No dia nove do presente mês, o Presidente da República eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, substitui o ainda Chefe de Estado em exercício de funções. Findo o mandato de Cavaco Silva, cumpridas as formalidades da tomada de posse do novo Presidente, quebra-se um ciclo de quarenta anos de vida política, iniciado já no longínquo ano de 1980, quando Cavaco Silva foi convidado para integrar o VI Governo Constitucional.
De lá para cá, Cavaco Silva alcançou a chefia do Governo, em 1985, e duas maiorias absolutas, em 1987 e em 1991. Portugal era um recém parceiro europeu, integrado há pouco tempo nas Comunidades. As remessas de fundos estruturais começavam a chegar à periferia da Europa. O país conheceu um desenvolvimento notório, o que permitiu a Cavaco Silva consolidar a sua posição enquanto Primeiro-Ministro. Os portugueses reconheciam-lhe firmeza. Com efeito, a sua postura técnica e austera, discreta, inspirava confiança no eleitorado. Cavaco Silva é homem de poucos afectos públicos.
Mil novecentos e noventa e cinco traria um novo rumo para o país, dez anos transcorridos desde que Cavaco Silva passara a liderar um executivo. O povo foi contundente em dar a vitória ao Partido Socialista. Havia muito que se fazia ouvir a voz da contestação pelas ruas do país. A convivência entre Cavaco Silva e o então Presidente da República, Mário Soares, foi bem pouco pacífica durante os respectivos mandatos de ambos. A popularidade do ex-Primeiro-Ministro social-democrata não ficaria diminuída, posto que, no ano seguinte, em 1996, perdeu as eleições presidenciais, ganhas por Jorge Sampaio, por uma margem não significativa.
Porém, só na década seguinte, em 2006, Cavaco Silva chegaria a Belém. E se traços do seu conservadorismo já haviam sobressaído nos anos de governo, nomeadamente quando vetou a obra de José Saramago ao prémio europeu por motivos de religiosos, Cavaco Silva seria a força de bloqueio a algumas reformas que o país carecia, por forma a que se esbatessem certas desigualdades entre os cidadãos. Em todo o caso, desempenhou os dois mandatos presidenciais fiel a si mesmo, no comportamento ascético que lhe é conhecido.
Rigoroso, todavia no cumprimento da Constituição, deu posse ao segundo governo de José Sócrates, em 2009, na sequência do acto eleitoral legislativo, do qual resultou um executivo de maioria relativa. As divergências entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro acentuaram-se. Dois anos depois, em 2011, aquando da crise política desencadeada pelo pedido de resgate financeiro, empossou um executivo da sua confiança, com Pedro Passos Coelho enquanto líder do PSD e Primeiro-Ministro, sendo complacente com uma política de austeridade ideológica, que não se confunde com medidas excepcionais no necessário equilíbrio das contas públicas, que teve repercussões nas camadas mais vulneráveis, o grosso da população portuguesa. Já em 2015, adiou na indigitação e posterior nomeação de António Costa e do executivo que este lhe apresentou, um engulho que a custo ultrapassou.
Sobretudo no segundo mandato presidencial, Cavaco Silva não deixa boas lembranças aos portugueses. Foi omisso quando se esperava interventivo. O silêncio que demonstrou, em determinadas situações, consternou os cidadãos, até em indiscutíveis seus apoiantes. Foi um Chefe de Estado distante das pessoas e dos naturais anseios da população. Insensível e indiferente à realidade do país. Cúmplice de políticas que devastaram o nosso tecido social. Um correligionário do anterior Governo, no lugar de tradicional moderador e até, eu diria, aliado do povo.
Com Marcelo Rebelo de Sousa, irrompe um capital de esperanças, em quem votou em si e até junto daqueles aos olhos dos quais não mereceu confiança. Todos são unânimes em reconhecer que Portugal precisa de um novo Chefe de Estado, com outra atitude perante o país e os desafios que atravessamos.
Em Portugal um presidente, pouco ou nada manda. É apenas uma figura de Estado. Daí preferir muitas vezes uma família real, sempre dava outro glamour a este país. Com as Mordomias que ganham os ex-chefes de estado, dava para pagar à Família Real e ainda sobrava alguma coisa para as festas lolololololololololol
ResponderEliminarLi há pouco tempo num jornal, que MRS foi elegido apenas por 2 milhões de portugueses. Ora se votaram mais nas presidenciais que nas outras. Até tenho medo em saber quantos votaram na "Esquerda Unida"
Grande abraço amigo
O Presidente, em Portugal, também não existe para "mandar". :) Ainda assim, a Constituição mune-o de amplos poderes. Não é uma mera figura decorativa.
Eliminarum abraço, amigo.
Vou fazer uma festa com o afastamento do walking dead da politica, ops...
