6 de junho de 2021

HIV/SIDA, 40 anos.


   Foi há exactos quarenta anos, a 5 de Junho de 1981, que o governo dos E.U.A através do boletim MMWR (Morbidity and Mortality Weekly Report) informava os seus cidadãos e o mundo de que cinco pacientes, dois deles entretantos falecidos, haviam sido internados com uma variante rara de pneumonia, a pneumocystis jirovecii, que afectava sobretudo doentes imunodeprimidos. No final do mesmo mês, dado o avanço progressivo e rápido no número de casos, o CDC (Centre for Disease Control and Prevention), entidade responsável pelo estudo de controlo e prevenção de doenças, avançava com uma profunda investigação tendo em vista a descoberta do potencial vírus que estaria por detrás das misteriosas infecções. Como sabemos, somente em 1983 se isolou o HIV, primeiramente em França e de seguida nos Estados Unidos. 

   Os primeiros casos visaram homossexuais e usuários de drogas intravenosas, porém, não demorou muito para que a comunidade científica percebesse que qualquer um poderia ser infectado, incluindo crianças que nasciam de mães seropositivas. Passámos inicialmente da doença dos homossexuais (Gay-related immune deficiency) para a doença dos 4H (homossexuais, hemofílicos, haitianos -comunidade fortemente afectada- e heroínomanos (consumidores de heroína intravenosa). Actualmente, a expressão grupos de risco é rejeitada, por inexacta e incorrecta, e foi substituída por comportamentos de risco: qualquer um se pode contagiar ou contagiar terceiros se não adoptar determinadas medidas de protecção sobejamente conhecidas.

   Avançou-se gradualmente com o surgimento dos primeiros medicamentos que atrasavam a replicação do vírus. Primeiro o AZT, em 1987, ineficaz, até ao primeiro cocktail de drogas, em 1996, que contudo não permitia uma qualidade de vida digna e acarretava, devido às sequelas físicas, um estigma social que isolava os seropositivos, não lhes permitindo trabalhar ou conviver, tamanha a discriminação e a ignorância que existia acerca do HIV e das suas formas de transmissão. Vinte e cinco anos depois, conseguimos que o vírus fique indetectável numa análise sanguínea; reduzimos o número de medicamentos diários e grande parte dos efeitos secundários.

    Desde 1981 a 2021, morreram 35 milhões de pessoas vítimas da acção do HIV, que não é uma doença nem provoca uma doença. É um vírus que destrói os linfócitos CD4, responsáveis pela defesa do nosso corpo frente a infecções oportunistas. Quando essas defesas estão de tal forma comprometidas que já nos encontramos altamente expostos a uma dessas infecções, diz-se que estamos no estágio SIDA, que tão-pouco é uma doença, mas uma síndrome, como o nome indica, ou uma condição, que sem tratamento acarretará a morte por uma qualquer infecção que sobrevenha e que o nosso organismo se veja incapaz de combater.

  A esperança de vida dos seropositivos, com uma detecção precoce do vírus e a toma diária e responsável dos antiretrovirais, ronda os 50 anos após o diagnóstico. Uma vitória da ciência sobre um vírus que, pelas suas mutações, nos tem trocado as voltas no objectivo de se conseguir uma vacina eficaz. Hoje como antes, a palavra mágica passa pela prevenção. 

4 comentários:

  1. Assim se passaram 40 anos :) o tempo voa

    abraço

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  2. 40 anos depois, continuamos sem vacina. Pelo menos já não sabemos de mortes. É uma vitória, é. Tornou-se uma “doença” crónica. Entre comas porque não é uma doença. :)

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  3. Como sabe, atravessei toda essa fase como adulto e, por isso, no meio de toda esta conjuntura, a prática do sexo era um risco enorme, e quando ele era anónimo, então era uma sentença de morte que se arriscava, se não se tivessem os cuidados que, todos sabemos, dever-se-ia ter.
    Foi um milagre não ter sido atingido por este flagelo, pois inicialmente não estava tão bem informado, e, nessa altura, viajava frequentemente.
    Conseguir sobreviver foi realmente um milagre ou uma sorte, não sei bem em que acreditar.
    Depois tive durante muitos anos uma relação estável que perdurou por mais de década e meia, que nos protegeu aos dois, pois, sei-o hoje, creio termos sido fieis um ao outro. Eu, pela minha parte, fui-o, se bem que, em pensamento, não tenho bem a certeza ... :) uma pessoa não é "de ferro", afinal somos apenas humanos.
    Hoje em dia, a forma como esta situação é controlada nos países ditos "avançados" faz-me acreditar que a calamidade pode ser controlada, mas e os outros países?
    Os que não têm cuidados de saúde básicos, ou os têm de forma precária, os que vivem dramas todos os dias, dramas de guerra, de calamidades, os cidadãos que têm líderes perfeitamente genocidas, que são uma quantidade preocupante, os países onde a informação continua a ser deficitária ... enfim, um sem número de situações que não nos colocam a salvo desta epidemia que, não matando nos países ditos civilizados, continua a matar fora deles.
    A situação não é segura em termos de planeta.
    E, não querendo parecer condescendente ou hipócrita, cada vez vejo pessoas a tomar cada vez mais comportamentos de risco a coberto de um controlo levado a cabo por fármacos. Creio que continuamos a ter comportamentos irrefletidos.
    Não quero ser o "Velho do Restelo", mas a situação não me tranquiliza efetivamente.

    Espero que viva uma vida tranquila nesse seu pequeno paraíso, espero que o conserve, e olhe que não irá ser fácil
    Manel

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    1. Olá, Manel.

      Antes de começar, deixe-me que lhe diga que é também isso que gosto em si e nas suas “participações”: a sua honestidade. O Manel fala sem complexos da vivência livre, quiçá mesmo um pouco irresponsável, da sua sexualidade quando era jovem, e dos “pecados” em pensamento já mais tarde, numa relação.

      Sabe, penso frequentemente nisso quando me deparo com homossexuais de idade longeva e vivências citadinas. Naquele tempo, o risco era imenso, o desconhecimento total, e as viagens, acredito, em muito aumentavam as exposições a um vírus que ditava uma sentença de morte. Ser portador de HIV era como estar sujeito a uma pena que apenas não se sabia quando seria executada. Temos casos, poucos, como os de um jornalista português, cujo nome de momento não me ocorre, que soube da sua infecção em finais dos anos 80 e morreu já depois de 2010. Mas eram casos raros. A maioria sucumbia em um, dois anos após a manifestação dos primeiros sintomas. É um capítulo negro da história contemporânea da medicina e da ciência que, sem entender bem o motivo, me fascina.

      Hoje em dia, há fármacos, como disse, que de certa forma, ou isso dizem, imunizam o sujeito antes de se expor à prática de sexo desprotegido. São opções. Creio que ainda estamos naquela fase da libertação, sabe? Numa comunidade onde muitos passam décadas escondidos, quando saem dos seus armários, dão azo a todas as fantasias reprimidas.

      Já todos, de uma forma ou outra, nos expusemos ao perigo. Ao das doenças e a outros. Viver comporta um risco. E se este risco pode ser evitado, minorado, há outros que não.


      Mudando radicalmente de assunto, sabe que o rural já me cansa? Posso viver no rural, mas num rural que esteja mais perto da cidade, por questões laborais e inclusive da própria conclusão dos meus estudos, um ciclo que parece que tardo em fechar por tantas circunstâncias que vão surgindo.

      Um abraço!

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