5 de fevereiro de 2019

Cultural Sunday (take 27).


   Este domingo, e por alguns contratempos pessoais - mãe doente -, não pude fazer o que estava planeado, ou planejado, como dizem os amigos brasileiros. Fui, ainda assim, ao Museu da Gulbenkian, da parte da tarde, ao seu núcleo de arte do fundador, o mesmo que se dizer arte antiga, que, desavergonhadamente, confesso que não conhecia, ou, se conheci, foi há anos. Apenas conhecia, com segurança, o núcleo de arte moderna. Aproveitei e apanhei o penúltimo dia de uma exposição interessantíssima, de seu nome Pose e Variações - Escultura em Paris no tempo de Rodin.

Máscara Funerária, Época Baixa, XXX Dinastia, 664 - 525 a. C

   Sobre a Gulbenkian, que é uma fundação, não há muito a falar que já não se saiba. O senhor Calouste Gulbenkian veio passar uma temporada a Portugal, lá nos idos anos quarenta do século passado, gostando tanto que ficou por cá até morrer. Legou, ao país, a sua colecção particular, para que se constituísse uma fundação. Como grande mecenas, e graças as seus negócios ligados ao petróleo, adquiriu, em vida, uma profusa colecção, que agora podemos apreciar.

Grécia, Ática, Agrigento, 440 a. C

   O senhor Gulbenkian era favorável à livre coabitação entre as diferentes religiões. Do Antigo Egipto ao século XX, reuniu um conjunto de obras espantoso, desde esculturas, a telas, tapeçarias, mobiliário, cerâmicas, jóias. Temos um pouco de tudo no seu espólio. O museu dividiu as peças em diferentes salas, subordinadas a diferentes épocas, que somos convidados a revisitar, começando, lá está, no Antigo Egipto e terminando já no século XX.

Par de potes, China, Dinastia Qing

   No ano em que assinalamos o 150º aniversário sobre o seu nascimento, devemos evocar este homem. Enriqueceu-nos, lisboetas e portugueses, com um espólio que qualquer país aceitaria. Tendo nacionalidade britânica e seguramente dispondo de contactos por todo o mundo, Calouste Gulbenkian confiou-nos o que tinha, talvez já intuindo que viveríamos em paz permanente e conhecendo a personalidade pacata e discreta dos portugueses. Sabemos que a arte se ressente logo em tempo de guerra, pelos saques.

Tapete árabe para oração. Ao centro, a indicação da direcção de Meca

   Vista a colecção permanente, passei, com pouco tempo, pela exposição temporária. Dependendo dos artistas escolhidos, a sensação de movimento pode ou não ser o elemento principal. Gostei particularmente de Rodin. A paixão foi-lhe um tema recorrente, e o nu, como se a nudez representasse a liberdade e a beleza infinitas. Os corpos atléticos, em poses viris ou sedutoras, quantas vezes arrebatadoras.

A Eterna Primavera, Rodin - inserida na exposição temporária 

O Rapaz das Cerejas, Manet, 1858

   Pelo museu, pelos seus concertos ou até mesmo somente pelos jardins, a Gulbenkian é um espaço incontornável da cidade, local de cultura e lazer. Foi um gosto.

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.

10 comentários:

  1. Mais uma vez dedicou a sua visita a um dos museus que mais prezo, e que não deixa nada a desejar a qualquer outro do mundo.
    Aliás, Gulbenkian fez questão disso, e foi considerado um dos homens mais ricos do seu tempo, além de ter casado com uma mulher proveniente de uma família ainda mais rica que ele, assim, teve o dinheiro e mais de 60 anos para colecionar aquilo que se vê no museu.
    E muito do que comprou não está aqui, pois muitas das peças que adquiriu acabaram por não lhe agradar em qualquer altura da sua vida e, neste caso, doava, trocava ou dava em pagamento.
    E fez importantes doações a vários museus espalhados pelo mundo como o Louvre, o Kunsthistorisches Museum de Viena, ou ao nosso Museu de Arte Antiga, pois ele achava que as peças em exposição neste último não abarcavam épocas tão diversificadas, como as ele considerava importantes para constituir um museu da importância deste.
    Assim, um torso grego dito de Apolo (?), da época clássica que ele doou é absolutamente fantástico, assim como uma belíssima escultura de um leão da época Ptolomaica, que creio estar nas reservas do museu, infelizmente, pois não me lembro de o ver por lá.
    Doou igualmente uma estátua de Rodin, "Danaide" que é um prazer ver, onde aparece um corpo de mulher extraordinariamente bem delineado e perfeito, a emergir de um bocado de mármore informe e rude, por forma que até parece inacabada. É isso que a faz tão cativante, à peça, claro.

    Gulbenkian inicialmente tinha um gosto que talvez não fosse muito refinado (estou a ler a sua biografia, escrita por Jonathan Colin, que saiu recentemente, para comemorar os 150 anos do seu nascimento), mas soube rodear-se de conselheiros artísticos/curadores, o melhor que o mundo da arte lhe poderia oferecer, que o aconselhavam sobre a compra de peças, serviam de intermediários e até conseguiam convencer outros colecionadores ou entidades a vender-lhe peças que lhe interessavam, como no caso da compra de uma quantidade de obras de arte provenientes do Museu do Hermitage, que Estaline, à época, queria vender, para fazer face aos problemas económicos que a então URSS atravessava.

