6 de fevereiro de 2020

Bombshell, 1917 e Little Women.


   Tenho ido ao cinema. Fui a duas sessões durante a semana cultural e ontem a uma terceira. Como sabeis, gosto muito de cinema, e a cerimónia dos Óscares está aí à porta. Dos títulos nomeados na categoria de Melhor Filme, já pude ver: "Joker", "Era Uma Vez em Hollywood", "Parasitas", "1917" e o "Little Women". Faltam-me ainda o "Jojo Rabbits", o "Marriage Story" e o "Irishman", estes dois últimos na plataforma Netflix (que tenho). Há um último, "Ford vs. Ferrari", também nomeado, mas não está disponível na generalidade dos cinemas. Até ao dia da cerimónia, tenho de ver o Marriage e o Irishman, deixando o Jojo para a semana que vem.

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  Bombshell não está nomeado para Melhor Filme (está-o nas categorias de Melhor Actriz, por Charlize Theron, Melhor Actriz Secundária, por Margot Robbie, e Melhor Maquilhagem e Penteados, esta última uma categoria menor), em todo o caso, quis ir vê-lo. Aborda a questão do assédio sexual a jornalistas e apresentadoras da cadeia norte-americana Fox, um caso real que atingiu a empresa e fez derrubar o todo-poderoso Roger Ailes, fundador e director executivo do canal.

  O assédio às profissionais do sexo feminino nos mais variados sectores não é novidade. Como muitas mulheres, a minha mãe soube o que isso era nos anos 80, enquanto advogada estagiária numa sociedade. Contou-mo. As insinuações começam discretamente. Com o tempo, passam a observações directas, a olhares de desejo, a condescendências que qualquer mulher prescinde quando quer ser reconhecida pelo seu trabalho e não pelo seu corpo. Em Bombshell, vemos o comportamento pouco cerimonioso de Ailes com Kayla Pospisil, Megyn Kelly e Gretchen Carlson, tomando esta última a dianteira na denúncia, anos depois de uma mesma funcionária ter tentado o mesmo, sem êxito. Afrontar Roger Ailes era comprar uma briga com um homem que dominava o panorama televisivo dos EUA, amigo de poderosos, que tinha conseguido eleger e derrubar candidatos presidenciais.




   Evidentemente, este filme insere-se na retórica feminista / defensora das minorias que domina Hollywood, considerando-se, ainda assim, que versa sobre um caso real. Não senti um ímpeto feminista acentuado. O assédio é uma realidade num mundo dominado maioritariamente por homens, e o homem é aquilo: sexo e desejo. A ciência explica-o. O que para a mulher é idealização romântica, para o homem é sexo. Sabemo-lo. O que distingue o predador do homem ponderado é a capacidade de se controlar e de respeitar as colegas ou as subordinadas, de ser profissional.

    Parcamente, gostei das interpretações dinâmicas e honestas de Theron, Kidman e Robbie, e ainda de John Lithgow como Roger Ailes. A narrativa segue uma sequência lógica e não se perde naquilo que não é essencial. Nesse sentido, é um filme que não aborrece, firme, objectivo. Requintado nas interpretações, nas roupas, na maquilhagem, no glamour das personagens e dos espaços que ocupam.

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     O 1917 é o melhor filme de guerra que já vi e um dos melhores filmes de sempre (para mim). É um bom prenúncio da crónica ao filme, não é? Vi-o duas vezes. Da segunda, ainda gostei mais. Pude atentar em pormenores que me escaparam da primeira vez, e diz o povo que não há duas sem três.

    Sam Mendes recriou um palco de guerra impiedoso na recta final da I Guerra Mundial. Um conflito que parecia interminável (como a determinado momento se ouve no filme, «durará até o último dos homens restar de pé»), que deixava marcas no ânimo dos homens e cuja eternidade se via nos cadáveres que se amontoavam e decompunham, não restando, em muitos casos, mais do que caveiras incrustadas na terra húmida e pútrida, verdadeiras valas a céu aberto. Os horrores do conflito misturavam-se com a decomposição da matéria orgânica.

