Deitei-me porque a cabeça pedia-me descanso. As consequências de meses de estudo não são imediatas; o corpo ressente-se mais tarde. Não puxei as cortinas, deixando o sol penetrar pelo quarto, batendo com todos os seus raios de final de tarde sobre o meu rosto. Depressa adormeci. Senti um ruído a dissipar-se, mas estava longe. Adormeci antes que pudesse decifrar do que se tratava.
Lembro-me de um jardim infinito, de um verde irreal e fresco. As flores eram de diversas cores e formas, mas recordo-me dos lírios roxos em tamanha quantidade que pareciam um tapete homogéneo de beleza e cor. Estava uma brisa suave, mas suficientemente agitada para fazer balançar o meu cabelo. A brisa trazia em si um perfume misterioso. Um aroma agradável de paz e sossego perpétuos. Não estava ninguém perto de mim. No entanto, consegui avistar algumas pessoas ao longe, no que me parecia ser um parque de diversões, mas não um parque qualquer: um lugar calmo e sereno. Olhei em redor. Senti-me abandonado, embora estivesse calmo e de bem comigo mesmo.
Quase como aparecendo do nada, vislumbro um rapaz. Tinha caracóis louros, da cor do ouro. Os seus olhos verdes diziam-me para não ter medo. Veio ao meu encontro. Parou diante de mim e, numa linguagem calma e pausada, disse-me:
-"Não tenhas medo. Aqui estás em paz..."
Não percebi onde estava nem quem ele era. Quando me preparava para falar, pegou-me na mão e começámos a correr. Corremos imenso, mas não estava cansado, nem sentia o peso do corpo. Era como se estivesse num lugar paradisíaco, em que a gravidade não tem a mínima influência, apesar dos nossos corpos estarem assentes em terra firme. Parámos junto a uma lagoa, ou talvez um lago. Largou a minha mão. Olhei para ele e comecei a caminhar em direcção à água. Vi claramente o meu rosto reflectido no espelho d'água. Era eu, definitivamente. Reconheci o meu sinal redondinho na bochecha, os meus lábios e os traços gerais do meu rosto. Olhei de novo para o rapaz e perguntei-lhe quem era.
-"Sou quem queres que eu seja. Um amigo..."
Dirigi-me ao seu encontro, deixando a lagoa para trás. Peguei na sua mão. Senti o seu aperto forte. Olhei em redor e vejo que não estamos sozinhos. Instantaneamente, apareceram pessoas vindas de todos os lados e nenhuma delas reparava no facto de estarmos de mãos dadas. Sorriu para mim e abraçou-me. Cheirava a alfazema. Senti-me incrivelmente protegido e amparado. Lembro-me de pensar nos pais, nos avós, na Só, nos amigos, nos primos; nada era suficientemente forte para me fazer abandonar aquele lugar.
Acordei. Estava no quarto da mãe. O sol já não batia no meu rosto. Chamei pela mãe. Não respondeu. Levantei-me, corri em direcção à sala de jantar e vi a Ana a colocar a mesa. Disse-me que a mãe chegava mais tarde e que já tinha avisado que não vinha jantar. Não lhe contei o meu sonho. Apenas lhe pedi um comprimido. Acordei com uma sensação estranha no estômago.
Fui para o meu quarto. Freud explicaria o meu sonho como sendo um conjunto de recalcamentos que foram exteriorizados pelo meu inconsciente enquanto dormia. Visto que o superego não permite que o faça em estado de vigília, o meu id transborda tudo quando estou a dormir. O pai dar-lhe-ia outra explicação, bem mais espiritual.
Apesar de tudo de bom que vi naquele sonho, acordei angustiado.
Não sei se gostaria de voltar a viver naquele paraíso inalcançado.
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