Esta longa de 1985 foi a melhor de Varga, das que vi, e um dos melhores filme deste festival de cinema francês. Nela, a realizadora francesa falecida recentemente debruça-se sobre o feminismo pela negativa. Se nos demais que vi, seus, a protagonista termina bem, triunfante (particularmente em L'une chante, L'autre pas), neste termina numa vala, morta, após uma noite ao relento e infindáveis sofrimentos. O seu corpo exposto, no início do filme, serve como prelúdio à derradeira etapa da sua vida, errante, suja miserável. Aquela rapariga, Mona, teve oportunidades para assentar, mas rejeitou-as a todas. Optou por viver no desprendimento, sem qualquer motivação ou explicação.
É um road movie europeu (os americanos são especialistas nisso). Um drama. No final, temos a sensação de que nada sabemos sobre Mona. De onde vem, quem é. Ela esquiva-se a dar-se a conhecer. À medida em que a narrativa avança, percebemos que a sua degradação física e psicológica se acentua. Se no início nos parece uma rapariga que anda a acampar por aí, a viajar solitariamente, meio nómada, para o fim percebemos que algo de muito mais grave se esconde por detrás daquela existência. O quê, nunca sabemos.
Repare-se que o filme começa com a protagonista a sair de um banho no mar. Ela calçava as botas com algum esmero, colocando as bainhas por dentro do cano. Pouco antes de morrer, já se arrastava por uns destroços daquilo que havia sido umas botas, ou seja, Varda, através de mensagens subliminares, foi conjugando o trágico final de Mona também através da sua aparência. Ela foi desaparecendo, em verdade, em humanidade.
Varda jogou ainda com as estruturas sociais. As pessoas com quem Mona se cruzam vão tecendo considerações sobre ela, no poucos planos em que a protagonista não surge. E há ali um confronto entre aquilo que ela deveria ser e aquilo que ela é, por oposição. Mona vive desprendida, sem apego às pessoas ou aos lugares, sem um modo de vida, sem rotinas. Esse viver errante perturba-os e perturba-nos, como perturba o seu descaso com a sua higiene ou aparência física. Mona não sujeitou o seu corpo às convenções e aos papéis sociais. Limitou-se a viver como queria, sofrendo, depois, as consequências disso mesmo. A sua aparente, aos nossos sentidos, alienação é visível quando, num dos maiores actos de liberdade, aceita uma sandes que lhe foi oferecida e vai, com uma moeda que tinha, pôr música na jukebox. A vida é feita de escolhas, e a sua escolha foi viver assim.
Sans toit ni loi contorna o suspense. Varda quebrou-o logo no início: aquela história iria acabar mal, conseguindo o que pretendeu: que encarássemos cada passo de Mona como mais um em direcção à morte. O estigma do seu fim trágico, ali, por hipotermia, persegue-nos desde o início.
Entre os degradados e vagabundos, e vemo-los pelo filme, Varda soube contar o feminismo que nem sempre acaba bem, mas não para que fiquemos a reflectir no como teria sido se Mona ficasse a viver com o tunisino ou se se tivesse sujeitado a plantar batatas. O que fica é que aquela rapariga foi mais livre do que nós alguma vez chegaremos a ser. E essa liberdade tem algo de fatalista, arrebatador e poético.
É um road movie europeu (os americanos são especialistas nisso). Um drama. No final, temos a sensação de que nada sabemos sobre Mona. De onde vem, quem é. Ela esquiva-se a dar-se a conhecer. À medida em que a narrativa avança, percebemos que a sua degradação física e psicológica se acentua. Se no início nos parece uma rapariga que anda a acampar por aí, a viajar solitariamente, meio nómada, para o fim percebemos que algo de muito mais grave se esconde por detrás daquela existência. O quê, nunca sabemos.
Repare-se que o filme começa com a protagonista a sair de um banho no mar. Ela calçava as botas com algum esmero, colocando as bainhas por dentro do cano. Pouco antes de morrer, já se arrastava por uns destroços daquilo que havia sido umas botas, ou seja, Varda, através de mensagens subliminares, foi conjugando o trágico final de Mona também através da sua aparência. Ela foi desaparecendo, em verdade, em humanidade.
Varda jogou ainda com as estruturas sociais. As pessoas com quem Mona se cruzam vão tecendo considerações sobre ela, no poucos planos em que a protagonista não surge. E há ali um confronto entre aquilo que ela deveria ser e aquilo que ela é, por oposição. Mona vive desprendida, sem apego às pessoas ou aos lugares, sem um modo de vida, sem rotinas. Esse viver errante perturba-os e perturba-nos, como perturba o seu descaso com a sua higiene ou aparência física. Mona não sujeitou o seu corpo às convenções e aos papéis sociais. Limitou-se a viver como queria, sofrendo, depois, as consequências disso mesmo. A sua aparente, aos nossos sentidos, alienação é visível quando, num dos maiores actos de liberdade, aceita uma sandes que lhe foi oferecida e vai, com uma moeda que tinha, pôr música na jukebox. A vida é feita de escolhas, e a sua escolha foi viver assim.
Sans toit ni loi contorna o suspense. Varda quebrou-o logo no início: aquela história iria acabar mal, conseguindo o que pretendeu: que encarássemos cada passo de Mona como mais um em direcção à morte. O estigma do seu fim trágico, ali, por hipotermia, persegue-nos desde o início.
Entre os degradados e vagabundos, e vemo-los pelo filme, Varda soube contar o feminismo que nem sempre acaba bem, mas não para que fiquemos a reflectir no como teria sido se Mona ficasse a viver com o tunisino ou se se tivesse sujeitado a plantar batatas. O que fica é que aquela rapariga foi mais livre do que nós alguma vez chegaremos a ser. E essa liberdade tem algo de fatalista, arrebatador e poético.
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