A Revolução Liberal teve lugar há exactamente 200 anos, que se cumpriram no passado dia 24 de Agosto. Com outros, foi dos momentos mais catastróficos, pelas consequências, da história portuguesa. A curto prazo, antecipou a independência do Brasil e arrastou Portugal para uma guerra civil que colocaria o país num quadro permanente de crises sociais e económicas cíclicas, aproveitadas por potências estrangeiras, como Reino Unido, que exerceram uma quase tutela sobre os nossos destinos.
Por forma a mitigar, atenuar, a sua influência devastadora, Pedro IV outorgou uma Carta Constitucional para o Reino, em 1826 -o mais longevo texto constitucional que vigorou em Portugal-, em tudo semelhante à Constituição brasileira de 1824. Aquela Carta assentava, então, num compromisso entre a legitimidade e soberanias do Rei e a da Nação.
Alegoria à Revolução de 1820 |
Não nos é possível explicar a Revolução Liberal sem empreender uma excursão pelo turbulento século XIX português. Portugal, sem o querer, viu-se compulsivamente obrigado a participar das investidas belicosas de franceses, espanhóis e ingleses, quando mais interessado estava em assentar as fundações da sua matriz transcontinental no Brasil. O Padre António Vieira já o sugerira no século XVII, e a Constituição de 1822, emanada da Revolução de 1820, estabelecia as regras que regiam o funcionamento do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Dado que tudo se precipitou para o fim do Reino Unido, nunca sequer chegou a vigorar em Terras de Vera-Cruz.
Com a derrota de Napoleão e o advento da Revolução -ou golpe de estado no tradicionalismo, como prenunciara Dona Mariana Vitória, apercebendo-se de que a a execução da família Távora dava início a um tempo em que os homens não têm honra nem passado, valendo mais o dinheiro do que os serviços prestados à coroa-, ao longo de oitocentos verificamos uma tendência dos sucessivos governos de se procurarem aproximar dos modelos europeus. O seu expoente terá sido com Fontes Pereira de Melo durante o período da Regeneração, embora algumas das medidas remontassem já a Mouzinho da Silveira.
A título de curiosidade, também aqui, na vizinha Espanha, companheira de sorte e de infortúnio, ocorreu uma revolução similar no ano de 1820, recuperando-se o espírito que presidiu à elaboração da Constituição de Cádiz, que viria a ter a maior das influências na feitura da Constituição Portuguesa de 1822, de efémera vigência.
No domínio da justiça e da previsibilidade, estabilidade e segurança da lei, o liberalismo, investido de um ânimo codificador, dotou o Reino de códigos (nomeadamente o primeiro código civil de 1867 e o código comercial de 1833, substituído pelo ainda em vigor, conquanto profundamente revisto, de 1888). A ressaltar ainda o não menos relevante código penal de 1852 (substituído pelo congénere de 1886), que veio pôr cobro à parca transparência e inclusive alguma iniquidade na aplicação da medida das penas. A existência de um poder judicial independente é um dos lados positivos do liberalismo. O uso da lei penal para favorecer vinganças pessoais era comum em Portugal. Pombal, um século antes, servira-se dela para levar a cabo os seus objectivos na prossecução de uma política de centralismo régio.
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