8 de maio de 2017

La France.


    Temi, assumo, temi que verificássemos o mesmo resultado que nos aguardou nos EUA. A Europa tem conhecido uns desvios à direita mais intolerante um pouco por cada país, desde os Países Baixos à Itália, à Turquia, inclusive, mas a França representa para todos bem mais. É a pátria da igualdade, da liberdade e da fraternidade, valores que presidem à Europa continental democrática. A França foi a primeira a enterrar o Antigo Regime, não sem passar por períodos políticos muito convulsos, afirmando-se como potência europeia e mundial. O expressivo império que ergueu prova a sua hegemonia. No campo das ideias, poucas nações como a francesa terão contribuído tanto para o nosso enriquecimento no direito, na filosofia, na politologia, na sociologia, áreas do conhecimento que influenciaram decisivamente épocas e regimes.

    A França representa, ainda, o empenho solidário do bloco europeu. É um baluarte na União Europeia, o seu sustento ante uma Alemanha economicamente dominante. Com o Brexit, que é uma evidência, a esperança de um eixo Paris - Berlim que permita contrabalançar o poderio da Alemanha desvanecer-se-ia, confirmando-se a vitória da Frente Nacional. O sistema francês é semipresidencialista, todavia, e inversamente ao português, com a tónica no presidencialismo. O Presidente da República é, efectivamente, o chefe da nação francesa, o definidor das orientações políticas no relacionamento da República com Estados terceiros.

     Le Pen, com o seu programa populista, poria a Europa numa crise de sustentabilidade política jamais vista. Se a UE agoniza, a líder da FN, numa França dominada tradicionalmente pelo aparelho estatal, de tudo faria para afastar o país da organização, deixando-nos a todos num impasse: sair ou ficar, condescender ou enfrentar. A decisão dos franceses nas urnas foi sábia. Emmanuel Macron tem fragilidades. Representa o sistema, com todos os seus vícios, mas soube - e ele próprio situa-se no centro político - manter um discurso equilibrado, nada excludente, pelo contrário, integrador. Enfrentou Le Pen, não a subestimando - o grande erro que se cometeu nos EUA, e conseguiu que se comprovasse nas câmaras a fragilidade das ideias de Le Pen, demagógicas, que procuram sempre aquele travo de intolerância que todos teríamos com atentados quase semanais à porta de casa. A obsessão securitária, tão previsível, e que Le Pen assumiu frontalmente, foi desconstruída. A França que a FN vendia não era a França tolerante, europeísta, laica e secular que os franceses querem ver assegurada.

     A distância que separou Le Pen e Macron, nesta segunda volta, foi expressiva. Não devemos, contudo, ignorar os onze milhões de eleitores que confiaram em Le Pen. Foi o melhor resultado da Frente Nacional, superior ao obtido em 2002, quando o pai da actual líder, Jean-Marie Le Pen, defrontou Jacques Chirac numa segunda volta. Analisando os resultados da Frente Nacional, observamos uma tendência crescente, preocupante, considerando que muito em breve os franceses terão eleições legislativas. E Macron, que há um ano ninguém diria que este desfecho seria ponderável, tem a seu favor o resultado de hoje, não acreditando eu numa surpresa a tão pouco tempo. Independente, afastou os partidos do poder da luta pelo Eliseu. É um fenómeno. Espera-se que o movimento que lidera consiga um número muito apreciável de assentos na Assembleia Nacional, mas não o suficiente para se afastar uma convivência difícil com um Primeiro-Ministro de outra cor política ou com uma composição parlamentar minoritária e adversa, o que obrigaria, como bem conhecemos em Portugal, a alianças que permitam a condução governativa do país.

     Por enquanto, e porque estes actos eleitorais das potências europeias têm sempre repercussões nos pequenos Estados periféricos, podemos suspirar de alívio. Macron é pró-europeu, segue a linha da continuidade. Uma continuidade que nos é favorável. O resto é com eles.

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