28 de dezembro de 2015

Nietzsche.


   O primeiro contacto com o pensamento de Friedrich Nietzsche (1844 - 1900) teve lugar na minha conturbada adolescência. Alternava, portanto, entre escritos religiosos (a Bíblia, que li com subtileza tal que presumo não conseguir hoje; o (Al)Corão, que comprei traduzido, claro está, ainda que os muçulmanos defendam que perca a sua pureza, uma vez que a palavra de Deus ao Profeta, em árabe, é a sagrada; os cinco pilares da doutrina espírita) e Nietzsche, o incorrigível e militante ateu.

    Assim Falava Zaratustra foi a primeira obra que li do autor, bem novinho. O seu magnum opus, dito por mim, pegando nas inúmeras referências que encontramos a este livro em toda a sua bibliografia. Acredito, como alguns, que muitos têm os seus momentos de glória. E aqueles há que não os conseguem ainda que escrevam um quinhão apreciável. Nietzsche teve-o com o Zaratustra. Foi-me verdadeiramente importante familiarizar-me com uma visão do homem enquanto ser que se supera. Ademais, fui confrontado, pela primeira vez, rodeado que estava de crendices, com um Deus que está morto, com uma Igreja falida e decadente. Nietzsche eternizou-se com esta criação. A partir daí, podia ter ficado em silêncio até à morte física. Nasceu, como predestinou, póstumo. Mas não ficou.

      Anos volvidos, regressei ao filósofo, desta vez com A Gaia Ciência. Como geralmente me sucede, curioso, volto atrás e procuro as origens do que me encantou. Julgo, e Nietzsche que me perdoe, que esta obra é quase um prelúdio do que viria, sem querer tirar a originalidade do seu Zaratustra, que, aliás, surgiria autonomamente mais tarde. Com este livro, numa escrita mais ligeira e até amena, Nietzsche não descura aqueles que foram, pela vida, os seus alvos dilectos: a religião e a moral dos homens.

     Há dias, adquiri o terceiro livro que completa a minha colecção de Nietzsche, ainda que outras obras componham o seu legado: Ecce Homo. Um Nietzsche que, eu diria, todos procuram. Profuso, implacável, misógino, narcisista, mordaz, arrogante, pedante, snob, elitista, insano, assaz inteligente. Génio. Não sei se ainda estou disposto a ler algum outro livro de Nietzsche. Creio que o finalizo muito bem. Ecce Homo foi escrito no período em que a perturbação mental de Nietzsche se agravou sobremaneira, e isso facilmente se percebe. Os alvos mantêm-se. Noto certo sarcasmo em dose adicional. Desponta com todo o esplendor a sua veneração aos franceses e ao que da cultura francesa resulta. Não se preocupou em parecer bem aos olhos de quem quer que fosse. Discorreu na grandiosidade da sua mente fecunda. Mestre do aforismo, tão-pouco negligenciou essa arte em recorrer aos seus atributos inatos para nos fazer chegar a mensagem pretendida.

      Aconselho Nietzsche a quem busca um olhar esclarecido sobre a sociedade alemã do século XIX e uma resposta inequívoca à pretensão do catolicismo em resgatar as nossas almas. Jamais será consensual, daí que acredite que haja quem não lhe ache graça a seus olhos. Fica, no entanto, o essencial das três obras a que tive acesso, e o convite a que conheçam um homem que deixou o seu nome marcado indelevelmente na história da filosofia.

14 comentários:

  1. Um bom cristão não "dá ouvidos" a um herege!

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    1. Nunca ouviu dizer que «o saber não ocupa lugar»?

      Porventura se ler, como já tive a oportunidade de ler, o Mein Kampf, serei eu adepto do nacional-socialismo? E se ler o Livro Vermelho, de Mao, que ainda não li, implica tal que apoie implicitamente o comunismo na sua vertente maoísta?

      Para podermos ter opinião crítica, precisamos conhecer.
      E Nietzsche, não obstante as suas convicções, teve razão em muito do que nos deixou.

      Abra os seus horizontes.

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  2. Mark só consigo ler mesmo ficção, preciso de algo que me leve para longe desta realidade, e sei que são gostos e muitas pessoas "deliram" com obras mais densas, com pensamentos interligados com a sociedade de hoje em dia.

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    1. Também gosto de ficção, conquanto a minha preferência recaia na Filosofia, na História, no Direito, na Astronomia, na Teologia, por aí. Claro que um bom livro de literatura é um bom livro de literatura, e tenho alguns em lista de espera. :)

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  3. Apenas li parte da bíblia (uma pequena parte) e nunca li o al corão. Posso perguntar que diferenças viste entre ambos os livros?

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    1. Claro que podes perguntar. Tonto. :)

      Olha, surpreendentemente (ou nem tanto), têm inúmeras semelhanças. São ambas, cristianismo e islamismo, a par das suas ramificações, religiões abraâmicas, ou seja, assentam no Deus que Abraão nos revelou. As semelhanças sobrepõem-se, no meu entendimento, às diferenças. O Alcorão [diz-se que é a forma preferencial para o designar em português; há opiniões para todos os gostos: já li "Al-Corão", "Al-Quran", "O Corão" (que prefiro até)] é muito mais recente do que a Bíblia. É a palavra de Deus revelada e Maomé, enquanto a Bíblia é, efectivamente, uma compilação de livros escritos por vários homens num período de tempo milenar. Na Bíblia, Jesus é o "Filho de Deus"; n'O Corão, é apenas um profeta, um dos mais importantes, é certo ("Isa"), mas um profeta, o que antecede Maomé. Não tem qualquer carácter divino, caindo aqui em contradição com a Igreja Católica, nomeadamente. O Corão também pretende, assim creio, ser um código social, a par de religioso, de modo mais vincado do que a Bíblia. Por último, não encontras um Salvador no Corão. Na Bíblia, por seu lado, sim. Jesus.

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  4. Eu comecei a Ler Kant em Filosofia no 12º Ano (verdade, filosofia fazia parte do meu programa de 3 cadeiras no 12º ano) e acabei em Nietzsche.

    De facto, muitos filósofos como Hegel que contradisse Kant por outras palavras, o Kikegaard que acrescentou algo mais, depois Mark com as suas ideias e por fim Nietzsche. e com mais alguns pelo meio que já não me lembro. Acabei Filosofia com 18. Daí ser o que sou aos dias de hoje...

    Não li mais Nietzsche para preservar a minha sanidade mental ahahahhahahahah (brincadeirinha)

    Grande abraço amigo

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    1. Em Filosofia, falei bem pouco de qualquer um dos autores que mencionas. O nosso ensino secundário (que considero "básico") é muito fraquinho. Falei bem mais de Nietzsche, de Hegel, Kant, Voltaire, Kierkegaard, São Tomás de Aquino, Locke, Montesquieu, etc., etc., em Direito do que em Filosofia (aliás, em Filosofia não falei de alguns dos que referi). E aprofundei-os por conta própria.

      Tirando aprender a ler, a escrever, "a contar" e mais umas quantas noções superficiais, os miúdos não aprendem nada. Saem uns idiotas.

      um abraço, amigo.

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  5. Muitos dos existencialistas como Camus, por ex., suicidaram-se! Nietzsche faleceu do problema de que padecia... mas gostei da tua dissertação...

    Deixo-te um abraço com votos de alegria, amor e amizade em tua vida para 2016! Tudo o resto são derivados menores :)

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    1. Sartre e Camus são os meus existencialistas dilectos. De Camus, ainda só li "O Estrangeiro".

      Obrigado, Daniel. Muito obrigado. Um excelente ano de 2016 para ti também. :)

      um grande abraço.

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    1. Aham. E o Corão. Entre outros. Vê o chato que era na adolescência. :)

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    2. Chato nada. Também o queria fazer e não tive coragem ainda.

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