29 de setembro de 2012

Catalunya.


  Os sentimentos independentistas visíveis na Catalunha não desabrocharam espontaneamente. Há um passado impossível de ser negado e há causas fortes por detrás dos últimos acontecimentos. Olhar para a realidade catalã com um olhar de português, limitado à experiência lusitana, seria muito redutor.

   Para se entender o que se passa no país vizinho, é necessário ter em consideração a realidade histórica. Espanha surgiu de uma união de reinos, onde se aglutinaram nacionalidades diferentes num único Estado. Cada um desses povos manteve a sua língua, neste caso o catalão, e tradições seculares de autonomia que nem o acumular dos séculos e da repressão conseguiu extinguir.

   Comungando de um passado comum com o resto da península, também a região da actual Catalunha teve,  após a romanização, invasões germânicas no seu território, seguidas dos árabes que conquistaram toda a Ibéria a partir de 711 (salvo a região das Astúrias). Já no século X, expulsos os árabes, é fundado o Condado de Barcelona que, numa política de casamentos (como costume da época), é unido ao Reino de Aragão em 1150. Estando unida à coroa aragonesa, em 1479, devido ao casamento em 1469 de Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, dá-se a unificação de Aragão com a coroa castelhana, levando, por último, em 1492, à união de todas as realidades ibéricas (salvo Portugal) na actual Espanha.

   Contudo, a Catalunha jamais renunciou à sua história e às suas características próprias, tentando sublevar-se, de 1640 a 1650, contra o domínio castelhano, o que em muito contribuiu para o êxito da insurreição portuguesa de 1640, que culminaria na restauração da independência. As consequências dessa sublevação seriam pesadas, com perdas significativas de territórios para a França, incluindo o condado do Rossilhão e a actual Sardenha. Não nos esqueçamos do império mediterrâneo que a Catalunha dispunha à época.

   Com a Guerra da Sucessão espanhola, e devido à má estratégia seguida pela Catalunha no conflito, viu-se, com o seu fim, incorporada definitivamente ao Reino de Espanha por Filipe V (de Anjou).

  Já no século XX, a história da Catalunha tem se desdobrado em recuos e avanços na sua autonomia. Conseguiu obter um organismo administrativo que Primo de Rivera aboliria em 1923; com a II República Espanhola veria o seu estatuto de Comunidade Autónoma ser aprovado, mas, com o fim da Guerra Civil Espanhola e a subida ao poder do Generalíssimo Franco, toda a autonomia viria a ser retirada até ao fim da ditadura e do advento da Constituição democrática de 1978, que reconheceria, de novo, a autonomia da Catalunha, desta feita num Estado Democrático de Direito.


   Como é facilmente constatável, há diferenças substanciais entre Castela e a Catalunha. Não podemos falar, analisando a realidade espanhola, de um Estado unitário do lado de lá da fronteira. Espanha é uma manta de retalhos institucionalizada e, pese embora os séculos de repressão, o sentimento de independência habita no espírito do povo catalão. A crise internacional que agudizou os problemas da frágil Espanha apenas acentuou o ódio e a desconfiança à política centralista de Madrid, falsamente maquilhada de autonomista.

   Espera-se, para breve, uma consulta ao povo catalão na próxima legislatura, de forma a apurar-se o sim, ou o não, à independência da região. O processo será todo ele democrático e espero, numa perspectiva pessoal, que o governo espanhol respeite a decisão dos catalães. Espero, também, que pela primeira vez se abra um precedente que possa resolver a questão secular da Galiza, do País Basco, de Olivença (usurpada a Portugal) e de Ceuta e Melilla (usurpadas a Marrocos).

   O artigo 1º, n. 2 da Carta das Nações das Nações Unidas fala do respeito do princípio da autodeterminação dos povos. Que a comunidade internacional não descure as suas obrigações no que ao reconhecimento possível do Estado catalão, independente, concerne.

14 comentários:

  1. É um enorme prazer visitar este teu canto :)

    Abraço amigo e confesso me delicio com as tuas palavras :)

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  2. Criar um Estado colocando povos de diferente culturas, costumes e língua, na maioria das vezes, nunca dá certo. Porque é a subordinação da daquele povo pelo outro. É o que tá acontecendo na Catalunha. Agora o povo catalão tem a oportunidade de decidir sobre esta questão de forma democrática. Se eles querem ser independentes, que assim seja, se não, que pelo menos o governo central da Espanha conceda mais autonomia à região ou até mesmo crie uma Federação aos moldes dos Estados Unidos.


    Um grande Abraço!

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  3. Mais uma lição de história.
    E bem apresentada...
    Como é teu timbre: bem escrito, com as ideias arrumadas.
    Ah! É tão bom ler-te.

