29 de janeiro de 2019

Roma.


   Roma é o primeiro filme da Netflix nomeado para vários prémios Oscar. Depois de o vermos, entendemos o porquê. Roma, ao contrário da maioria dos filmes, faz-se por sinais. Temo-los em abundância através das duas horas, como se cada cena quotidiana correspondesse a um pico de tragédia. Alfonso Cuarón não se poupou aos planos minuciosos, que nos dão, muitas vezes, a impressão de que o tempo se pode evadir por entre os nossos dedos.

   A acção passa-se quase inteiramente numa casa de família. Ao início, radiante; para o final, tomada pela apatia. O carro, também ele de família, vai-se amolgando, à medida em que as personagens vão igualmente amolecendo. Cleo, de criada a quem nem um bom-dia a manca avó dava, passa a elemento indispensável daquele núcleo coxo. Yalitza Aparicio, sem precisar de muito, dá-nos muito. Na simplicidade de um olhar, de uma boca semicerrada, de movimentos lentos, tão lentos quanto a vida pode ser e a acção do filme, Cleo transparece um sofrimento enorme. 

  Entendi o carro novo como um renascimento. A partir da sua compra, a família começa a acordar para a necessidade de se seguir em frente. Quando se despedem do antigo, patroa e empregada fitam-se, com a primeira a desviar o olhar. A insegurança está lá, como se mais 5 segundos pudessem ser a confirmação de que ambas estavam (eram?) profundamente infelizes.



  O que Cuarón quis fazer daquela mulher, Cleo, ao mesmo tempo que a entrega ao papel de mera subalterna, uma criada de merda, nas palavras de Férmin, eleva-a a uma deusa, que consegue concretizar o movimento do mestre de artes marciais, vedado a todos os que o tentaram. A dedicação - devoção - de Cleo àquela família e os sucessivos planos da bosta do cão são uma antítese: no início da estória, Cleo e a sua colega representavam pouco ou nada para a família, que nem a luz podiam deixar ligada por uns momentos. Não deixou, ainda, de ser uma forma de o realizador tecer certa crítica social ao México do início dos anos 70, quando as minorias étnicas serviam uma classe média americanizada nos gostos.

  Roma é um filme que, estou seguro, certamente levará tempo para que o deixemos sair-nos da cabeça. É quase uma obra-prima da cinematografia recente, e acredito que será um dos clássicos desta década.


p.s.: Certamente terão reparado que as minhas crónicas sobre cinema aumentaram substancialmente em número. A razão prende-se ao seguinte: pretendo ver todos os filmes, ou o máximo que puder, nomeados para Melhor Filme nesta edição dos Oscars.

2 comentários: