13 de fevereiro de 2019

O Último Tango em Paris.


   Já tinha aqui referido que sou um apreciador dos clássicos e uma presença assídua na Cinemateca, que passa filmes fora do circuito ou já com algum manto de poeira. Foi o caso do filme desta segunda-feira, um clássico, que conhecia apenas de nome: O Último Tango em Paris, de 1972, com o inesquecível Marlon Brando e também com Maria Schneider, ambos já falecidos. Este filme, convém relembrar, só foi exibido nos cinemas portugueses no Verão de 1974, após a revolução, tal a celeuma que causou por esse mundo fora.

   É um clássico, irrepreensivelmente bem interpretado. Marlon Brando é, aqui, Paul, um viúvo destroçado pela perda, que nunca chegamos a entender bem o porquê: se pela perda em si ou se pelo facto de, talvez, nunca ter conseguido realizar as suas fantasias com a falecida (e suicida) esposa. Maria Schneider é Jeanne, uma moça jovem, sonhadora, enérgica, que se deixa encantar por um homem mais velho e experiente.

   A acção passa-se quase integramente num velho apartamento de Paris, onde os dois amantes se prestam a cenas sexuais ousadas, nomeadamente uma que levou a uma enorme polémica por envolver o sexo anal e uma aparente violação. Maria Schneider criticaria duramente Bertolucci e Brando. Com o primeiro, nunca mais reatou qualquer relação. Schneider faleceu em 2011, de neoplasia maligna da mama, vulgo cancro, e Bertolucci, mais tarde, reconheceu que se havia comportado mal com a actriz ao não lhe ter contado previamente dos contornos da cena.


   A escolha de Brando não foi casual. Brando passara por anos em que Hollywood o via como sex-symbol. No início dos anos 70, a idade já lhe trazia alguma decadência. O Brando que vemos em O Último Tango em Paris é um homem decadente, roçando os cinquenta anos, que se entrega ao prazer com uma jovem de quase vinte. Jovem essa que volta sempre ao apartamento, para ser usada como objecto de prazer. O filme é misógino. Jeanne é violada, lavada. O seu corpo é exibido. Nunca vemos Brando nu. Bertolucci explicaria que desnudar Brando seria como desnudar-se.

   A dor que encontramos no filme é dupla. Paul sofre intensamente. O sofrimento está-lhe no rosto, e Jeanne sofre por não se libertar daquele vínculo - o desespero por se libertar de si terá levado à atitude da cena final -, que Bertolucci, sabiamente, soube transpor, em sentido figurado, para a dor daquele membro a possui-la por trás.

   Bertolucci manipulou os actores, e manipulou aquela actriz, sobretudo. O apartamento velho é local onde as fantasias afloram à pele, palco de prazer e dor. De entrega. Um prazer pútrido até (a cena da ratazana). Ao mesmo tempo que quis criar um encantamento naquela descoberta, o realizador italiano quis-lhe dar um carácter sujo, imoral, reprovável, condizente, se virmos bem, com a malfadada cena de penetração anal com manteiga como lubrificante.

   É um grandioso filme, repleto de metáforas, sobre a impossibilidade de fugirmos ao que queremos, ao que nos controla, quando a carne carrega em si o fardo da morte. O Último Tango, foi, efectivamente, a última dança para Paul, mas a segunda, talvez, no acto de vida de Brando, que no ano seguinte entraria no The Godfather, de Coppola, com toda a projecção e reconhecimento internacional que conhecemos.

5 comentários:

  1. Uma obra prima da Sétima Arte. Marcou minha vida no auge de meus 22 aninhos.

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  2. A Maria morreu?! Credo... como ando desactualizado.

    Só a mim ninguém ensina a dançar o tango... pobres pés de quem tente.

    Abraço e bons filmes te marquem.

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    1. Morreu, e já há uns anos.

      Um abraço, e obrigado.

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  3. Excelente análise.
    Abraço.
    PP em https://insensato.pt

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