2 de julho de 2020

Da intolerância e da democracia.


   Uma actriz da nossa praça desfilou pelas avenidas de Lisboa com um deputado conotado à extrema-direita. Uma artista que se queixa de não lhe permitirem trabalhar há dois anos por ter decidido expressar livre e publicamente as suas convicções político-ideológicas. Uma actriz cujo talento é frequentemente posto em causa tão-só por se expressar nos seus espaços de opinião. Parece causar perplexidade em qualquer um. As perseguições movidas pela intolerância com posturas contrárias às maioritárias, admitindo-se que o são, comprometem a convivência saudável em democracia. Fala-se em revolução, em liberdade de expressão, de opinião, e percebemos que verdadeiramente existe, sim, uma ditadura da maioria

   Portugal tem um déficit democrático conhecido. Os portugueses foram criados em meio do medo, da censura, e aprenderam a dar uso às mesmas armas. Em Abril de 1974, fez-se uma revolução contra um regime autoritário, e por pouco não se instalou outro. Em 1975, elegeu-se uma assembleia que redigiu uma Constituição democrática de fortíssimo teor socializante, que inclusive colocava a então embrionária democracia sob tutela militar, num quadro que se manteve até 1982. Propriamente dita, a democracia portuguesa não tem nem quarenta anos. As décadas de repressão deixaram o seu rasto na ausência de uma cultura democrática. Assim mesmo, mais de quarenta anos de um regime conservador e autoritário originaram anti-corpos que se manifestam em torno de qualquer um que se identifique com o conservadorismo ou que perfilhe uma linha ideológica apartada do socialismo, inclusive da social-democracia.

   O fenómeno das redes sociais, sobretudo após 2010, ajudou a incrementar uma intolerância que tem as suas raízes na falta de cultura democrática e na longeva ditadura conservadora e autoritária. Confunde-se reacção política com desmerecimento e insulto, como se um pressupusesse o outro, como se o combate político se fizesse necessariamente às custas do achincalhamento, e nas redes sociais, para exponenciar o alcance e obter apoios.

  Não haverá democracia perfeita, sem vícios, no entanto, cabe-nos a nós, diariamente, aperfeiçoá-la. A democracia não é uma ideia que se teoriza, uma palavra que se profere e se inscreve na lei. A democracia concretiza-se na tolerância e na consagração, protecção e defesa das liberdades individuais e colectivas. Por todos, constantemente, ainda que o uso dessas liberdades por outros colida com a nossa sensibilidade e o nosso entendimento. Caso contrário, criamos uma sociedade que pretensamente se intitula de democrática, sem que contudo o seja. Fala-se de uma ditadura com vestes de democracia, que se alimenta da perseguição nas colunas dos jornais, nas redes sociais. Fala-se das novas minorias, perseguidas pelas antigas. Afinal, não assentará a história da humanidade na substituição contínua entre vítimas e verdugos?

1 comentário:

  1. Muito interessante a colocação que você fez aqui. Democracia deve ser atitude, não apenas uma teoria que não funciona.

    Bom fim de semana!

    Jovem Jornalista
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    Até mais, Emerson Garcia

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