Abri uma excepção àquilo que havia dito, ou seja, que iria reduzir os artigos respeitantes às minhas idas ao cinema. Não deixei de ir; pelo contrário, tenho ido mais do que nunca. Não quero, até porque não levaria jeito, passar a ideia de que pretendo tornar-me num crítico de cinema. Falta-me bagagem cinematográfica (eu bem digo que serei um gajo interessante aos cinquenta anos).
Este The Circle merece, então, a excepção. Desde o Lion, algures por Fevereiro, presumo, que um filme não me suscitava tanto o interesse. Não li qualquer sinopse. Sabia que tinha assistido a um trailer, mas tão-pouco me recordava de nada.
A empresa / rede social Circle é um eufemismo de outra empresa que tão bem conhecemos. Com planos que deixariam Orwell corado, Bailey, protagonizado por Tom Hanks, acredita ser possível conectar o mundo na sua rede, deixando a descoberto a vida de biliões de pessoas. Mae Holland consegue uma entrevista para trabalhar na empresa, ficando com o lugar e apercebendo-se desde cedo que pouca ou nenhuma privacidade era permitida aos funcionários da Circle. Desde as actividades nos dias de folga até aos batimentos cardíacos, tudo era monitorizado por funcionários.
Mae torna-se pioneira num projecto-piloto, quando passa a estar 24h por dia a ser seguida por milhares de pessoas através de câmaras devidamente instaladas no seu quarto e na sua casa. Umas microcâmaras, camufladas, inclusive, eram o último grito em tecnologia, que permitiria colocar o mundo online, encontrar qualquer pessoa em milésimos de segundo, votar em actos eleitorais, tornando cidadãos e governantes, países, a bem ver, reféns da Circle.
O filme, como se adivinha, levanta problemas éticos. Até que ponto a tecnologia pode comprimir a nossa privacidade, expondo a nossa intimidade a estranhos. Um tema actual e nada fictício. Não haverá legislação alguma que consiga proteger-nos dos avanços tecnológicos. A tendência é para que progressivamente sejamos controlados. Recordo-me, em miúdo, isto em 2001, de instalarem duas enormes câmaras no recreio do colégio. Sentia-me permanentemente vigiado. Ainda que os tribunais se decidam por inconstitucionalidades várias, os benefícios sobrepor-se-ão. Governantes e governados, na deriva securitária, exigirão bases de dados, visionamentos permanentes. As microcâmaras farão com que nem saibamos que estamos a ser observados. Conscientemente, já partilhamos várias das nossas actividades online, onde estamos, o que fazemos e com quem. Eu mesmo.
O interesse do filme reside aí. Faz, pelo menos foi esse o efeito que teve em mim, com que coloquemos questões básicas. Um acto tão comum como pegar no telemóvel e publicar que estamos no cinema X à hora Y pode ter consequências nefastas, por-nos em perigo, desde logo, e permitir que dados referentes à nossa vida sejam monitorizados sabe-se lá em que parte. As sedes pouco contam num mundo virtual. Clara Ferreira Alves, jornalista, tem-se pronunciado, e com ela concordo, sobre estas matérias. Convém que saibamos quando desligar. E, uma vez mais, aplico-me o conselho.
Uma palavra para os actores: o Tom Hanks, as usual, fenomenal; a Emma Watson continua com aquele ar da miúda do Harry Potter, não cresce, decididamente, e não me pareceu ter uma actuação fora de série. Foi boazinha no que fez, esforçou-se. O filme vale pela inquietação que provoca.