6 de janeiro de 2020

A beast rules the world.


   Que Trump é uma besta quadrada, nunca suscitou dúvidas. Um homem com cara e modos de pedreiro - com todo o respeito pelos pedreiros - que tem dinheiro a mais e a quem foi confiado, pelos seus compatriotas não muito mais ajuizados, o destino da nação mais poderosa do planeta, e o nosso, indirectamente. Só a mediocridade intelectual poderá justificar que se ameace um país como Trump o fez, numa atitude que, salvo erro, não tem paralelo na diplomacia: arrasar com o património arquitectónico e cultural. A mediocridade intelectual a que se junta, quiçá, a falta de história e de memória.

    Este gesto, inaudito, reportou-me aos talibãs e há uns anos idos, quando ameaçaram - e cumpriram! - destruir dois budas milenares esculpidos em rocha no Afeganistão, deixando-nos a todos mais pobres. Naquele caso, património da humanidade desapareceu. Hoje, não resta mais do que as inscrições em pedra, os contornos de dois símbolos que resistiram ao tempo, à acção da Natureza, mas não à crueldade e insensatez dos homens. Nem os nazis chegaram a tanto, quando ocuparam Paris e se falou na destruição da Torre Eiffel, designadamente.

   Não há da minha parte qualquer simpatia pelo regime teocrático iraniano. Não compactuo com tiranias que submetam as pessoas e as suas liberdades. Vejo, entretanto, a desproporção de forças e de meios. E vejo a ingerência desmedida dos EUA nos assuntos internos de outros países. Julgam-se os justiceiros. Propõem-se a dar soluções, porém, quando agem, tornam o mundo num local bastante mais inseguro. Foi assim com o Afeganistão, com o Iraque, com a maioria dos palcos de guerra que criam e alimentam.

   A cristandade vive a paredes meias com o islão. Estas guerras não são religiosas, são políticas, e transformam-se em religiosas porque lhes subjaz um antagonismo milenar. Há dois blocos claros: o dos EUA (e aliados) e o dos países islâmicos. É quase uma repristinação da cena política que tínhamos antes de 1991, mudando apenas um dos actores.

    A reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, infinitamente adiada, ajudaria, talvez, ao equilíbrio - não faz sentido que a cúpula da ONU seja o reflexo da conjuntura vitoriosa emergida da II Guerra Mundial. Nós não queremos mais viver naquele clima de insegurança, de suspeição e de permanente tensão. Eu não o conheço, não vivi a Guerra Fria, e desde 2001 que temos a espada de Dâmocles sobre a cabeça, sempre com um novo atentado terrorista à espreita.

   Quando se fala tanto em sustentabilidade ambiental para as próximas décadas, que ideia de futuro temos com tamanha hostilidade entre as nações? Não estaremos a descurar outras prioridades? De que adianta procurar reverter os malefícios que durante décadas causámos ao planeta se tão-pouco conseguimos coabitar cordialmente, no respeito pelas culturas, patrimónios, idiossincrasias, soberanias?

6 comentários:

  1. Verdade!! O Ser Humano mal apareceu nestes anos todos de existência do planeta e quase que quer acabar com ele... Tudo para ver quem tem a pilinha maior dassssssss

    Abraço amigo

    ResponderEliminar
  2. Trump é um mentecapto e, na sua obtusidade, julga que os outros não vêem o que está por detrás desta operação. É uma criatura primária e sem qualquer respeito pelas outras culturas e povos.
    É uma ação verdadeiramente digna dele, que é indigno de pertencer à raça a que, afinal, todos pertencemos.
    Quer convencer os americanos a votar nele na reeleição. E, como nunca se pode adivinhar o que este povo meio tonto vai fazer (afinal elegeram-no), talvez até tenha sucesso. Cometer o erro uma vez é grave, duas seria ... catastrófico.
    Não sinto qualquer simpatia pelo regime iraniano, mas é algo que devemos respeitar, se na verdade queremos ser respeitados da mesma forma.
    Os iranianos são governados por um poder de índole religiosa radical, com caraterísticas totalitárias e castrantes (o mundo feminino, sobretudo, que o diga), mas se quem lá vive está de acordo com o que tem, ou se o permite, quem sou eu para mandar matar sem quem for. Passa a ser o "olho por olho, dente por dente" a acompanhar um total desrespeito pelas populações.
    Imagine-se que a Rússia ou a China teriam sido responsáveis por esta ação (com certeza são responsáveis por muito mais do que isto, mas não me parece que o espalhem aos quatro ventos, nem assumem a ação de uma forma tão orgulhosa, como o fez este mentecapto), então todo o mundo ocidental condenaria, teria caído em cima deles, chamando-os disto e daquilo e exigindo reparação.
    Estariam na razão, claro, mas sendo os EUA, ficam algo calados e, diplomaticamente (porque têm "o rabo preso"), tornam-se neutrais, fazendo de conta que nem sequer sabem do que se trata. Não condenam mas não apoiam ... hipocrisia pura e simples. Ainda ficam admirados porque é que a classe política é tão pouco credível e vilipendiada ... então não o merecem????
    Os movimentos antagónicos existem, como vemos na comunicação social, mas são tíbios e desvalorizam-se.
    "Shame on them", como diria a sueca!
    Mais uma vez saliento que não sinto qualquer simpatia pelos iranianos ou pelo seu regime, mas há limites para as regras de convivência.
    Uma boa semana
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Manel.

      Sim, e Trump ainda lida com a tal vontade de se avançar com um impeachment. Bom, também se diga que a esquerda política, que domina cultural e socialmente, quer derrubar todos os que se lhe oponham. Fala-se no impeachment a Trump como se fala para Bolsonaro. Dois ogres, é verdade, mas do mal o menos. Com Trump é que não simpatizo mesmo nada. Acho-o detestável. Há dias, um amigo chamou-lhe, hilariamente, "estalajadeiro". Ri imenso.

      Foi um golpe baixo, foi.

      Uma boa continuação de semana.

      Eliminar