19 de setembro de 2019

Os debates das legislativas.


   Antes de mais, devo dizer que não assisti a todos os debates. Apenas a alguns. O acto eleitoral do próximo dia 6 de Outubro, no qual os portugueses irão eleger os seus deputados, não se reveste, no meu entender, de tanto interesse. Já sabemos de antemão quem irá ganhar, e não vale a pena vir-se dizer que quem decide são os eleitores, como se as sondagens e até o senso comum não valessem de nada. Claro que as eleições não se fazem nas televisões e nas rádios, mas, a menos que ocorresse uma catástrofe até lá, parece-me pouco provável que o PS não ganhe. Vai ganhar. As projecções indicam-no, e também indicam que a direita terá o pior resultado de sempre, com intenções de voto abaixo dos 30 %. Nem no PREC, em 1975, se registaram números assim. O que não se sabe é se António Costa logrará a maioria absoluta sozinho ou com o PAN, que parece que também vai crescer, acompanhando, aliás, a tendência europeia na proliferação destes movimentos ambientalistas, ou eventualmente com o apoio das restantes forças de esquerda.

   De todos os debates, o que me pareceu mais crispado foi o de Assunção Cristas, presidente do CDS-PP, com André Silva, porta-voz do PAN. Tenho visto os debates em diferido, e este foi precisamente o último que vi. Assunção Cristas sabe que é expectável que o CDS diminua a representatividade e que o PAN a aumente. O eleitorado de ambos não é o mesmo, ou seja, quem vota no CDS não ponderará votar no PAN, e vice-versa. O que a jurista quis foi pôr a descoberto as fragilidades dos ambientalistas, que são muitas, contornando um crescimento daquele partido em deputados na Assembleia da República. André Silva, venho-o dizendo, faz mal o trabalho de casa. Vê-se que se sente à vontade em temas ambientalistas, porque, em tudo o que fuja às bandeiras programáticas do PAN, não só não apresenta números, as contas feitas, como se atrapalha, gagueja, hesita, e Cristas conseguiu atacá-lo justamente no seu calcanhar de Aquiles. Duvido que André Silva tenha conseguido contornar a imagem que passou para o eleitorado, de partido inflexível, com tiques autoritários, que quer impor o modo de vida e de estar dos seus membros e simpatizantes a todos. Para o PAN, a liberdade individual pouco importa. Escudando-se nas alterações climáticas, pretende impor a alimentação vegan aos cidadãos, incluindo a crianças e jovens, que, como tão bem sabemos, precisam de uma alimentação equilibrada, e uma alimentação equilibrada exige proteína animal. É uma agenda da esquerda, depois de anos da agenda LGBT. O lobby ambientalista é outro dos que teremos de enfrentar pelos próximos anos, porque eles vieram para ficar.

    Assunção Cristas parece-me das líderes que mais se tem afastado do PS. Não é que acredite em si quando diz que não vai aumentar impostos ou que se preocupa muito com as famílias, os idosos, os mais desfavorecidos. O CDS jamais irá enfrentar o seu eleitorado, composto por empresários, grandes proprietários do norte do país. De igual modo, não pode maquilhar, no seu currículo, algumas das reformas do anterior governo em que participou, e que nem sempre foram vistas como benéficas para as pessoas comuns, para a classe média. Assim mesmo, sabe bem qual é o seu eleitorado, o de centro-direita, de uma classe média ligeiramente mais conservadora. Disputa essa área com o PS, ao centro, e com o PSD, ao centro-direita. O que acontece hoje que não acontecia no passado é que se prevê uma fuga do eleitorado de centro-direita para outros partidos. Lembro-me por ora do Aliança, de Santana Lopes. As pessoas estão cansadas do PSD / CDS. Têm presente, na memória, os anos difíceis de 2011 a 2015. Má sorte para estes partidos, que tiveram de governar numa conjuntura de crise internacional e de falhanço socialista anterior, durante o consulado de Sócrates. Ficaram irremediavelmente colados a uma página de austeridade a que ninguém quer regressar. 

