10 de maio de 2010

O Mundo num Búzio

Encontrei um mar extenso e salgado dentro de um búzio. Primeiro eu, depois escutaste tu. Somos uma mistura de sensações e de estímulos que alcançamos com os mais simples pormenores. Fechei os meus olhos e viajei contigo nesse mundo em que tudo é possível, até os sonhos dos mais incautos. Se a maresia é calma e o mar está em paz, então a vida é perfeita e não há nada a temer. Ficou guardado na minha memória. Aquela praia, naquele dia, ofereceu-nos o que de melhor tinha para dar. Um passaporte de sonhos, memórias, vontades e desejos escondidos em nós. Guardei-o não apenas por simbolizar esse dia e essa viagem mágica, mas também para ter sempre acesso ao meu mundo especial. Aquele que é só meu e teu.
O búzio revelou-me o mar mesmo quando este não era possível. Revelava-me a ti, sempre que eu queria ter uma representação mental da tua cara e do teu corpo. Era uma união subliminar quando a presença concreta não era mais do que uma enorme vontade. Uma alienação do real, um mundo que transcendia tudo o que mais ninguém conseguia ver. Foi assim durante algum tempo.
Ironia do destino, o búzio silenciou a sua voz à medida em que te afastavas cada vez mais da sua fonte de fantasia. Talvez seja eu que não consiga encontrar a sua voz ténue no labirinto de fraquezas e de medos. Não consigo ouvir as ondas do mar. Perdi definitivamente aquela voz. Encontro um vazio. Uma mensagem do nada, como se o nada fosse o tudo, o real. O búzio perdeu o seu sentido, calando os seus ruídos que procurava quando queria mais do que a evidência. Nada escuto quando fecho os olhos. A escuridão que deixaste não é preenchida.
Que poder esse que tens de calar a voz das minhas vontades. Irrompeste pelo meu íntimo sem a minha autorização. Era o único sítio inacessível às tuas acções.
Invadiste o que restava de ti.
Aniquilaste-te mais um pouco.
Morreste mais um pedaço em mim.

2 comentários:

  1. Está fantástico! Apenas, tenho pena que as coisas sejam assim, que tenhas descoberto esse vazio imenso e que ainda por cima, nem tenha sido causa tua.

    PS: Inspiras!**

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  2. Já não sei que mais dizer-te da maneira muito bela como comunicas os teus estados de alma.

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