Terminei de ler O Mar, O Mar da bem-sucedida escritora irlandesa Iris Murdoch, uma das maiores romancistas em língua inglesa do século XX, de quem li O Sino há muitos anos, tantos que praticamente não me lembro de nada da estória. Tinha uns dezasseis, e fora-me oferecido pelo meu pai anos antes. Quando somos muito jovens, e eu era-o, ou as coisas nos marcam ou passam por nós sem deixar rasto, como um pássaro que cruza o céu, traçando uma rota, sem que ninguém o observe. Creio que também nos falta maturidade para entender as mensagens subliminares. A adolescência é um período sobrevalorizado.
Pois bem, voltemos ao mar. A estória passa-se no rural costeiro inglês. Um actor que se reforma e que escolhe a placidez de umas paragens remotas, onde redescobre um amor antigo, justamente da adolescência (falávamos dela), desenvolvendo uma obsessão por recuperá-lo. Murdoch substituiu-se à sua personagem principal, Charles Arrowby, que nos relata o que se passa em estilo de narrativa directa, um diário seu, onde expõe as suas inquietações e mais diversas teorias sobre o presente e o passado.
A obra de Murdoch é o retrato de um homem vaidoso, egoísta, que presume que as suas vontades devem ser atendidas, que utilizou as mulheres na satisfação das suas necessidades, sem que haja uma tomada de consciência disso a nenhum momento. Arrowby não é um homem mau. É um homem com um ego extraordinário, que oscila entre o autoconhecimento e a ilusão. Um velho actor solitário, meio antissocial, que desenvolveu inconscientemente outra obsessão, a de superação do seu primo James, a quem invejou durante todo o período da infância de ambos.
Murdoch faz com que as demais personagens surjam no contexto de Arrowby quase como invasores da sua tranquilidade, da serenidade da narrativa e dos seus pormenores caseiros, às vezes como expiando os seus pecados, como pequenas vozes que se assomam para o fazer recordar dos seus erros, de como brincou com sentimentos, servindo-se de outros, sobretudo das mulheres, que teve várias, para depois as descartar ao não conseguir, ou não querer, construir algo mais sólido com qualquer uma delas. As personagens do sexo masculino são amigos que não o são. Rivais, admiradores implícitos, jovens que procuram uma figura paterna. Arrowby é um ídolo para tantos, e no fim de contas não o consegue ser para si próprio, frustrando-se-lhe os planos, meros caprichos, afinal.
Um livro que nos fala de neuroses e defeitos comuns, e o mar, constante, que leva e traz, regenera.
Parece-me bem :)
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