1 de fevereiro de 2019

Cold War, BlacKkKlansman e The Mule.

   Ando mui cinéfilo, sim. Hoje, trago-lhes três críticas a três filmes, sendo que os dois primeiros, Cold War e BlacKkKlansman, estão nomeados para o Oscar de Melhor Filme nesta edição de 2019, com emissão agendada para dia 24 do presente mês. Entre outras nomeações.

   Cold War, ambientado na gélida Polónia, tão deprimente quanto a longa, prometia muito, de facto, sobretudo pela atmosfera noir, proporcionada pelo preto-e-branco, que o realizador, Pawlikowski, lhe quis imprimir. Enquanto estória de amor, falhou, e falhou, quanto a mim, pela insuficiência das interpretações, e não pela narrativa em si que se criou em torno daqueles dois infelizes ligados à música. O filme funciona num retrato duro da realidade na Europa do Leste, com todo o culto de personalidade à mistura, que volta e meia surge-nos um painel de Lenine e Estaline. De certa forma, a cortina que os separou, a determinado momento, tinha um duplo sentido: o político e o sentimental. Também o artístico, se quisermos ver assim, porque a arte se sujeitava a directrizes do regime. Não havia liberdade artística alguma. A vocação era direccionada para a propaganda e o culto. De resto, creio que a Academia sonhou com um bom filme, porque, na verdade, não se justificam tantas nomeações. Gostei dos momentos musicais, nos quais, aí sim, a actriz principal se liberta. É o típico caso de um filme que tinha tudo para ser perfeito se os actores tivessem sido mais arrebatadores e convincentes.



   BlackKkKlansman é um filme em versão satírica ao KKK, Ku Klux Klan, uma organização americana supremacista e racista. Esse tom de gozação está presente desde o início, com um dos membros retratado como perfeito idiota, bem assim como a mulher de um outro, a gorda e anafada racista que serve bolinhos entre reuniões de gente que tudo quanto sabe é defender os seus ideais através da força bruta, o mesmo que se dizer das armas - sempre associadas aos membros do KKK e aos norte-americanos, em geral -, e de actos de puro terrorismo. O próprio dirigente, Mrs. Duke, foi enganado por um polícia esperto e atrevido, de farta cabeleira afro, que trocou as voltas àquela instituição e desvendou um plano terrível que visava eliminar membros de uma organização de luta pela afirmação das minorias raciais. As interpretações foram muitíssimo bem conseguidas. A fórmula de Spike Lee resultou. Sem se ser demasiado contundente, a crítica está lá, em forma de sátira, o que é manifestamente visível no final, quando nos brindam com uma claríssima associação entre Donald Trump e o KKK. Poderá haver manipulação apenas num sentido, é certo.



   The Mule é o novíssimo filme de Clint Eastwood. Desde logo, fala-se de um homem bom, de bom carácter realmente, que se deixa emaranhar numa teia de difícil saída. Mais do que ambição, que ali creio que não houve, Earl quis ajudar a família. Quis quase que reparar algum mal que lhes tivesse feito pela sua ausência, ausência justificada pelo trabalho, que sempre colocou à frente de tudo. Fala-se, ainda, de rectidão. Earl, veterano de guerra, durão,  não se deixa amedrontar, e particularmente no final, como verão, reafirma a sua honra. Já não se fazem pessoas assim. Gostei da antítese, do contraste entre o pacato horticultor que, num ápice, passa a principal mula de um narcotraficante mexicano. O modus operandi de Earl, mantendo-se um homem comum, jamais atrairia as suspeitas da polícia. Truque perfeito.
   Quem tudo quer, tudo perde. Earl não soube parar a tempo, e o novo chefe da máfia também se quis impor em demasia, levando a que ambos tivessem posto tudo a perder. Earl, se repararmos, nunca deixou de ser o mesmo homem - termina como começou. O que conseguiu, não guardou para si. Distribuiu.



   Hollywood gosta de abordar as questões raciais. Só num pequeno intervalo de tempo temos três filmes que, de uma ou de outra forma, os abordam. Earl, sendo um homem bom com um erro grave, refere-se aos negros como "pretos". Eastwood, aqui, quase num auto-retrato, porque é público que apoiou Trump e os republicanos, satiriza o americano médio, meio que bronco em alguns assuntos, e Earl, no alto dos seus noventa anos, pode dar-se a alguns deslizes.

   Magníficas interpretações, quer de Eastwood, realizador, director e actor principal, quer de Dianne Wiest, que faz de sua ex-mulher, verdadeiramente sublime, de uma classe e esmero únicos. É um excelente filme, num regresso em grande do mestre Eastwood.

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