Podendo, faltei à aula. Não deixa de ser válida a explicação de que necessitar de pesquisar matérias para um trabalho é mais do que suficiente para se faltar a uma aula.
Apesar de conhecer os corredores daquela biblioteca, nunca consegui sentir-me diminuto no meio das estantes de livros, ordenados meticulosamente por letras, números e temas. Para mim, uma verdadeira biblioteca será aquela que, imponentemente, se ergue sobre os nossos corpos esmagados pelo peso da sabedoria e do trabalho de homens e mulheres que tornam, a cada dia, o nosso trabalho mais fácil. A verdadeira biblioteca terá livros de lombadas desbotadas, páginas amarelas de um uso indiscriminado que reflecte a passagem do tempo. Terá um aroma à imprensa antiga, cujas folhas com carimbadas a roxo, na parte lateral ou nos cantos, dão uma importância significativa à obra. Terá livros com um português antigo, onde se grafa "indelèvelmente" com acento grave na terceira sílaba.
Pego num livro, antigo, sobre as províncias ultramarinas, e leio o discurso do Presidente do Conselho aquando da invasão pela União Indiana do Estado da Índia Português. O discurso, poeirento, coaduna-se com a textura envelhecida das páginas e pelo horror dos rostos das figuras do regime, expostas em fotografias de ocasião, entre ovações e aplausos que suportam, na bajulação, o medo. Rapidamente arrumo o livro. Quis dirigir-me ao fundo da biblioteca, local onde, em tempos, cheguei a imaginar que, pesquisando algum livro, poderia representar uma cena trivial que frequentemente se vê em filmes. Alguém chegaria, tocar-me-ia por trás e eu, assustando-me, deixaria cair o livro ao chão. A sensação de que tudo poderia ser uma cena de sétima arte fascina-me, mesmo sabendo que a vida não tem roteiro. Ainda não foi hoje.
Pego nos livros, tiro fotocópias - não sem antes solicitar a ajuda de alguém - e tento ritmar o batimento cardíaco, estranhamente acelerado, no compasso das folhas que saem rapidamente pela abertura da fotocopiadora industrial.
As folhas estavam quentes, tão quentes como o chá que queria beber na altura. Não quinze minutos mais tarde, não dez minutos mais cedo: seria na hora ou nunca. Não vi ninguém conhecido.
Coloquei as monografias no repositor e saí, deixando para trás o ruído das máquinas.
Tu tens que escrever um livro, Mark.
ResponderEliminarTextos como estes têm que ser partilhados para além da blogosfera; e tu já tens muitos. Acredito que muitos mais haverá no futuro e não arriscaria muito se daqui a uns tempos não teremos um escritor por aqui...
Obrigado, querido João!
ResponderEliminarMaravilhoso como sempre!
ResponderEliminarQual era/é o tema do trabalho que tens para fazer?
Hughie :3
Obrigado, Hórus! ^^
ResponderEliminarTivemos a oportunidade de escolher um tema à nossa escolha. Escolhi os direitos das minorias sexuais nos ordenamentos jurídicos português, norte-americano e brasileiro. Pensando eu tratar-se de algo inédito, não, há mais pessoas a abordar o assunto na turma.
Hughie! :3
Mark:
ResponderEliminarSabes, quando as pessoas fazem resumos e resumos de resumos?
A tua história ficaria assim:
Faltei à aula, fui à biblioteca, tirei fotocópias e apetecia-me um chá.
Mas aqui não há resumos! Como não há resumos de uma obra maravilhosa!
Aqui há poesia e beleza em cada uma das frases que constróis, há um conjunto de outras mensagens subliminares, ou apenas subentendidas, que são a verdadeira história.
Não me canso de te ler. Mesmo que já tenha lido este post, lê-lo-ei outra e outra vez!
...Porque me transportas contigo e eu gosto!
...Porque me sinto tão bem no meio das tuas palavras, como tu no meio das estantes de livros!
Podias e devias escrever um livro!
Seria o teu primeiro leitor!
E aproveitava para te dar, ao vivo, um abraço, quando te pedisse um autógrafo.
Assim, só posso deixar o meu abraço, virtual, e... esperar!
Gosto-te tanto... mas tanto!
Obrigado, Pedro. :)
ResponderEliminarAbraço grande! :3
Um dia vão-te tocar por detrás e vais deixar cair os livros. E vais virar-te e dar-lhe um beijo apaixonado, e dizer "Ai amor, assustaste-me!"
ResponderEliminarCoelhinho: Oh, seria bom! :)
ResponderEliminarAbraço! :33