O que temos assistido em Portugal enche-me de vergonha. As filas intermináveis de ambulâncias à porta dos centros hospitalares, doentes e profissionais de saúde sem comida nem água por horas a fio, casos de corrupção nas listas para a toma das vacinas, que envolvem autarcas e párocos, inclusive. Qualquer país está sujeito a um agudizar da situação, todavia, não deixo de me perguntar como é que um modelo na gestão da pandemia se torna no país com piores indicadores do planeta. Só vejo um responsável: o governo de António Costa, que falhou em toda a linha.
Recordo-me de ver o primeiro-ministro a brincar com as medidas de restrição em algumas freguesias de Lisboa; enquanto isso, o vírus preparava-se para o assalto final no início deste ano. No Natal, uma vez mais, permitiram-se as reuniões familiares e a circulação, medidas populares para não provocar o descontentamento. Há culpa do governo, sim, e das pessoas, que não se deram conta do que estava em causa; que são pouco exigentes consigo e com o que esperam de quem as governe, ou seja, nenhum azo a que pudesse haver um relaxamento, por assim dizer, nas medidas de controlo face à pandemia.
A pandemia, como venho dizendo, só veio pôr (ainda mais) a descoberto as carências do Sistema Nacional de Saúde, que não é recente, que leva décadas, e que põe Portugal entre os piores países no que respeita à assistência sanitária na Europa.
E como um mal nunca vem só e o descontrolo é total, ironia das ironias, vota-se hoje, em votação final global, a lei da eutanásia. Com tantos a morrer vitimados pela pandemia, o momento não podia ser pior. Daria vontade de rir se não fosse tão grave, se não estivéssemos prestes a ultrapassar um limite intransponível: a retirar dignidade à vida humana, a permitir que se matem pessoas alegando que aquelas vidas, por mais fragilizadas, por estarem no seu fim, valem menos. E tudo com a bênção do Estado, o maior assassino.
Não sabia que tinha sido hoje a aprovação. Mas fico contente que tenha sido legalizada. Os termos em que foi aprovada não admite que seja um terceiro a decidir a morte. A morte é decidida pelo próprio, em consciência e é até bastante restritiva. Tal como na Lei do Aborto ou na Lei do Casamento homossexual, a existência de uma Lei não obriga à prática generalizada. Permite sim, definir o enquadramento legal para que um ato seja praticado em consciência e com segurança. Também como no caso das referidas leis, a objeção de consciência pode ser invocada e, nesses termos, um oficial de justiça pode recusar-se a casar um casal do mesmo sexo, ou um médico recusar-se a fazer um aborto ou praticar a eutanásia.
ResponderEliminarO meu avô materno morreu de um cancro incurável. Um homem de intelecto brilhante e de bondade inigualável. Ali esteve ele a morrer lenta e inexoravelmente. Se ao menos ele tivesse podido morrer antes daquele sofrimento, da dor horrível lenta e inexorável. A minha mãe, fervorosa católica, rezava a Deus para que ele lhe levasse o pai. E não era porque a vida dele valia menos, era porque a vida dele era preciosa. Porque na nossa família não somos egoístas ao ponto, de querer alguém ao nosso lado só porque a amamos muito não importa a condição em que ela se encontra.
E termino com uma informação muito íntima. Cresci numa casa cheia de amor, já não tenho o pai que adorava, adoro o meu irmão e a minha mãe é o meu amor maior. Se lhe acontecesse o mesmo que ao meu avô, e ela decidisse que queria partir enquanto estivesse lúcida e sem dores atrozes. Era com toda a alegria que eu aceitaria vê-la partir, digna, senhora de si. E sei que agora ela pode, se assim quiser, que eu posso se assim quiser, que o meu irmão pode se assim quiser, que o meu companheiro pode se assim quiser. E nem imaginas o alívio que isso me dá. Saber que podemos escapar a uma sentença irreversível, quando a sentença é irreversível. Não teremos necessidade de ser o corpo contorcido em gemidos do meu avô, inconsciente, incontinente, com os ossos a furar a pele. Isto não entra no meu conceito de dignidade humana. Ninguém devia ter de passar por isto. Se for o meu destino, e o universo permita que não, sei que posso ir antes, rodeado do meus em felicidade e sem os obrigar a carregar para a vida semelhante imagem.
Só tenho isto a dizer: com a idade que tens, és muito ingénuo. Isso tem um lado bom. O pior é o lado pernicioso.
EliminarÉ muito fácil convencer-se uma pessoa fragilizada a optar pela eutanásia. Muitíssimo. É muito fácil instrumentalizar-se alguém enfraquecido em razão da doença e do sofrimento psicológico que ela acarreta. Se fosse um terceiro a decidir, não seria eutanásia. Seria um homicídio, sem mais. Assim, não deixa de abrir caminho a homicídios mais requintados.
Como imaginas, não és o único a ter tido familiares em situação de sofrimento, com doenças terminais ou degenerativas. Eu já os tive, e não se me ocorre que em algum momento a hipótese da eutanásia tenha sido planteada pelos próprios.
Ainda bem que na tua família não há egoístas. Na minha, infelizmente, que não é de todo perfeita, há-os aos molhos.
São perspetivas, todas com a sua validade e o tempo mostrará o que é mais adequado para o contexto português (nos países de forte matriz católica estas coisas são sempre complicadas). Não acredito que vá ser um "regabofe" e um festival de manipulação. Posso estar a ser ingénuo como dizes, mas posso não estar.
ResponderEliminarNos países mais próximos onde existe, nos Países Baixos, por exemplo, já é um “regabofe”. Tornou-se um negócio, com casos de doentes psiquiátricos a ser encaminhados para a morte.
EliminarAmigo Mark
ResponderEliminarAcho de uma crueldade deixar alguém morrer de cancro, que pesa nem 20 kilos e onde a morfina já nem faz efeito
Alguém que ficou tetraplégico, que nem pode coçar o nariz. Chamas a isto vida? Terá de viver até aos 80 anos e cheio de problemas de saúde
Não se trata de homicídio mas sim da dignidade Humana.
Abraço amigo Mark e este comentário foi pensado por diversas vezes porque sei que temos ideias contrárias ao tema.
P.S - Se levas a Bíblia e o Pensamento deontológico, então deveria ser proibido fazer-se autópsias (Profanação do Cadáver) assim como a Cremação
Não tens de pensar muitas vezes para publicar um comentário. Eu, pelo menos, aceito opiniões contrárias. Não fui eu quem apagou um comentário aqui há tempos para nao afugentar um comentador habitual, pois não?
EliminarEu não falei em religião. Nem por um momento. Nem na publicação, nem na resposta acima ao Silvestre. Sou contra a eutanásia por outros motivos. Já os expus. É um enfraquecimento do valor absoluto da vida humana, abre um precedente perigoso, pode tornar-se num negócio para as clínicas privadas e é uma violação grosseira de tudo aquilo em que assenta a medicina.