionante?
Pois, Freitas perto de Mattoso seria um mero curioso e interessado nos assuntos, direi eu. Por acaso, deixei escapar alguns volumes da História de Portugal por Mattoso a uma pechincha, na última Feira do Livro de Belém.
É... Eu prefiro lembrar o professor de Direito relativamente ao político.
Obrigado por acompanhar as minhas críticas cinematográficas. Sei que pouco mais tenho escrito além de cinema, mas realmente é a única actividade que me vem ocupando o tempo, a par de uma conferência por outra.
A maioria dos filmes dos festivais está fora do circuito. São realmente difíceis de obter. Não pude ver um sueco, de 1985, inserido no Queer e que foi exibido na Cinemateca, "Uma Vida de Cão", e não o consigo encontrar.
Um bom final de semana também. :)
Lamentável! Com tanta coisa ruim no mundo, sempre os bons são chamados emprimeiro lugar.
ResponderEliminarPelo menos deu muito de si em 78 anos de vida.
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