Sábado de manhã. Acordar cedo para encontrar os livros adequados para levar a Setúbal. Livros de Direito para um estudante que anda para o torto. Encontrei-os, afinal, o tempo de tédio não é assim tanto que me permita esquecer de algo com o qual terei de lidar já para a semana a seguir à que se aproxima.
De tarde. A mãe levou-me à estação dos comboios (trem, para os meus leitores brasileiros), após muita inquietação e tentativas de me demover da ida a Setúbal. Depois de muitas explicações, incluindo, claro está, a de que ia para a casa de um colega que já esteve em nossa casa e com o qual fui às compras no Natal, lá tive a permissão de viajar. Apanhei o comboio (trem) e, ao chegar à estação, já o R. estava lá. Dissera-lhe previamente o horário e a que horas chegaria.
Não sei se já estivera antes em Setúbal. Não me recordo da cidade, mas é interessante. O R. cumprimentou-me e andámos bastante até chegarmos à sua casa. Ele vive num prédio normal, humilde, tal como suspeitava. Não tem elevador. Subimos as escadas, ele colocou a chave na fechadura e cedeu-me a passagem. Após um «com licença» humilde, entrei. A casa cheirava a comida, um aroma suave e acolhedor. Cheirava a «casa». A mãe estava na cozinha que fica de frente à sala. Surgiu e veio cumprimentar-me com dois beijinhos depois de limpar as mãos molhadas a um pano de cozinha. É simpática e nova, apesar do trabalho (digo eu) tê-la estragado um pouco, o que é visível na pele do seu rosto. Deverá ter a idade da mãe. Elogiou o meu cabelo, ao que eu correspondi com um «obrigado» e um sorriso discreto. O R. olhou para o chão e sorriu discretamente. Passado um pouco, apareceu uma criança, uma menina, a sua irmã. Tem nove anos. Deu-me um beijinho e foi a correr para o quarto. A casa dele é humilde, mas na qual nada falta. Fomos para o seu quarto.
O quarto dele é o típico quarto de um rapaz, tão diferente do meu exuberante e excêntrico quarto. Tem uma cama, um móvel para o pc, uma mesa-de-cabeceira e um roupeiro. O móvel para o pc tinha uns carros grandes de colecção numa prateleira, um boneco do Sporting, alguns livros e pouco mais. Na parede, um quadro com uma grande caravela pintada preenchia as paredes despidas. Senti-me tão bem no seu quarto. Pareceu-me tudo tão perfeito, tão real. Imaginei que ele era o meu namorado e que íamos estudar numa tarde de sábado. Ambos nos sentámos na sua cama e assim ficámos. Apetecia-me tudo menos estudar, apesar de ele estar interessadíssimo no estudo e não tanto em mim. Pensei para mim mesmo: "Mark, ele tem oral para a semana, sê compreensivo. Se não gostasse de ti não te teria convidado, não achas?" A verdade é que até ele notou algum desconforto da minha parte, perguntando-me mais do que uma vez se estava bem e se queria alguma coisa. Eu mantinha os meus pensamentos... "Beija-me, estás à espera do quê?", "Pega-me na mão!", "Diz qualquer coisa sem ser da porcaria do estudo!!!", mas em vão. Foram duas horas de estudo intensivas. De namorada de sonhos passei a camarada de estudo, 'tás a ver?.
O pai dele chegou. Senti uma voz masculina em casa. Ouvia também os passos da irmã pelo corredor do apartamento, não obstante os avisos da mãe de que o irmão precisava de estudar.
Pouco passava das 20 horas, a mãe bateu à porta, abriu-a e disse para irmos jantar. O R. deu-me uma palmadinha nas costas e cedeu-me passagem, encaminhando-me para a minúscula cozinha. Sim, eles comem na cozinha, só colocam um garfo e uma faca na mesa, usam guardanapos de papel, copos diferentes, toalha de plástico com desenhos de maçãs e cerejas e com as garrafas de água, vinho e Coca-Cola espalhadas. O R. apresentou-me o pai. É um homem vulgar, humilde, mas afável. Notei que estavam meio constrangidos com a minha presença. Depois de nos sentarmos à mesa, demonstraram uma enorme preocupação comigo, perguntando-me se o jantar era do meu agrado e se me sentia bem. Do pai era «menino» para aqui, «menino» para ali. São pessoas educadas e humildes. O jantar foi peixe no forno.
