Dei por mim a vasculhar as gavetas à procura de um pouco de mim. Tive uma necessidade selvagem de encontrar o meu eu de há uns anos. Encontrei os álbuns que tanto desejava. Álbuns que retratam períodos maravilhosos da minha vida, períodos esses que julgo perdidos para sempre. Chorei. As lágrimas desceram impiedosamente pela minha face à medida que observava as fotografias do pai e da mãe, juntos e felizes, ignorando o que viria a suceder alguns anos depois. As nossas férias, felizes e eternas, perduram agora, como sonhos desfeitos, em montes de fotografias mentirosas. Sem sombra de dúvida, fui mais feliz nessas alturas do que sou hoje. O sol não brilha como brilhava, o vento não tem o mesmo toque suave e os meus olhos não guardam a mesma inocência.
Encontrei-o. Num misto de sentimentos contraditórios, encontrei aquele álbum que tanto quis evitar. As nossas férias de Verão. Aquelas em que fomos, todos, para a casa da avó. Foram, decididamente, as melhores férias que tive. As fotos atestam os nossos sorrisos, o que sabíamos e que gostávamos que pertencesse apenas aos dois. Ainda sinto os beijos que demos, no meu quarto, enquanto eles falavam na sala. Ainda sinto o teu desejo, forte e real, quando encostavas o teu corpo ao meu dentro da água do mar. Ainda me recordo do teu cabelo, louro e molhado, quando repousavas ao sol, descansando sob a luz de um sol intenso e quente. Foram dias que pareceram séculos, tamanha era a vontade de perdurá-los no tempo.
Chorei mais um pouco. A mãe encontrou-me, sentado no chão, com a cara molhada das lágrimas intensas que escorriam pelo meu rosto. Ficou assustada. Abraçou-me e levou-me até ao banheiro, onde passou água fria pela minha cara. Senti-me um pouco melhor. Interrogado, escondi-lhe os verdadeiros motivos, contando-lhe apenas que se tratava de um momento de nostalgia. Mentira. No fundo, queria de volta esses momentos que vivi. Quisesse Deus que pudéssemos parar a passagem do tempo!...
Deitei-me sobre a cama e observei os quentes raios solares de final de tarde. Abracei o ursinho de pelúcia, gigante de cor creme, de forma a encontrar um conforto que não fala, não protesta, mas ouve. Passaram mil e uma coisas pela minha cabeça. Não me candidatar a Direito e sim a um curso patético que odeio nas cidades de Coimbra, Porto, Aveiro, etc, fugindo de todos. Seria infeliz. Cortar o meu denso cabelo, talvez rapá-lo, o maior atrevimento de sempre. Seria infeliz e desperdiçaria um cabelo fantástico, volumoso e elogiado que, desde ontem, uso novamente à emo, mesmo sem o ser. Dizer palavrões, comer com as mãos, apalpar uma amiga nos seus maravilhosos seios e, quem sabe, termos aquilo. Seria infeliz e ela, de certeza, também. Comer montes de carne, gordurosa e maléfica. Seria infeliz, engordaria imenso e deitava anos de dedicação quase total ao ovolactovegetarianismo.
Passados alguns minutos, apercebi-me de que tudo está bem assim como está. Precisa de uns retoques aqui e ali. Nada que não tenha solução. Pensei em quem enfrenta graves e sérios problemas. Apercebi-me. És feliz.
Corri, solto e leve pela casa, de sorriso nos lábios, chamando pela mãe.
O que interesse é o presente e não o passado, embora este consiga conter muitas memórias na nossa mente.
ResponderEliminarSão as recordações (boas) do passado que tornam o presente feliz.
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