   O debate entre Costa e Rio era o mais aguardado. Costa e Rio representam o dito centrão, e as semelhanças entre eles são mais e mais profundas do que as diferenças. Este debate, mais do que ajudar a decidir o sentido de voto num ou noutro, porque as pessoas vão julgando os políticos ao longo do tempo e não em duas horas, serviria para deixar patente quais as soluções, distintas, que um e outro propõem para os problemas do país. Era Rio quem tinha de correr atrás do prejuízo, passo a expressão. Fê-lo? Não. Esteve melhor do que tem estado, seguramente que se superou, mas acabou por vir confirmar o que todos já sabíamos: a sua tendência é a de alinhar com o governo nos assuntos decisivos. Honra lhe seja feita: um homem que está à frente do principal partido da oposição e que sabe convergir, quando todos esperariam que divergisse, e profundamente, coloca os interesses do país acima dos do seu partido e dos seus, que presumo que sejam continuar à frente do PSD, mantendo-se fiel àquilo em que acredita.

   Costa, claro, com a vantagem do seu lado, tem procurado adoptar uma postura mais descontraída, simpática, sorridente, e ainda não o consegui ver desarmado. No debate com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, e sobretudo no último, encontrámos uma extrema-esquerda bastante mais combativa e desconfiada daquilo que será o PS dos próximos quatro anos. Terem apoiado o governo foi uma faca de dois gumes: o eleitorado da extrema-esquerda desconfia dos socialistas. Os ódios são antigos. Poderá haver algum desagrado pelo apoio comunista e bloquista a esta solução governativa, e a maioria dos portugueses contentes com as políticas seguidas pelo governo irá votar PS, esquecendo-se de que este PS teve de negociar para poder governar. Sem ter de negociar, vendo-se com maioria, será um PS muitíssimo mais imprevisível. O diálogo é sempre preferível a quaisquer maiorias absolutas.

   A direita vem falhando rotundamente. A ideia mais repetida por Rio e por Cristas é a de que houve o maior aumento de impostos de sempre, e houve, mas não é isso que paira entre o eleitorado. Vive-se num clima de confiança e de folga tributária, uma vez que Costa foi sábio em diminuir aqueles impostos cujas variações afectam mais as pessoas: o IRS e o IVA. Depois, claro, aumentou noutros, nomeadamente nos indirectos, como o combustível, e sempre com aquele escudo fantástico das alterações climáticas e da perseguição ao uso do carro próprio. A ausência de qualquer crise económica europeia e internacional foi a cereja no topo do bolo. Eis, mui resumidamente, os quatro anos de governo socialista. Ah, já me esquecia: os passes sociais foram a cobertura de chocolate do bolo. As eleições vencem-se nos grandes centros urbanos. Enquanto político, Costa ganhou e a direita perdeu, porque foi incapaz, quatro anos depois, de fazer o eleitorado acreditar que estamos pior, que o país está pior. Incapacidade sua ou efectivamente o país não está pior? Houve pouquíssimo investimento público, quase nenhum, menos do que nos anos de Pedro Passos Coelho. O Serviço Nacional de Saúde, que há dias assinalou o seu quadragésimo aniversário, está cheio de problemas, com quebras no fornecimento de medicamentos, falta de profissionais de saúde, embora o balanço de quarenta anos seja francamente positivo. Em alguns indicadores macroeconómicos, estamos com números iguais àqueles deixados por Passos Coelho.

  Independentemente dos resultados que saírem do escrutínio de Outubro, não é saudável que uma democracia esteja praticamente toda voltada à esquerda. Portugal ruma em sentido oposto ao da maioria dos países europeus. Se por lá fora se vive uma deriva à extrema-direita, aqui arriscamo-nos a uma à extrema-esquerda, com tudo o que isso implica, nomeadamente perseguições pessoais e ideológicas a quem se define de direita, o que já vem sucedendo. É isso que temo. Um enorme desequilíbrio de poder e influência, porque, forme governo quem formar, as linhas orientadoras serão relativamente as mesmas, para cumprir com os compromissos assumidos em Bruxelas. Espera-se um abrandamento progressivo da economia, e daí é que virão as grandes novidades.

