18 de setembro de 2012

Impressões.


   Pensei que me sentiria descontextualizado. Acertei.

   Quando saí do metro, o movimento da estação atrapalhou-me os sentidos por breves segundos. Uma desorientação momentânea levou a que me sentasse, já à superfície, num pequeno paredão de pedra. Alunos trajados obrigavam os caloiros a pronunciarem cânticos de letra indecifrável sem um esforço acrescido na acuidade auditiva. Os palavrões, esses, soavam nítidos como os raios solares à distância de cinco centímetros da minha perna direita. Agradeci a aragem que corria, algo fresca.

   A faculdade estava imunda, molhada e repleta de farinha pelo chão, misturada com um líquido que aferi pela cor tratar-se de vinho, rebuscando também as memórias de há dois anos. Gritos e palavras de ordem num átrio que parecia o cenário de uma revolução. Uma tribuna passava os tradicionais atestados de participação na cerimónia vexatória. Afastei-me o quanto antes da confusão.
   O facto de não participar não foi bem entendido pelas minhas colegas (algumas amigas), habituadas que estão a que tudo se faça porque sim. Se todos - ou quase - participam, não compreendem que se possa abominar todo o espectáculo teatral em torno do que referem ser uma integração.

  Primeira aula. Vinte e muitos graus centígrados num auditório pequeno e abafado. Alunos que se amontoavam. Bastantes vestidos informalmente. Sentei-me num lugar mais atrás e tentei identificar algumas cabeças, incluindo a do R. Tive essa curiosidade. Seria de supor que estivesse nos jardins, sacrificando alunos e alunas à sua fúria, sob a autoridade conferida pela capa negra. Numa mão o gesto de capataz, carrasco; na outra uma cerveja. São todos iguais.

   Isolei-me porque precisei. Quis escrever, escrever muito, justificar todas as ridículas imagens que acabara de ver, o tempo desperdiçado. Quis dar importância à aula, dotá-la de sentido, torná-la real. A regente satisfez-me um terço da vontade com as suas explicitações interessantes, embora indiciadoras de uma rispidez qualquer que pude identificar. Pelo menos, escusou-se às apresentações banais e costumeiras.
   O professor seguinte faltou. Sensato.
   
   
   Comprei uns códigos necessários e saí pela porta traseira.
   Pela porta dos fundos. Sossegado, em paz, sozinho, como quis.

15 comentários:

  1. partilho. também tenho dificuldade em entender esse "espetáculo" que há muito passou os limites do bom-senso.
    abc

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  2. sad: Nunca gostei do ditado: « Se não os podes vencer, junta-te a eles. »

    Posso, sim; posso afastar-me.


    abraço :3

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  3. Compreendo-te na perfeição...

    Também já passei pelo mesmo...

    Abraço amigo, amanhã é outro dia :)

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  4. Também abomino as praxes, uma selvajaria sem sentido algum que só revela a mediocridade e a estupidez dos intervenientes :(

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  5. Francisco: Sim, hoje já é outro dia. :)


    Arrakis: Foi o que sempre defendi. Mesmo as práticas mais "suaves", como o acto de maquilhar os caloiros, estão assentes numa relação de subordinação, de suposta inferioridade dos alunos que acabaram de entrar, e isso vai contra todos os meus princípios.



    abraço a ambos :3

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  6. Eu também acho esses lances de praxes/trotes uma tremenda besteira que só serve pra humilhar as pessoas.Acho que tem outras maneiras de se divertir sem precisar praticar esses atos vexatórios.

    Bom saber que você não participa desse tipo de coisa.

    Um grande abraço,portuguesinho.

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  7. Citizen: Exacto. Eu propunha almoços de convívio... serões... Enfim, divertem-se na brutalidade!


    abraço para o Brasil e para ti :3

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  8. ontem e anteontem, na baixa, ao fim da tarde, eram montes deles, caloiros, praxes na r. augusta, na praça da figueira... e apanhei alguns com o rosto riscado no comboio.
    bjs.

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  9. Margarida: Foi assim um pouco por toda a cidade. O pior é que prolongam e prolongam, ao ponto de estarmos em aulas e o professor ter de calar-se porque a sua voz torna-se completamente inaudível com o barulho exterior. :|


    beijinhos :*

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  10. As praxes deveriam ser utilizadas para integrar, receber, ajudar. Creio que muitas vezes são o reflexo da mediocridade de tantos que só conseguem ser superiores se beberem demais, se gritarem mais alto...
    Meu caro Mark. O que me trouxe hoje aqui foi dizer-te que te desejo as maiores felicidades para este ano que agora começas. Sei, pelo que aqui revelas, o empenho que colocas nos teus estudos - que os professores não te desiludam.
    Um abraço apertado de quem gosta muito de ti.

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  11. Pedro: Subscrevo cada palavra tua.

    Muito obrigado pelos votos e pelo carinho. Do fundo do meu <3.

    Um abraço forte! :')

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  12. Daí lembro que você já mencionou que não gosta desse tipo de coisa. Acho justo. Quem não quer participar, que se abstenha!

    p.s.: também não curto [como devo ter comentado antes]

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  13. Emilie: É isso que eu faço. Não gosto, abstenho-me e afasto-me. :)

    Eu recordo-me de teres dito algo sobre isto, na altura em que abordei a problemática das praxes / trote académico.

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  14. Parece que estava a adivinhar que falarias do R (juro que não tinha lido este post).

    Eu concordo com as praxes, mas reconheço que muitas vezes são usadas para extravasar traumas incutidos no fundo de mentes conturbadas. Tive a sorte de ter tido uma praxe fantástica e procurei repercutir isso. A excelente relação que ainda mantenho com as caloiras que apadrinhei levam-me a crer que fui bem sucedido.

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  15. Coelhinho: Coincidências. :)

    Pois, dependerá também de quem "praxa" e das suas intenções. Não ponho em causa de que será engraçado para algumas pessoas e até de que existirá respeito e cordialidade na maior parte dos casos, criando-se laços de amizade. Critico o acto em si, a cerimónia. Enfim. :)

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