      Visões do inferno, apocalípticas, alternam com a beatitude das flores de cerejeira que resvalam no curso de água e preenchem os prados, da vaca que pasta e dá leite, do bebé e da moça virginal que vivem num abrigo subterrâneo, qual manjedoura como Cristo nasceu - uma nova geração, a redenção, a esperança -, e uma canção de embalar que faz esquecer o presente catastrófico.




     No olhar de Schofield vive a descrença, a apatia, a alienação, o sofrimento. É uma estrondosa interpretação do jovem actor britânico George MacKay enquanto primeiro-cabo Will Schofield, um homem determinado pela missão que assumiu e pelo compromisso com o amigo que o salvara e que perdera. Uma determinação inabalável, sobre-humana; um sentido de ética e de camaradagem.

       A direcção de imagem e a cenografia são de excelência em 1917. Os planos que a realização nos dá, colocando-nos no centro da acção com aqueles dois soldados, num primeiro momento, e com a solidão de Schofield numa aparentemente desértica e calamitosa França.

      É um filme extraordinário, que me lembrou Dunkirk, e merece todas as indicações que recebeu aos Óscares, incluindo, como não poderia deixar de ser, a de Melhor Filme.

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      Little Women recupera a dupla Ronan-Chalamet que vem de Lady Bird, e foi-me interessante vê-los de novo em cena. Há manifestamente uma química entre ambos, o que os terá levado também, direi eu, a querer repetir a parceria. Essa empatia, ao menos profissional, chega ao espectador: têm um desempenho bastante verossímil. Já não poderei dizer o mesmo de Meryl Streep. A veterana actriz, em contrapartida, fez uma má opção. Praticamente não nos damos conta da sua presença. A personagem que veste, a velha tia refilona, assenta-lhe mal, e depois a sua interpretação - e os grandes também têm maus momentos  - é fraca. Esforçada. Parece que nos quer convencer, sem necessidade, de que é a melhor. Emma Watson tem uma prestação mediana-sofrível, condizente com a sua personagem, a mais desinspirada e desinteressante das quatro irmãs. À dupla citada, que se repete aqui, temos uma mais-valia em Pugh, Scanlen e Dern.

      O interesse na narrativa vai surgindo à medida em que avança, porque a primeira parte é confusa. Há um excesso de personagens secundárias que perturbam os sentidos e nos afastam do conhecimento das personagens principais. Deve ser pecado comum a todos os filmes de época, e este leva-nos aos tumultuosos anos da Guerra da Secessão.



   A candura da relação entre as irmãs, com saudáveis momentos de afeição e de fúria, com temperamentos, talentos e objectivos de vida distintos, como em qualquer família, ao ser-nos permitido entrar na sua casa, nas suas brincadeiras e nos seus percursos, que afinal é um pequeno drama caseiro, é a única virtude que justifica ver este filme. 

    Há uma abordagem à posição social (e económica) da mulher na sociedade estadunidense do século XIX: ou nascia rica, ou casava com um homem bem posicionado para se sustentar. Nas palavras da velha tia March, à mulher não restava mais do que casar ou ser prostituta, ou ainda ser actriz, que para si era o mesmo. Em Little Women, entretanto, são os homens que se socorrem das mulheres para brilhar, isto é, supondo que o alcançam.

2 comentários:

  1. 1917 é um filme muito bom, com excelente roteiro, edição, fotografia e edição de som. Eu suspeito de falar, pois sou apaixonado por filmes de guerra.

    O blog está em Hiatus de Verão, mas estaremos comentando nos blogs amigos esse período.

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    Até mais, Emerson Garcia

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    1. É magnífico. Ganhe ou não o Óscar de Melhor Filme, para mim já o levou.

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