Surpreendeu-me e encantou-me, todavia, a forma simples como se comportam. Comem descomplexadamente, de forma natural. Senti-me um forasteiro por ali. São pessoas tão, tão normais. É uma família estruturada, onde há amor, carinho e compreensão de todas as partes. Não há riquezas, nem luxos, mas há o essencial: amor. Falam meio alto, enchem os copos, debruçam-se sobre a mesa para agarrar em qualquer coisa, enfim, como milhões de lares portugueses. Tão diferente do que sempre vivi...
Nessa noite pude constatar a beleza do R. Como referi anteriormente, ele não é um deus grego e para muitos de vós até pode parecer um rapazito qualquer, mas tem qualquer coisa que mexe comigo. Uma pureza, uma ingenuidade gritante. Gostava de lhe poder perguntar o que ele sente por mim, gostava de indagá-lo sobre a natureza da nossa relação, afinal, para me convidar para ir à sua casa é porque existe algo. Não é comum que um rapaz trate outro como ele me trata a mim se não existir qualquer coisa. Apesar de ele não avançar, ele não me trata como um rapaz heterossexual trata outro. Eu tenho a certeza de que ele sabe o que sinto. Ninguém é tão parvo a esse ponto, porém, quais serão os seus sentimentos?
Depois do jantar, decidi que era melhor ir embora. O pai dele prontificou-se para me trazer a Lisboa e até ficou meio ofendido (pareceu-me) por eu não aceitar. A mãe despediu-se de mim, agradecendo-me a amizade para com o R. e dizendo que «ele fala muito em ti e diz que és dos melhores alunos da turma». No entanto, não pude recusar o convite de me levar até à estação.
Saí do carro e o R. foi comigo para tirar o bilhete. Quis pagá-lo e dar-me o dinheiro do outro, mas eu recusei. Disse que não era justo que eu gastasse dinheiro com ele. Justifiquei como um acto de amizade e relembrei-o do presente de Natal. Há atitudes que não têm preço algum.
Deu-me um abraço à homem. Faltavam dez minutos para o comboio. Saiu.
Telefonei à mãe e ela foi buscar-me à estação em Lisboa.
Foi um dia banal, com mais expectativas da minha parte.
Um dia amarelo que pintei em tons lilás.
Um dia que pintei de mil cores e que terminou com uma.
não sei como ele te resiste Mark. És adorável. Mas também és uma realidade que ele provavelmente desconhece. É duro acharmos que podemos não ser suficientes para quem gostamos.
ResponderEliminarObrigado, tartaruguinha. :)
ResponderEliminaroh mark, esse gajo (desculpa lá) é meio troll não? um tipo que até vai à terra dele para estudar, simpático e que gosta dele e ele nada? não te merece na minha opinião e não me leves a mal por tar a ser intrometido nas tuas cenas.
ResponderEliminarabc
e daqui se poderia fazer uma adaptação para o cinema.ehehe
ResponderEliminarTomás, diz-lhe isso a ele. :) Pode ser que surta algum efeito... Já nem sei... Enfim...
ResponderEliminarFentustengerstein: Seria um filme horroroso, na certa. Só espero que o final seja feliz...
Mark, apesar de ser teu leitor assíduo já a algum tempo (e, já agora, obrigado por te tornares seguidor do meu blog!) é a primeira vez que vou comentar.
ResponderEliminarNão sei qual será o futuro dessa relação, mas torço para que seja algo muito bonito.
Mas penso que aquilo que estás a viver é já algo muito bonito. Poderás não concordar, mas esta fase de descoberta e de pré-sedução a mim deixa-me muito entusiasmado! Não devias estar tão desiludido.
Ele parece-me um rapaz simples, mas com uma sensibilidade fora do comum para um rapaz simples.
Provavelmente não estará á vontade nesta situação que, muito provavelmente, será nova para ele.
Na minha opinião, penso que deves seguir com calma.
