31 de janeiro de 2019

Cultural Sunday (take 26).


   Este domingo levou-me a um concelho também da Grande Lisboa, no entanto, à data, foi a visita que mais me afastou de onde resido. E aonde fui? Mafra. Fui ao Palácio Nacional de Mafra, conhecido também por reunir, num mesmo espaço, igreja (basílica) e convento.

É encantador

   Há uns dez anos que não punha lá os pés, a ponto de já não me recordar de praticamente nada. A viagem faz-se bastante bem, de autocarro. O tempo lá ameaçou chuva, ameaçou, sem o cumprir. Fazia muito vento, sim, mas já se sabe. Estamos no Inverno.

A basílica. Desafortunadamente, já não é permitido aceder-se à cúpula e aos terraços, percurso que fiz em 2008

A biblioteca contém mais de trinta mil volumes, incluindo edições raras, como a segunda d'Os Lusíadas


   O Palácio de Mafra é de tal forma imponente que o vemos logo, assim que chegamos. As construções que o circulam, presumivelmente por se tratar de uma zona histórica, são tão rasteiras que o palácio se eleva, grandioso, deixando-nos uma sensação de pequenez. Com efeito, Dom João V não escolheu Mafra ao acaso. O Palácio de Mafra nunca serviu de residência permanente à família real, senão local de paragem sazonal, sobretudo em período de caça. Foi construído como cumprimento de um voto de Dom João V caso Deus lhe proporcionasse descendência com Dona Maria Ana de Áustria, o que se veio a verificar em 1711, com o nascimento da infanta Dona Maria Bárbara. Há quem refira que, pelo contrário, Dom João V prometeu a sua construção caso fosse curado dos males que o afligiam. Em todo o caso, o palácio começou a ser construído poucos anos depois, arrastando-se as obras até 1732. Dom João V ficaria doente dez anos depois, pouco tendo usufruído do espaço. Dom José, com o terramoto, ganhou fobia a recintos fechados. A partir daí, ora em Queluz, ora na Ajuda, Mafra era visitada apenas regularmente. Teve um papel significativo em 1807, porque de lá partiu a família real, levando todo o rico recheio, e também foi em Mafra que Dom Manuel II passou a sua última noite antes do exílio em Inglaterra.

Sala da Caça
   Actualmente, podemos visitar os antigos cómodos dos monarcas, seus quartos e salas, a ala que albergava a farmácia, os aposentos dos religiosos e dos doentes, a sala do trono, a biblioteca, lindíssima, e pouco mais, que há uma área ocupada por um quartel militar. A basílica pode ser visitada, todavia já não se insere no âmbito da visita ao palácio, porque a entrada se faz por outra porta. Há um pequeno claustro e um oratório que também têm interesse.

O quarto onde Dom Manuel passou a última noite
   No final, passeei pelo Jardim do Cerco, que fica nas traseiras do palácio e que já não pertencerá a este. É um jardim bonito, bem cuidado, estimado, e que fica ali muito bem. De entrada gratuita. Não fosse o vento e estar-se-ia lá melhor.

O Jardim do Cerco

   Foi uma visita mui agradável. O Palácio de Mafra representa o expoente máximo do barroco português. Saramago, nas artes, eternizou-o, escolhendo-o para epicentro da sua narrativa. Importa dizer que as suas torres sineiras têm dos maiores carrilhões da Europa. Na basílica, temos alguma da escultura barroca mais impressionante, o que mais do que justifica uma passagem por todo aquele conjunto de inestimável valor arquitectónico e histórico.

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.

6 comentários:

  1. Quanta preciosidade. Uma cidade de história e cultura riquíssimas. Bom que pessoas como você sempre a valorizam, coisa rara nos dias de hoje em qualquer parte do mundo.

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    1. Valorizo, e como gostaria de mais poder conhecer… Vou conhecendo o que posso.

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  2. Olha que bonito passeio deu! Parabéns.
    É magnificente!
    O que o ouro e as pedras preciosas do Brasil permitiu construir em Portugal.
    Claro que este Palácio-Convento bem poderia ser mais pequeno que não faria mal nenhum, pois é um "elefante branco" sem grande utilidade, nas suas 1200 divisões. No entanto é uma manifestação de poder político absoluto, que me parece na verdade a sua verdadeira função.
    Só era utilizada uma porção dele (apesar de ter servido mais de 300 frades, para além da corte, nos períodos em que ela se encontrava em Mafra, uma parte significativa dele continuava sem ser utilizado), mas que grandiosidade e nobreza que Ludovice imprimiu a esta construção.
    Não admira o ar meio germânico das coberturas das torres laterais, dada a origem prussiana do arquiteto.
    A sua formação como ourives também deve ter contribuído para alguma da ornamentação daquele imponente edifício.
    Segundo fui informado, parece que a estatuária, uma parte feita em mármore de Carrara, constitui o maior conjunto de estatuária de origem italiana do período barroco, fora de Itália.
    O interior da Basílica possui SEIS (!!!!) órgãos. Vale a pena ouvi-los!
    No próximo dia 3 de Fevereiro vai haver um concerto a vários órgãos, pelas 12:30h, onde será tocada música de Charpentier, Bach, Händel e Lully, entre outros menos conhecidos. Valerá a pena, sem dúvida.
    Se puder ir não se arrependerá, pois é imponente!
    No dia 5 de Março, às 15h, haverá outro concerto, mas a seis órgãos ao mesmo tempo.

    Também é de ficar perfeitamente em transe ouvir concertos tocados nos carrilhões, mas parece que o sinos foram recentemente apeados para manutenção.
    Mas vale bem a pena uma deslocação a Mafra quando começarem os concertos.

    Há uma história sobre os carrilhões, que não posso atestar da sua veracidade, pois parece-me mais uma história da "Carochinha" para adormecer crianças, mas ela é muito corrente.
    Parece que D. João V, através dos seus contactos nas cortes estrangeiras, pediu às manufaturas/fundições que os fabricavam à época, para ser informado sobre o preço de carrilhões, conquanto contava mandar instalar um na Basílica que tinha mandado construir.
    Da Bélgica, um dos centros onde eram fabricados, deram a informação que estes carrilhões eram demasiado caros, dada a quantidade exorbitante de sinos necessários, dos materiais necessários para o seu fabrico, o know-how necessário, para não falar da complexidade que levava a sua colocação in situ.
    Ao que parece, após saber o seu preço, algo realmente exorbitante para a época, D. João V parece ter ficado algo incomodado por considerarem que ele não teria dinheiro para os comprar, e, segundo as fontes, terá dito que não os sabia tão baratos, e encomendou DOIS!
    Efetivamente estão lá dois, e constituem um dos conjuntos históricos mais imponentes e impressionantes do mundo!

    Quanto à estada de D.João VI em Mafra antes de fugir para o Brasil (parece que o termo "fuga" incomoda muitos historiadores, mas, para mim, não passou mais do que isso! Mais não seria de esperar de uma figura daquelas, e da sua corte, a qual não era muito diferente - em caso de naufrágio, os ratos são os primeiros a fugir), e de acordo com a obra "Império à Deriva" de Patrick Wilcken, ele tinha residido naquele Palácio até ao início de novembro de 1807, depois mudou-se para o incompleto Palácio da Ajuda, onde ficou até ao dia 27, para estar mais próximo do cais de embarque de Belém, onde acabaria por embarcar numa nau que o levou para o Brasil.
    A população ficou entregue a si própria, claro.
    Há teorias que dão esta viagem como estratégica e que Napoleão, quando em Santa Helena, terá dito que a única cabeça coroada que o tinha enganado e escapado por entre os seus dedos teria sido o Bragança.
    Eu digo que tal facto me envergonha ainda hoje, não obstante as teorias de reabilitação que correm sobre este facto.

    Gostei muito da sua viagem! Parabéns
    Um bom final de semana, que já se aproxima
    Manel

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    1. É como diz, Manel: foi uma demonstração de poder e riqueza para a Europa. Dom João V em tudo quis imitar o fausto da corte de Luís XIV, e quis, igualmente, construir o seu Versailles.

      O Palácio é um colosso, e bastante frio, na verdade. Gostei mais da Ajuda, que está incompleto, e como o Manel referiu, e bem, foi de lá que saiu Dom João VI rumo ao Brasil, tendo partido primeiro de Mafra, que ficou despojado da melhor arte e tapeçaria. O que quis dizer é que Mafra conheceu os ventos da chegada de Junot.

      A estória de Dom João V pode não ser tão disparatada assim, que o monarca não se poupava a gastos. Pessoais, claro. O Aqueduto das Águas Livres foi construído com um imposto especial sobre o vinho e o pão.

      Sabe, após, durante anos, adoptar a tese da fuga e depois, com a tal reabilitação, passar a adoptar a da saída estratégica, creio que a verdade reside numa mistura de ambas: foi uma fuga estratégica. Não deixaram de sair cheios de medo. Diz-se mesmo que Dona Maria, já doente, lhes terá dito: "Não corram tanto que vão pensar que estamos a fugir! » Simultaneamente, foi uma sábia decisão, pois o Brasil já era o território mais importante do império e, desde lá, Dom João podia operar melhor a retaliação, que começou logo com a ocupação e anexação da Guiana Francesa. Como vivíamos ainda (antes de 1820) os últimos anos do absolutismo, o poder estava onde o rei estava. Não se aprisionando o rei, o que aconteceu em Espanha, com Fernando VII, de pouco adiantava tomar-se Lisboa. Esforço vão.

      Obrigado, caro Manel. Ainda bem que gostou. Não acredito que o surpreenda jamais, mas gosto de saber que gosta, eheh.

      Bom fim-de-semana!

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  3. Passeio muito interessante :)

    abraço amigo

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