4 de junho de 2020

Do racismo.


   Nos dias que correm, as redes sociais dispõem de um poder decisivo, exponenciando os assuntos, tornando-os virais e afastando-nos das soluções. Da moda das hashtags às reivindicações de justiça popular, instantaneamente morrem sem deixar rasto, como se milhões de publicações houvessem solucionado os problemas. É o que ocorre com o afro-americano assassinado recentemente.

    Por momentos, julguei que voltara aos anos 60 e à luta de Luther King pelos direitos dos negros. Os EUA mantiveram, por décadas, leis raciais duríssimas que faziam impender aos negros uma situação social e jurídica intolerável. As leis mudaram, é certo, mas o preconceito ficou lá. É quase anacrónico falar-se de um racismo tão evidente. O racismo persiste, sobretudo o racismo dissimulado, o racismo do comentário abafado e desdenhoso, o racismo de bastidores, aquele a que o império da lei não chega porque nem conseguiria chegar.

   Não consigo evitar abordar uma temática tão apaixonante no que a Portugal diz respeito. Eu diria que não há um racismo predador em Portugal. Haverá, quando muito, um paternalismo. O português, pelos tempos, julgou-se o tutor do corpo (e das almas...) daquelas pessoas. Esse paternalismo, evidentemente, comporta um sentimento mais ou menos presente de superioridade rácica, embora o português tenha sabido conviver com aqueles povos, miscigenando-se e, na maior parte do casos até, virando costas à Europa, constituindo família por lá. Daí que mereça a pena enquadrar o racismo nas suas diversas vertentes: o racismo não se consubstancia apenas no acto vil de se tirar a vida de alguém pela sua cor da pele; o racismo também se verifica quando julgamos que a nossa cor de pele, a nossa origem, nos dá qualquer ascendente sobre outrem, ainda que estejamos munidos das melhores intenções. O caso português será este último.

   No caso dos EUA, o racismo está relacionado com a própria existência da nação americana, porquanto o esclavagismo negro esteve subjacente à Guerra da Secessão. Nos estados do sul, as atitudes hostis contra as comunidades negras continuam. As raízes do preconceito racial naquele país são demasiado profundas. Levar-se-ão décadas para que o americano médio do sul entenda que o vizinho negro é tão americano quanto si próprio, e que a América branca terá de conviver com a América negra e a América hispânica. Acrescente-se ainda que os EUA terão herdado uma prática social e racial inglesa bem mais dura com os povos nativos do que a portuguesa ou a espanhola. Caso disso é o Brasil, onde a mistura das componentes europeia, africana e indígena é notoriamente maior.

   A aplicação escrupulosa da lei ajudará a demover o cidadão do crime por motivos rácicos. O endurecimento da legislação também. Contudo, uma vez mais, a educação desempenhará aqui um papel decisivo. De pouco valerá ter espelhada na lei determinada concepção ética valorativa quando, nas famílias, se transmite a ideia de que a nossa cor nos faz especiais.

2 comentários:

  1. Uau! Palmas para sua reflexão. Acredito que o ódio e a supremacia tem dominado a sociedade atual. Temos que conviver com nossos semelhantes de forma pacífica. Somos todos seres humanos.

    Bom fim de semana!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

    ResponderEliminar
  2. Racismo estrutural em Portugal. Forte.
    E o privilégio branco em que crescemos dificulta a sua visibilidade no nosso seio.

    ResponderEliminar