    Ele considerava, e estou perfeitamente de acordo com ele, que o sentido estético se educa e se refina, e, para isso, leu de forma quase obsessiva sobre o assunto, construiu uma biblioteca dedicada à arte, da qual se socorria para as suas aquisições.
    Quando a situação o permitia, as condições de aquisição das peças eram acompanhadas de uma cláusula que garantia que ele ficasse com elas em sua posse durante um certo período de tempo, até ter a certeza que era aquilo que pretendia, e só depois de se certificar que realmente as queria tratava de as pagar, caso contrário regressavam à origem.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Manel. Sim, eu li sobre as peças que ele terá facultado a museus europeus.

      Parece-me que o senhor Gulbenkian era muito auto-didacta. Aprendeu a gostar de arte e deu um destino simpático e útil ao dinheiro que arrecadou.

      Eliminar
  2. A batalha legal que o nosso país teve de enfrentar na arena internacional, levada a cabo por Azeredo Perdigão, coadjuvado com a carta branca de Salazar, foi titânica - estes dois homens não eram aliados naturais, e havia alguma resistência da parte de Salazar a este jurista, de quem desconfiava, mas Azeredo Perdigão era próximo de Gulbenkian, e o ditador não queria de forma alguma que aquela fortuna faraónica saísse de Portugal.
    Serviram os facto de, primeiro se garantir a Gulbenkian que a sua fortuna não seria taxada (era uma das condições principais), e depois o mal estar que Inglaterra lhe provocou por o considerar inicialmente como inimigo, quando começou a II Guerra (nunca mais o esqueceu). Houveram mais motivos, mas estes já eram importantes.

    Ele, quando chegou a Lisboa, estava a caminho dos EUA, mas foi informado que ali se preparavam para escrutinar a sua fortuna e taxá-lo de forma adequada, e, ele, desistiu, e deixou-se ficar por cá ... foi a nossa sorte.
    No entanto, na época em que ele aqui se encontrava, uma parte da sua fabulosa coleção estava em exposição em Inglaterra e outra em Washington (as antiguidades egípcias).
    Conseguir retirar estes núcleos importantes daqueles países foi algo quase impensável.
    No entanto, e ainda mais grave, era o facto do núcleo mais importante e numeroso, ser aquele que tinha deixado na sua vasta mansão parisiense, e que os franceses não queriam deixar sair por nada deste mundo, pois existiam muitas peças provenientes de palácios históricos franceses, como o de Versalhes, por exemplo.
    Foi necessária a intervenção de Malraux, o ministro da Cultura de De Gaulle, para que a coleção deixasse França, a caminho de Lisboa.
    Quanto à coleção em si ... bem ... ela fala por si mesma, não necessita de intermediários como eu. É absolutamente fabulosa!
    Já devo ter passado dias inteiros de volta dela.
    Já nem peço desculpa ... Voltei a partir o comentário em dois ... não cabia ...
    Um bom resto de semana
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Deixe-me ver se entendi: batalha para que o seu espólio não saísse de cá após a sua morte? Presumia que o testamento de CG tivesse deixado bem claro o destino que queria dar à magnífica colecção. Bom, não nos deve estranhar, de facto, porque, chegada a hora da verdade, ninguém respeita nada. Imagino que vários países tenham reivindicado direitos sobre tudo aquilo, embora CG tenha deixado herdeiros. Um deles, segundo li, ainda desempenha um cargo qualquer ligado à fundação.

      Não tem de pedir desculpa! É um prazer aprender mais consigo.

      Uma boa continuação de semana.

      Eliminar
    2. Não foi após a sua morte. Digamos que, quando Gulbenkian morreu ainda a sua coleção não se encontrava cá.
      Só puderam vir para Portugal depois do governo português ter ganho o pleito em tribunais internacionais, e mesmo depois de reconhecido os direitos de herança, os países, sobretudo a França, fizeram muita pressão para que as peças não saíssem do território alegando serem peças que pertenciam ao património artístico francês.
      Gulbenkian teve dois filhos reconhecidos, Nubar, um homem que pertencia ao jet set internacional, e Rita. Ambos esram casados, e de acordo com a leei em território francês, poderiam ter contestado a herança, mas acabaram por não o fazer.
      Entretanto, este filho passou a fazer parte do conselho de administração da Fundação. Não sei se a filha, ou alguém que a representasse, também terá adquirido direitos de representação na administração, mas será fácil de sabê-lo.
      Manel

      Eliminar
    3. Que disparate o meu! O Manuel disse-o claramente no primeiro comentário. Sabe, li-o e decidi-me a responder na rua, através do telemóvel, enquanto esperava pelo transporte. Dá nisto. Não li com atenção.

      Eliminar
  3. Um domingo com muito sol :)

    abraço amigo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Foi. Este, contudo, creio que será chuvoso.

      Um abraço, amigo.

      Eliminar