    Abraço :3

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  4. Francisco: Muito obrigado. :)


    Citizen: De facto, unir o impossível nunca dá certo. As cicatrizes dentro da Espanha sempre existiram; o momento certo para a dor despoletar viria tarde ou cedo. Há mágoas e diferenças inconciliáveis com o centralismo madrileno. :)


    Pedro: Muito obrigado. :)


    abraço aos três :3

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  5. Excelente análise! Aguarde-se a decisão do povo da Catalunha!

    OLIVENÇA É PORTUGAL!

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  6. Anónimo: Obrigado. :)

    Sempre foi parte integrante do território português desde os inícios da nacionalidade...

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  7. Olha, fiquei com as ideias muito mais claras depois de ler este teu post. É preciso olhar para o passado para ver o futuro.
    Abraço.:)

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  8. Arrakis: Exacto. O passado da Catalunha ditará, ou não, o seu futuro. :) Da minha parte, respeito qualquer decisão que os catalães tomem, mas não disfarçarei a alegria se, por acaso, decidirem-se pela independência. ^^


    abraço :3

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  9. Embora o passado explique tanta coisa, a verdade é que esta ideia da independência ganhou força com algo tão prosaico como política fiscal, o que, vendo bem, é um triste sinal dos tempos. Os catalães acham que estão a ser prejudicados na redistribuição dos seus impostos face a outras regiões de Espanha. É este o pretexto, fora lirismos nacionalistas (de resto perigosos). Compreendo que, sendo realista, a solidariedade acaba quando os nossos próprios bolsos começam a ficar vazios...Mas é irónico ver a Catalunha a fazer disso bandeira, ao mesmo tempo que se imagina um futuro estado integrado na UE e no Euro. Eles estão no seu direito de não se solidarizarem com 'Castela', mas esperam que, ao mesmo tempo, alemães e holandeses sejam solidários com uma hipotética república Catalã, endividada até aos cabelos? Com que legitimidade pedimos ao Norte integração e solidariedade europeia negando-a aos que estão mais perto de nós? Este tipo de raciocínio é difícil, e não está longe de alguns nacionalismos requentados que, se nos distrairmos, vão dividir e acabar com a UE.

    João

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  10. Olá João.

    Obrigado pela sua opinião. :)


    Evidentemente, a força da crise espanhola ajudou ao ressurgir destes sentimentos nacionalistas na Catalunha, embora o germe sempre estivesse no âmago do povo catalão. Se não estivesse, não creio que despoletasse desta forma. Em Espanha, nunca houve uma coesão social. Conseguiu-se a união política, mas as nacionalidades sempre mantiveram a sua força, força essa que nem a repressão conseguiu pôr cobro.

    Bom, nada impede que a Catalunha se torne um Estado soberano enquadrado na U.E e na zona Euro. Talvez os catalães prefiram estar endividados, mas senhores de si. Não se sentem espanhóis, logo, não pretendem contribuir com os seus impostos para um país ao qual não têm a menor afinidade. Isso é legítimo.

    Não creio que estes sentimentos nacionalistas sejam perigosos. A secessão existe onde tem de existir: nortenhos e sulistas, em Portugal, sentem o chamamento do valor maior de se ser "português" (falo eu, insuspeitamente, que nem sinto o mesmo apelo).

    A pretensa divisão da U.E não me incomodaria nada. Sempre fui favorável a uma união lusófona e não a uma integração europeia com fins últimos de federalismo (utópico).

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  11. mais um estudo perfeito. as tuas pequenas lições de história são catárticas face ao teu dia-a-dia submerso nas Leis.
    bjs.

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  12. Margarida: Entendes-me tão bem... :)

    Muito obrigado!


    bjo :3

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  13. Antes de mais, quando comecei a ler o teu post pensei (e depois sorri quando li a tua referencia ao facto) que foi com a ajuda da Catalunha que se deu a restauração da independência.

    Depois, apesar de concordar com os teus argumentos (aliás, nem são 'teus argumentos', são factos reais), o factor referido pelo anónimo João tem todo o peso. Não creio que a maioria dos catalães queiram a autonomia. Porém, empolados pela crise e política fiscal austera, viram-se para o lado que mais lhes convém, a ameaça da independência. Porém, ainda estive por lá recentemente, quando Espanha se sagrou campeã da Europa pela segunda vez consecutiva e depois de um campeonato do mundo, e olha que todos os catalães tinham muito orgulho em serem espanhóis...

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  14. Coelhinho: Caso não fosse a revolta catalã, dificilmente teríamos chances de vitória face à poderosíssima Espanha. :)

    Sim, é verdade, mas já se sabe o poder que o futebol exerce nas pessoas. Na minha opinião (modesta), existe um sentimento de afirmação não tanto face à Espanha, em si, mas mais face ao centralismo de Madrid, pese embora os catalães se recusem a auxiliar os galegos, p. e.. :D

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