Mas sorte para esta relação.
Abraço,
Ikki
Olá Ikki!
ResponderEliminarNão tens de agradecer. :)
Sim, para muitos será uma fase divertida, de sedução, mas para mim é algo indefinido e estranho.
Obrigado pelas tuas palavras. :)
lots of love para todos ^^
Eu cada vez mais peço que tudo dê certo com vocês.
ResponderEliminarAdorei este post.
E esta história romântica até tem suspense...
Pinguim, obrigado pelo apoio e pela força. :) És um amor.
ResponderEliminarlots of love ^^
Olá Mark acompanho sempre o teu blog e realmente não existem dúvidas que nutres realmente algo imensamente forte pelo teu amigo. E claro pelo que me parece, nem um nem outro dão o primeiro passo. Gostarias imenso que fosse ele a dá-lo, mas muito provavelmente também ele gostaria que fosses tu a dá-lo. Porque não conversares com ele abertamente? É óbvio que é um dilema, afinal o rapaz pode ser heterossexual. Contudo, e já que te sentes á vontade na escrita e talvez fosse mais fácil para ti, fica a ideia de lhe escreveres e dizeres-lhe tudo aquilo que sentes, certamente ele não irá levar a mal e quem sabe não sejas surpreendido. Por vezes, temos que ser nós a dar aquele primeiro passo. Desejo-te boa sorte com isso e que estejas diante de uma possível e bonita história de amor. :) Um abraço
ResponderEliminarOlá Anónimo. :) É pena que não tenhas escolhido um nome para me poder recordar de ti. Não interessa, ficas como o "Anónimo Simpático". (:
ResponderEliminarJá pensei nisso... Será que ele está à espera de que eu dê o primeiro passo? Por outro lado, tenho medo de avançar e que ele ache algo de... errado. Suponhamos que ele é heterossexual? É verdade que tem atitudes que dão a desconfiar, mas nada prova o contrário. Escrever-lhe uma carta seria uma boa ideia, uma vez que duvido que tenha coragem de abordá-lo sobre o assunto.
Obrigado pelas palavras e um abraço. (:
Olá Mark!
ResponderEliminarPrimeiramente, quero agradecer pela visita e pelo lindo comentário feito. Eu gosto muito de escrever e fico feliz quando as pessoas aprovam o q escrevo.
Gostei muito do seu blog tbm, ele é leve e tem posts interessantes. Ah, vc tbm escreve bem viu?! bjoxxxxxxxxxxxxxxxxx no coração!
Estou por aqui agora!
Olá Diogo.
ResponderEliminarObrigado pelas tuas palavras. (:
lots of love ^^
Um dos teus textos mais bonitos de sempre! Cheio de «imagens visuais»!
ResponderEliminarHá aqui um dado novo: será que ele não está com tanto medo como tu?! E melhor: ele não teve problemas em mostrar como ele e a família são. Sem máscaras.
PS: só um pormenorzito. Para a próxima, leva qualquer coisa para ofereceres à mãe! LOL Conquistas o rapaz, ao inverso! :)
Abraço.
Blog Liker: Sim, ele é muito transparente consigo e nas suas atitudes. É o que é e não o esconde. São pontos positivos. (:
ResponderEliminarE em relação ao presente da mãe, tens toda a razão. Que falha! (:
Obrigado pelas palavras.
lots of love ^^
QUe lindo Mark!
ResponderEliminarGostas mesmo dele, já vi...
Tens de arranjar coragem e contares-lhe :p
Beijinho
Eu ando atrasadíssimo a ler posts, e só agora consegui ler este. Podia ler os seguintes, mas prefiro ir comentando à medida que leio.
ResponderEliminarTu tens uma sensibilidade especial, e não é que não saibas escolher os rapazes, mas não queria por nada ver-te sofrer por alguém que não te merece.
Achas que ele fica nervoso na tua presença? Achas que se atrapalha?
Abraços
Coelhinho, ele não se atrapalha, nem fica nervoso. Simplesmente não avança. E isso faz-me perder o entusiasmo. Fez-me, uma vez que já o perdi...
ResponderEliminarAbraço, sweet bunny ^^