17 de fevereiro de 2019

Vice & Cold Pursuit.


   Na sexta, voltei ao cinema comercial, para acompanhar o último filme que me faltava ver - com excepção do Black Panther, de que não gosto - de todos os que estão nomeados ao Oscar de Melhor Filme. No sábado, e não obstante ter lido uma crítica não muito abonatória na blogosfera sobre o filme, vi o Cold Pursuit.

   O Vice mostra-nos os bastidores do centro do poder da "nação mais poderosa da Terra", pegando nas palavras de Dick Cheney, um homem sedento de poder, mas habituado a viver na sombra, excelentíssimo pai de família. Há ali um momento em que Cheney não cede nos seus princípios, quando o confrontam, sendo republicano, com a homossexualidade da filha; no final, e já não sendo ele o visado, parece compactuar com a dita cedência de uma das filhas, que dá o dito por não dito em horário nobre da TV. Parece que Cheney, maquiavélico como só ele, não se importa em ultrapassar todos os deveres éticos e morais quando se trata de atingir determinado objectivo político.

  Alçando-se na teoria do poder executivo unitário, Cheney, braço forte de Bush filho, no filme retratado como um cowboy bêbado e inconsequente, totalmente estupidificado, justificou que o poder executivo, à margem do congresso, tudo pode, principalmente em tempos críticos, de guerra. Foi o que aconteceu no pós-2001, com a invasão do Afeganistão, do Iraque, com o uso da tortura e a manutenção de prisioneiros de guerra em prisões onde a Convenção de Genebra relativamente aos prisioneiros de guerra não era respeitada. Lembremo-nos de Guantánamo, por exemplo.

   Maquiavel. Nunca é citado, nem implicitamente, mas estou em crer que deve ser autor de mesa para Dick Cheney. Vale mais ser temido do que amado e, se tens de fazer mal, fá-lo de uma assentada. Cumpriu todos os conselhos do autor florentino de modo escrupuloso. Evidentemente que há mérito de um homem vindo do nada, apertado contra a parede pela mulher para que mude de vida e cresça. Ouviu o conselho com atenção e chegou à Casa Branca. Ser presidente não lhe interessava. Podia controlar tudo, e controlou, manobrando Bush filho e estando à sua retaguarda.



   Como referi acima, Cheney não se importou com a ética, e também nem sempre lhe importou o bem da nação. Sabemos, ali pelo meio, que havia uns esquemas, uns negócios, com petrolíferas e grandes empresas. Enfim, o Médio Oriente é rico em energias caras aos americanos. O resto, como sabemos, é história: não havia armas nenhumas de destruição em massa, no Iraque, e o 11 de Setembro deu até jeito àqueles senhores de guerra que crêem que os EUA devem desempenhar o papel de polícias do mundo.

    É um filme interessante, bem conjecturado, em forma de sátira, a um período da história recente do qual tão más recordações tempos. Quer o actor principal, que faz de Cheney (Christian Bale), quer a actriz que faz de Lynne Cheney (Amy Adams) e inclusive Sam Rockwell, no papel de Bush, estão, a meu ver, bem nomeados para os Oscars de Melhor Actor Principal, Melhor Actriz Secundária e Melhor Actor Secundário, respectivamente. Têm desempenhos que o justificam. A montagem, ou edição, também é um ponto positivo de Vice, como verão. É um filme dinâmico. Eu destacaria a cena em que Cheney está para entrar no seu gabinete da Casa Branca e, como que em retrospectiva, a sua vida, desde os tempos conturbados do início do casamento, se desenrola ante os seus olhos. A cena é impactante, porque vemos um vulto, estático, à entrada da porta. Um homem impenetrável, pragmático e poderoso. É essa a imagem com que ficamos de Dick Cheney. No final, quando se tenta justificar e nos encara, percebemos que nem ele se sentirá bem com o que fez, afinal, o mundo mudou muito por responsabilidade sua.


    O Cold Pursuit, e ainda bem que não me deixei levar pela crítica pouco abonatória, não sendo um filme maravilhoso, longe disso, vê-se bastante bem. Nunca vi tanta morte retratada de um modo tão leve, e mortes violentas, diga-se. O filme, e é um pormenor curioso, conjuga cenas de uma violência acentuada com um travo a subtileza que até nos arranca sorrisos, quando o que está em causa não é para brincadeiras: um pai, sedento por vingar o filho, traficantes de droga sem escrúpulos nem sentimentos, polícias, etc. O facto de ser ambientado numa cidade de gelo, extremamente fria, provoca-nos essa sensação de certo desconforto.



  As interpretações também não são brilhantes. Quando sabem da morte do filho, as expressões parecem as de alguém que está a, e perdoem-me a expressão, segurar o cocó. Faltou entrega. O filme até pedia mais, se formos a analisar racionalmente. O argumento, em si, pede mais entrega, mais garra.
   Cai facilmente no esquecimento.

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