22 de julho de 2020

Um breve ponto de situação.


   A minha estadia em Espanha está prestes a completar cinco meses. Cidadãos comunitários, inclusive, necessitam de dar conta às autoridades espanholas de que passaram a residir em território nacional. Tal implica a emissão de um N.I.E -número de identificación de extranjero-, que já possuo.

  Gosto do meu apartamento aqui. É amplo, arejado, ensolarado. Disponho, aliás, de um escritório confortável e bem decorado (é subjectivo), do qual lhes escrevo. Comprámos dois móveis em bordeaux para os livros. Às paredes, que encontrámos de um verde-alface que nos desgostou, imprimimos uma cor cinzento-claro. O aparador e a mesa de escritório são em preto. Duas reproduções, uma de Sorolla e outra de Delaunay, conferem vida e cor ao espaço. Um antúrio e um apontamento de flores secas dão o toque final. Esta divisão foi completamente idealizada e decorada por nós. Era, com efeito, a única que considerámos mal-aproveitada e manifestamente feia. Não sendo um apartamento luxuoso, é moderno, bem apetrechado, com umas vistas lindíssimas sobre o maciço ourensano.

  A vizinhança é simpática. O lugarejo, como referi noutros momentos, é pequeno. Em todo o caso, há quatro supermercados, várias cafetarias (já sabemos que os espanhóis a levam melhor), duas papelarias-livrarias e algum outro comércio. Vive-se bem. Viver aqui, aliás, é um desafio para mim. Vindo de uma cidade como Lisboa, passar para o meio rural envolverá sempre um período de adaptação, facilitado na medida em que não possa afirmar que tenha sido propriamente feliz ao largo dos últimos anos, admitindo que alguma vez o fui. Para lhes ser sincero, experiencio uma tranquilidade como há muito não conhecia.

  Foi uma reviravolta, absolutamente. Inusitada, porque não programada. Há detalhes a acertar que se prendem ao meu percurso académico, nomeadamente, e a outros aspectos. Resquícios de coisas que deixei para trás, e algumas exigirão uma resposta pronta. Nada de muito difícil, acredito eu. Estou a ser lacónico de forma deliberada.

   O que aperta o meu coração, claro está, é a minha mãe, que ficou por lá. Gostaria de a ter comigo, o que não é possível por ora. Falamos várias vezes ao dia, às vezes por mais de uma hora. Ajuda a matar as saudades. E foi aí que se deu a outra mudança brusca: o corte do cordão umbilical. Está a ser mais fácil do que supus, também porque tenho um apoio bastante forte deste lado. O que não deixa de ser curioso é que a vida se encarrega de nós. Por tantas e tantas vezes me queixei aqui, neste mesmo espaço, de que precisava de um safanão, passo a expressão, e ele lá se deu. No fim de contas, foi bom para ambos, para mim e para ela.

  Desde que aqui estou, leio mais, passo menos tempo na internet. Tenho outras responsabilidades. O cãozinho. E é interessante ir tendo a percepção da mudança. Longe de passar despercebida, quase que a apalpo com os dedos. É uma sensação estranha e simultaneamente excitante, afinal, sou capaz de mais do que julgava. O meu eu virtual deu lugar ao meu eu real, e o eu virtual ocupa o tempo que saudavelmente deve ocupar. 
  É bastante provável que este processo todo tenha pouco de surpreendente e seja comum a muitos, contudo, é algo que me merece esta reflexão.

1 comentário:

  1. Que esse tempo aí tenha gerado reflexão.

    Bom fim de semana!

    OBS.: O JOVEM JORNALISTA está em quarentena de 22 de julho à 31 de agosto, mas comentarei nos blogs amigos nesse período.

    Jovem Jornalista
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    Até mais, Emerson Garcia

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