ResponderEliminar(risos) :)
EliminarMark hoje ao jantar disse que o Marcelo Rebelo de Sousa me faz lembrar um vampiro, mas não sei se é do Marretas ou da Rua Sesamo :-S.
EliminarO Conde de Kontarrrrrr. :'D Lembro-me desse.
EliminarQue todas as esperanças se concretizem. Por aqui vivemos de esperança para q este ciclo podre q vivemos acabe logo.
ResponderEliminarEu soube do envolvimento de Lula de Silva na Operação Lava Jato. Aliás, há ligações com alguns processos em Portugal, nomeadamente a Operação Marquês.
EliminarSerá o quinto presidente que me passa pela vida. De certo modo estou um pouco ansioso para ver o que nos espera... com esperanças positivas, claro.
ResponderEliminarNos mandatos do primeiro Presidente da República desta vigência constitucional eras ainda um menino. :)
EliminarNasci há nove presidentes da República atrás (contando com MRS) e devo admitir que nunca me vi tão mal representado como com esta, em boa hora cessante, "Múmia Paralítica", que, como político (como homem não tenho qualquer opinião, nem, igualmente, qualquer curiosidade) sempre ficou aquém de tudo o que se esperava dele (teve a sorte dos milhões da ex-CEE começarem a inundar Portugal a partir de 1985, no início do seu 1º mandato à frente do Governo, e mantiveram-se durante todo os seus mandatos sucessivos, que se concluíram em 1996 - aliás, pode-se-lhes seguir o rasto - refiro-me logicamente a muitos desses milhões - reparando na triste história de uma quantidade significativa das figuras de poder, e confiança, dos seus governos!).
ResponderEliminarJá antes não deixou saudades, nem creio que agora deixe ... bem, a mim não, seguramente - devo reconhecer que não devo, nem posso, falar pelos meus concidadãos.
Quanto ao meu posicionamento político, devo reconhecer que não sou partidário nem consigo caraterizar-me como sendo de esquerda ou de direita!
Prefiro estar atento e optar por aquilo que mais sentido faz para mim
Manel
Pelas minhas contas, portanto, e incluindo, evidentemente, os dois Presidentes militares do período que mediou o 25 de Abril e o início da actual vigência constitucional, nasceu na Presidência de Craveiro Lopes. :)
EliminarSim. O(s) Governo(s) cavaquista(s) terminou(aram) em 1995. Algumas figuras ligadas aos dois executivos, como Dias Loureiro, ficaram tristemente célebres...
Eu partilho do seu posicionamento. Considero-me um homem de esquerda, sim, embora, em algumas matérias, adopte uma postura tradicionalmente associada à direita política.
Cumprimentos.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar"Falou" muito bem. :)
EliminarPois, esperemos tudo isso!
um abraço, Tiago, e obrigado.
legal, bom saber um pouco sobre a história de Portugal, eu adoro história.
ResponderEliminarPor que aqui no Brasil a situação ta bem complicada e difícil.
Somos dois a adorar História. :)
EliminarSim, o Brasil mergulhou numa crise. Acredito que a ultrapassará. Em Portugal, vivemos por períodos. Nos últimos anos tivemos crises económicas e até uma crise política.
Eu não sou um fã de Cavaco Silva, mas há uns dias li uma crónica que me deixou a pensar. Quando olhamos para a história da nossa democracia, que políticos tivemos que foram melhores do que Cavaco Silva? Mário Soares? O trafulha do José Sócrates? O Sá Carneiro é uma incógnita. Barroso? Santana Lopes? Guterres? Não vejo em que é que Cavaco fica atrás destes homens. Foi até um homem, sem o querer estar a defender que como disse nem o admiro, que se sacrificou pelo país. Que esteve presente nos nossos momentos decisivos, que contribuiu para a consolidação deste regime e para o nosso desenvolvimento. Basta olhar para o país antes de 1985 e depois. Já sei que me vai falar dos fundos da UE. Sim. Mas os governos que Cavaco Silva encabeçou participaram em todo esse processo. O Presidente actual fez-lhe justiça ao reconhecer o seu mérito.
ResponderEliminarCumprimentos.
Como calcula, sim. Considero Mário Soares e António Guterres, nomeadamente, melhores do que Cavaco Silva. E Sócrates não foi um mau Primeiro-Ministro. Os problemas que tem com a justiça não anulam o que fez nos dois mandatos que liderou à frente dos destinos do país; o que fez bem e o que fez mal. O que se passa é que os seus carrascos nem sempre são justos nas apreciações que fazem.
EliminarO Gabriel referiu os fundos estruturais. Não devo acrescentar muito mais. É fácil ser-se bem sucedido com milhões vindos de Bruxelas, não acha?
O Presidente Marcelo cumpriu com o seu papel. Não esperaria nada mais do que palavras de agradecimento e de reconhecimento ao antecessor. Foi politicamente correcto e assumiu a postura que lhe é devida: de Chefe de Estado.
Cumprimentos.