1 de outubro de 2019

Rebels of the Neon God.


   «O nosso filho é a encarnação do deus Neon.»


   Eu vejo primordialmente duas metáforas neste filme de Tsai Ming Liang, de 1992. A primeira diz respeito a Hsiao Kang, que, qual "encarnação", castiga Ah Tzé e Ah Ping, dois jovens delinquentes que começa a perseguir, entrando no seu mundo. Entretanto, a narrativa deixa-nos espaço a supor que, além da intenção de querer vingar o que Ah Tzé fizera no táxi do seu pai, subjazia uma irresistível atracção, de cariz sentimental ou sexual, por este último, levando, então, a que Kang andasse no seu encalço, deixando-se levar pelo brilho das luzes néon de Taipei e pela obscuridade dos baratos quartos de motel. Foi, aliás, o relacionamento de Ah Tzé com Ah Kuei que fez recrudescer o misto de ódio e desejo que Kang já sentia, quer-me parecer. Ao ter vandalizado a mota de Ah Tzé, escrevendo em letras garrafais AIDS, que em 1992 matava e muito, Kang quase como negou a sua homossexualidade, atribuindo-a a Ah Tzé. Aquele deus acabara de exorcizar uma realidade que o atormentava.




   A segunda metáfora, encontramo-la na alusão às chuvadas permanentes e aos alagamentos no interior daqueles apartamentos bastante insalubres. Eles condizem com a existência apagada e errante daqueles jovens, e, no caso de Ah Tzé e Ah Ping, criminosa. As baratas completam um quadro de desleixo e podridão. Na cena inicial, quando Kang, sadicamente, contempla a morte lenta de uma barata que ele mesmo sacrificou, vislumbramos o seu carácter de juiz de todas as causas - o tal deus que a sua mãe julgava ter diante de si.

   O néon das luzes nocturnas da cidade confunde-se com a cadência de encontros e desencontros, fugas e perseguições, em existências de uma inultrapassável solidão.

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