Fátima tem sido, pelos tempos, um assunto tabu para mim, a ponto de, presumo, nunca o ter abordado aqui. Na família, tenho de tudo: crentes, menos crentes, a mãe é crente. E eu nem sei como me hei-de posicionar. Por temor reverencial, assumo, provavelmente tenho evitado debruçar-me sobre as aparições. Evito pronunciar-me, não vá ser verdade. É cobardia, é, mas também é respeito. Tive uma fase mais esquerdista na minha adolescência, antes de me ter posicionado, e em definitivo, assim espero!, ao centro. Ainda assim, jamais afrontei a religiosidade alheia. É disparatado. Podemos discordar, sim - devemos, aliás, se é o que a nossa consciência dita - mas, em matérias tão sensíveis como a religião, devemos ter um cuidado redobrado. A fé não se explica. É tão forte que chega a curar, a melhorar sintomas de doenças. Até pelos seus aspectos positivos, deve ser respeitada e reconhecida como potencialmente importante. Dos seus efeitos perversos está a História cheia, e bem os conhecemos.
Sou católico. Deixo-o aqui de forma clara. No tal período de indefinição, típico da adolescência, passei a agnóstico, quase ateu. Estava mesmo chateado com Deus. Quando os pais se separaram, aumentou essa desconfiança sobre uma figura qualquer que nos vendiam desde pequenos, sobretudo procurando atemorizar-nos com castigos. Crescer fez-me bem, até na religiosidade, porque percebi que não havia mal algum em acreditar em Deus e em até ser católico, podendo expurgar o que considerava estar errado na Igreja. Ser católico, pelo menos quanto a mim, não implica perfilhar de todas as orientações doutrinárias da Igreja. Oponho-me a algumas, concordo com outras tantas. E identifico-me como católico porque acredito na pedra angular, se me permitem, do catolicismo, que me reservo a não explorar aqui porque não é pertinente. Noutro momento, se se proporcionar, não terei problema algum em fazê-lo.
Fátima é um dos enigmas que não dou por garantido. Ponho em causa a sua veracidade desde que me conheço. Não que desconfie da palavra dos pastorinhos, mas tento explicar Fátima contextualizando-a no tempo. As aparições foram oportunas. A anticlerical I República havia arrastado Portugal para a I Guerra Mundial - o erro que ditaria ao seu fim. O país precisava recuperar a crença, então perseguida pelos republicanos. E Fátima sustentaria o golpe de 1926 e, sobretudo, o Estado Novo de Oliveira Salazar, fortemente inspirado na doutrina social da Igreja. Fátima, pelas décadas, configurou um dos pilares do regime. Cresceu em importância e em volume de negócios. Hoje, é um fenómeno que gera milhões. Lembra-me, às vezes, os vendilhões que Jesus expulsou do templo. Quando olho para o santuário, vejo muita fé verdadeira de milhares de pessoas que para lá se deslocam, e que isso lhes faça bem; em contrapartida, há ganância, oportunismo e visível cinismo, arriscar-me-ia a dizer, por parte das entidades que gerem, e é este o vocábulo apropriado, aquele manancial de dinheiro.
Não quero entrar muito pelas questões que se prendem mais à fé: a senhora mais brilhante do que o sol, o dito milagre - que a ciência tem procurado esclarecer, com argumentos muito lúcidos - os segredos. Tudo é possível nas efabulações. As pessoas precisam de acreditar em alguma coisa. Em religiões da palavra, como o são as religiões abraâmicas, não há, tendencialmente, símbolos e imagens. E os crentes precisam disso, precisam de orar defronte a uma imagem, de acender uma velinha, de ostentar uma cruz que os proteja. É tudo compreensível. Faz tudo parte desse grande mistério da fé. E Portugal precisava de ter um importante local de culto, como Lourdes. Um país tão católico, tão absorto na sua religiosidade e na sua tradição, não poderia passar sem.
Simultaneamente, as manifestações de crendice e os exageros que as rodeiam não deveriam surpreender. Em mim, entretanto, continuam a provocar certa consternação. Não me sinto confortável quanto vejo o meu Chefe de Estado a beijar a mão ao Papa, um líder religioso, da religião maioritária em Portugal, seguramente que sim, mas que representa determinada instituição, sendo que o Chefe de Estado, investido como tal, representa o Estado português, laico. Incomoda-me, ainda, ver um militar, no exercício das suas funções, referir-se a um líder religioso com deferência excessiva, demonstrativa da sua crença pessoal, quando pertence às forças armadas do Estado português, laico, repito, bem como me incomoda que se suspendam acordos internacionais, que vinculam o Estado português, na recepção a um líder religioso. Se a ameaça terrorista o exige, pois ela existe para todos os cidadãos, não apenas para alguns, lá que sejam sucessores de Pedro. Se os acordos que prevêem a liberdade de circulação não protegem os direitos constitucionalmente previstos, termine-se com eles. E, aqui, de nada releva estarmos perante um Chefe de Estado estrangeiro. Vários Chefes de Estado estrangeiros têm vindo a Portugal e, que me conste, não se repôs o controlo fronteiriço.