4 comentários:

  1. Tenho estado pouco informado sobre esta campanha, porque me parece que todos estão mais ou menos em sintonia, sem que pareça, no entanto, que o estão.
    Nos assuntos cruciais a ideia que ressalta de tudo o que lê e vê, é que não há grandes diferenças entre os partidos com assento no parlamento. No entanto, cada um deles reveste-se depois de uns atavios que os diferenciam exteriormente, mas não vejo que isso marque uma diferença clara.
    Distingo André Lourenço e Silva porque, antes da sua entrada em S. Bento, teve um percurso interessante, mas depois que o fez andou a lutar por causas meio inócuas e algo sem sentido para a maioria de nós.
    Quis marcar a diferença "a martelo" (diria mais com uma "marreta"), talvez para justificar a sua posição e mostrar a quem o elegeu, que terá agido muito bem, mas não me parece que o tenha feito da forma mais relevante e convincente para a maioria do eleitorado, a ver vamos nestas próximas eleições.
    Os "maiorais" dos outros partidos, já "macacos já de rabo pelado", "sabidos" e "bem falantes", com todos os tiques demagógicos da política, e que conhecem perfeitamente as mais diversas formas de comunicar só o politicamente correto, não deixando, simultaneamente, de deixar passar as mensagens subliminares de publicidade ao respetivo partido, acabam por o conseguir "cilindrar" (ele aprenderá a fazê-lo tão bem como os outros, se lhe derem tempo, claro!).
    As surpresas, a sucederem, revelar-se-ão nestes partidos das franjas, porque nos outros não creio que existam muitas.
    Pelo meu lado torço para que não existam maiorias absolutas, ou mesmos confortáveis, talvez o sejam, como parece que as coisas se predispõem neste sentido, mas serão infelizes para nós, como soe acontecer sempre - governos da famigerada "múmia paralítica" que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas, do estrupício e venal Sócrates (de péssima memória, que espero desapareça do horizonte político,e, se possível, de todos os outros), e "last, but not the least", do deprimente Passos Coelho.
    Claro que me refiro aos cabecilhas, mas estes espécimes não andam solitários, são acompanhados de matilhas tão ou mais perigosos que eles.
    Quem não recorda os "anos de chumbo" deste último, Passos Coelho???
    Ainda sinto um "frisson" de horror ao recordar. Foi a altura em que me recusei a ouvir/ver notícias, pois era tudo calamitoso e dava-me vontade de hibernar e nunca mais acordar. A depressão geral era profunda.
    Há sempre muitos sem-abrigo espalhados pela cidade, e a zona onde moro, que se situa não muito longe da Alameda, não é exceção, mas pouco tempo após a sua eleição passei a reparar numa abundância fora do comum, onde se misturavam pessoas que, pouco tempo antes, pertenceriam a uma classe média.
    Os membros do governo, nas suas saídas, eram vaiados, e com muita razão, pelo que começaram a evitá-lo.
    Foi um dos períodos mais desgraçados e angustiantes do nosso passado recente, e que, talvez por isso, não me sai da memória!
    Um bom final de semana
    Manel

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    1. Lisboa está cheia de sem-abrigo. É terrível. Não se concebe que tenhamos estas bolsas de pobreza. Em Santa Apolónia há tantos… Contudo, noto uma diminuição, a menos que estejam noutros locais.

      As maiorias absolutas degeneram sempre. O poder corrompe.

      Não simpatizo com o Silva. Parece-me muito extremista. Aquele partido deveria fazer cair o "p" de "pessoas".

      Cumprimentos, Manel.

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