29 de setembro de 2019

Sócrates.


   «Você trouxe minha mãe pra cá? Ela não vai ficar aqui!»



   O maior mérito de Sócrates é o de ter permitido que jovens e crianças em risco pudessem ter uma oportunidade de estudar e actuar, talvez se salvando assim das ruas e da criminalidade. No demais, é um filme que cai em clichés contornáveis. Não tem nada que o torne num filme memorável. É só uma estória razoável-medíocre, meio melodramática, que certamente retratará o dia a dia de muitos jovens brasileiros homossexuais que, por reveses da vida, caem nas malhas da delinquência, da miséria prolongada e da prostituição. Percebe-se o baixo orçamento e a necessidade que o realizador teve de repetir sequências, cedendo a erros que tornam algumas cenas francamente previsíveis.




   O cinema brasileiro actual tem uma forte tendência a explorar a pobreza e a exclusão social, que actuam como força centrípeta, instrumentalizando todos os elementos da narrativa para dar a conhecer as más condições de vida do povo. O Brasil vive dias muito politizados. Em todos os filmes brasileiros a que tenho assistido, a pobreza entra assim, de rompante, pelo ecrã, como se não pudéssemos ver o Brasil senão pelos olhos da fome. Os argumentos morrem diante de um panorama tão fatalista, que nos leva a afastar os sentidos da estória e a direccioná-los para a situação político-social.

  De todas as cenas, que não são nada de por aí além, destacaria a última, que é aquela em que encontro maior simbolismo, porque a descoberta sexual não tem verdadeiramente interesse nesta narrativa. Além de ter sido explorada superficialmente, foi-o de forma descuidada. Voltando à cena final, aquele mergulho representou para Sócrates uma vida nova, sem a mãe, claro, mas uma limpeza de tudo o que vivera de tão dramático. Foi o despojar-se das cinzas da mãe e do elo que ela estabelecia com a sua vida anterior. A água purifica, e somos levados a acreditar que Sócrates não se deixará levar pelo alcoolismo, pela criminalidade. O realizador, deliberadamente ou não, permite-nos antever alguma esperança num futuro mais risonho para o rapaz.

   Li que Sócrates será a escolha do Brasil para os Oscars de 2020. Tendo como argumento um jovem negro, gay e pobre, reúne todos os requisitos para fazer um brilharete. Hollywood gosta de estórias assim.


2 comentários:

  1. Vai ao encontro da minha primeira impressão.
    O teu último parágrafo é arrebatador! Uma interpretação de quem sente, de quem vai além! Uma vez mais, parabéns!

    Abraço

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