Fátima continuará a suscitar opiniões díspares, umas mais racionais, outras espirituais. Encontrar-se-á o equilíbrio ao manter o Estado equidistante o suficiente. Deixar com Deus o que é Deus, e limitar-se a ficar com o que é de César.
Fátima continuará a suscitar opiniões díspares, umas mais racionais, outras espirituais. Encontrar-se-á o equilíbrio ao manter o Estado equidistante o suficiente. Deixar com Deus o que é Deus, e limitar-se a ficar com o que é de César.
Sou agnóstico mas de cultura católica. Não creio em nenhuma religião institucionalizada,. Todas têm o seu caráter demagógico e manipulador da boa fé.
ResponderEliminarBoa e oportuna reflexão ...
Beijão
Obrigado, meu amigo.
EliminarUma vez que se assinalam os cem anos sobre as aparições de Fátima, creio que este artigo já pecava por certo atraso.
um grande abraço.
Meu caro amigo Mark, sendo eu um (grande devoto de Nossa Senhora) e não explorarei muito o tema por aqui...
ResponderEliminarEm 1917, aparece o Anjo de Portugal e Nossa Senhora a 3 pastorinhos:
A) Fala-se da 2ª Guerra Mundial, Portugal não participa e o povo escolhido em tempos por Deus em milénios atrás, irá sofrer em campos de concentração (23anos depois sensivelmente). Que idade tinha mesmo Jesus quando morreu?!
Quantas horas sofreu jesus?! Quantas horas sofreu o povo escolhido por Deus em tempos?
Mera coincidência na numerologia :)
B) Rezem pelo meu Coração e a Rússia cairá. Quantos anos depois?!
Quem diria que o Bloco de Leste cairia da noite para o Dia?!
C) Seguramente que o 3º Segredo de Fátima ainda não foi contado na verdade (mera opinião minha)
De facto tivemos um Presidente muito Ateu (segundo a imprensa), após o seu internamento no Hospital Santa Cruz em Carnaxide. (Notícias da epóca)
A Sua Esposa e Presidente foram ao Vaticano falar com o Papa.
Dizem as más línguas que Maria José Rita, não queria cumprir com o protocolo do Vaticano (Por não acreditar)
Podes procurar na revista caras da época como Maria José Rita estava Vestida aquando da sua visita ao Vaticano ;)
As pessoas só se lembram de Santa Bárbara, quando faz Trovoada...
Grande abraço amigo com muita estima :)
Amigo Francisco,
EliminarEu respeito a tua fé, mas essas hipóteses, com todo o respeito, são genéricas. Eu também posso dizer que o imperialismo dos EUA terminará.
E não tenho bem a certeza se se falou na II Guerra Mundial e em campos de concentração. Se o dizes.
Entretanto, os segredos, pelo que li, foram sendo revelados a partir de 1940, nas memórias de Lúcia. Bom, em 1940 já se sabia muito, nomeadamente quanto à participação de Portugal na II GM.
um grande abraço. :)
Mark
ResponderEliminarGenéricas para quem saber ler e escrever. Não para crianças pastores ;)
A irmã Lúcia contou as memórias, mas as crianças foram presas em Julho ou Agosto e Nossa Senhora não apareceu nesse mês :)
Então e as centenas de pessoas, os inquéritos de polícia?! Foi tudo contado em 1940?! Claro que não...
Cada qual com a sua opinião e sua fé :)
Abraço amigo
jacinta foi a primeira a contar tudo à sua mãe :)
O último mês foi o Milagre do Sol
Falta saber se os segredos são realmente da Virgem.
EliminarFrancisco, e quem garante que Ela terá aparecido nos outros meses? Dás como certo que apareceu em todos os meses menos nesse; para quem não acredita, não apareceu em nenhum, amigo.
Sabias que olhar durante muito tempo para o sol pode provocar ilusões ópticas, como o "sol dançante"?
Sim, claro. Respeito em primeiro lugar. Eu, tendencialmente, não acredito, o que não implica que não tenha a minha fé em Maria. Pelo contrário, tratando-se de uma farsa, considero de uma temeridade o que fizeram. Não as crianças, que serão as menos culpadas.
um abraço, amigo.