No dia 2, compareci à conferência organizada pela Nova Portugalidade na Casa da Comarca da Sertã, ali no largo do caldas, mesmo em frente à sede do CDS-PP. Esteve subordinada ao tema da regionalização, que continua a perseguir-nos, desde logo porque a Constituição a prevê desde 1976. Contou com a presença do Prof. Doutor Manuel Filipe Canaveira, um ilustre historiador e, permitam-me, um homem amabilíssimo. Pude trocar breves impressões consigo após o término da conferência.
O senhor professor, em monólogo, com a sua brilhante exposição, ajudou-me a reforçar os meus argumentos contra a regionalização, que sempre me pareceu um total disparate num país com a história que Portugal tem e totalmente desconforme com o processo que conduziu Portugal ao estatuto de Estado-Nação mais antigo da Europa.
Subjazem à regionalização interesses não só de uma elite burguesa como ainda da União Europeia, que, como tão bem e tão assertivamente lembrou o senhor professor, tudo quanto quer é poder negociar com os arrivistas locais, que ficarão deslumbrados com qualquer técnico europeu que se lhes chegue, contornando assim Lisboa, onde as elites políticas e o poder estão instituídos. A regionalização ajudaria a incrementar a corrupção. Pessoas que ocupariam cargos e que, claro está, favoreceriam os grandes grupos económicos, tudo a nível regional, em proporções maiores do que aquelas que já existem no poder local, em muitos casos. O senhor professor teve ainda a sensibilidade de fazer notar que a Economia e o Direito andam de mãos dadas, perigosamente de mãos dadas, com a primeira a procurar subverter o segundo, por forma a que este torne lícito e possível o que não o era.
Foto retirada antes da conferência, no salão da Casa da Comarca da Sertã |
Obstam ainda à regionalização os argumentos históricos. Portugal é, como já referi acima, o mais velho Estado-Nação da Europa, historicamente sem elites locais. Os monarcas cedo procederam à centralização do poder, não deixando jamais que os nobres escapassem à sua alçada. Nunca tivemos, por exemplo, um verdadeiro feudalismo. Os nobres, embora usufruíssem dos seus títulos nobiliárquicos, que correspondem a determinadas terras, movimentavam-se pela corte, em Lisboa. O que não sucedeu em Espanha, por exemplo, onde, e sobretudo com os Habsburgo, que tinham cortes espalhadas pela Europa, se favorecia a que as elites locais fossem fortes, e assim se explica que a Galiza, nomeadamente, citando um caso que nos é próximo geográfica e culturalmente, tenha hoje uma elite local forte e combativa. Também Leão, de certo modo, apesar de ter assistido, como berço do que viria a ser Espanha, à deslocalização da sua esfera de influência de Zamora e Salamanca para Toledo, num primeiro momento, e depois Madrid.
A regionalização fará sentido numa Alemanha, composta por antigos velhos reinos, com uma divisão clara entre católicos e protestantes. Ora, nós fomos imunes à Reforma, no século XVI. Somos todos culturalmente católicos. Não há, a par da ausência de qualquer cisão religiosa, argumentos de carácter geográfico.
Como é que a regionalização se fará? Eis a grande questão, a grande dúvida, que atormenta o professor Canaveira e qualquer um que se preocupe com o futuro do país. Pergunta-se: terão as futuras regiões competências para celebrar acordos regionais com regiões de outros Estados soberanos, nomeadamente de Espanha? O que se dizer das eurocidades e das cidades germinadas? Virá permitir a regionalização que uma cidade como Badajoz, na Extremadura espanhola, consuma fundos e valências de Elvas e de Campo Maior? Não ajudará a que uma grande cidade como Badajoz aumente a sua influência à custa de pequenas cidades portuguesas? Com que critérios a regionalização será feita? Encararemos com seriedade o risco de Portugal se tornar num mero fornecedor de matérias-primas a empresas instaladas confortavelmente no país vizinho, que para mais aliciam os nossos jovens com propostas de trabalho (e salários…) mais vantajosos?
Eu sou favorável à regionalização quando ela se justifica, e ela justifica-se nos Açores e na Madeira, por exemplo, pela sua insularidade. Não se justifica no território continental.
Por último, e deixei para o fim por ser um argumento extremamente sensível e que alguns do outro lado da barricada não hesitam em chamar de populista, mas que representa uma ameaça real, a regionalização poderá conduzir à desagregação do país a longo prazo. Quebrando-se o vínculo com Lisboa, o Minho, nomeadamente, aproximar-se-á da Galiza e da sua elite local. O mesmo com Trás-os-Montes e Leão, ou Salamanca, melhor dizendo, polo cultural regional, até pela sua importância no ensino. A Universidade de Salamanca exerce uma forte influência na região.
O que temos de fazer entender à União Europeia, que vê nos estados nacionais ameaças, é que Portugal é como se fosse uma região peninsular com autonomia e independência política. Não tem de ser dividido. A UE tem de olhar para a península quase como uma realidade comum. Portugal não é maior do que a Andaluzia.
O professor soube expor estes e outros argumentos de um modo sublime e generoso durante hora e meia. A sua exposição revelou ser um contributo inestimável para uma discussão que se quer geral e transversal à sociedade portuguesa. Há riscos numa regionalização feita para agradar à Europa, a caciques, ignorando a idiossincrasia do caso português e o processo de formação de Portugal e da identidade nacional.
Parabéns à Nova Portugalidade pela ideia e ao professor Canaveira pela disponibilidade.
Magnífica contextualaização!
ResponderEliminarObrigado. :)
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