10 de outubro de 2019

"O Império Invisível" e a Fotografia no Sião.


   Há dias, fui a uma exposição no Museu do Oriente, em Alcântara, antecedida por uma palestra do Dr. Miguel Castelo Branco, ambas acerca das relações seculares entre Portugal e o antigo Sião, actual Tailândia.

  Portugal nunca fundou qualquer feitoria no Sião. Nunca construiu qualquer fortificação. Estabeleceu, contudo, relações comerciais com o Reino do Sião no século XVI, que foi acolhendo comunidades portuguesas compostas também por missionários que desenvolviam a sua actividade religiosa naquelas paragens. Nessas comunidades, persistem laços fortíssimos com Portugal: a comunidade protuket, de pessoas que até hoje mantêm com orgulho os seus apelidos portugueses, um pouco modificados, é certo, porque muitos séculos se passaram, mas a afinidade com Portugal está lá. Recentemente, Dom Duarte Pio visitou-os e pôde testemunhar a ligação que os protuket têm com o nosso país. Empunharam bandeiras portuguesas e cartazes com os seus nomes familiares. Em Kudichin, sobrevive até aos nossos dias um "bairro" português.

   Aquelas populações sentem-se portuguesas. Não na acepção moderna, na de cidadãos do Estado Português. Claro que não o são. Sentem-se portuguesas na tradição, na religião, na memória colectiva dos seus antepassados, visto que naturalmente houve miscigenação. Não precisam de um carimbo de um oficial do registo civil que ateste a sua portugalidade. São-no porque o sentem. A língua portuguesa chegou a ser tão pujante que era utilizada entre a administração colonial francesa, mais tarde, e os nativos, isto quando não dominavam o idioma thai, melindrando as autoridades gaulesas, que tudo quanto queriam era impor o seu domínio imperialista naquelas terras. O português foi então proibido, mas subsistiu em casa, nas famílias, nas orações, nas inscrições dos túmulos, em suma, na tradição oral. Assim lhes chegou, assim resistiu aos franceses.


Recinto da exposição, no piso térreo. As fotos pertencem a uma colecção particular


    É uma pena que a maioria da população portuguesa ignore este legado tão forte que deixámos no Sudeste Asiático. Lembramo-nos de Goa, Damão e Diu, que chegaram até aos nossos dias, de Macau e Timor. A herança, porém, não se restringe às possessões que perdemos há menos de 60 anos. Há-a em Malaca, em Banguecoque, na ilha das Flores, e por aí fora. Sobra arquitectura, inclusive. A Igreja da Imaculada Conceição, na capital tailandesa, foi erguida pela comunidade portuguesa.

  A designação "império invisível" advém exactamente da ausência de qualquer entidade portuguesa administrativa estabelecida que obedecesse a ordens de Lisboa ou do Estado Português da Índia. Surgiu de assentamentos de velhos soldados, criminosos e aventureiros, que por lá se fixaram, mantendo a ligação espiritual, cultural e linguística a Portugal, o que ia muito além das meras relações comerciais, que quebram com o tempo e com o surgimento de outros actores na cena mercantil (ingleses, franceses, holandeses…).

A exposição pode ser vista até ao dia 24 do mês que vem. 


   O Sião haveria de empreender uma aproximação cultural ao Ocidente. Descendentes de portugueses com nativos alcançaram posições privilegiadas, não pelas suas origens, evidentemente, mas pela competência. Há, portanto, todo um legado que devemos exaltar e, sobretudo, dar a conhecer e não deixar morrer. O Estado Português deve, aqui, desempenhar um papel decisivo, promovendo contactos com aqueles povos, sempre no respeito pela soberania tailandesa, claro, e em coordenação com o seu governo.


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