A vida partidária portuguesa, à semelhança do que sucede um pouco por todos os países assentes em democracias multipartidárias, encontra-se bipolarizada em torno dos dois maiores partidos políticos, o PPD/PSD e o PS. Essa bipolarização é comum noutros quadrantes, inclusive culturais: a dicotomia bem / mal, pobreza / riqueza, em assomos de a tudo remeter para um extremo, ignorando que há meios termos. No caso dos partidos políticos, entendemos esta característica como uma necessidade de assegurar a governabilidade de uma Nação. Seria pouco plausível, carecendo qualquer Estado de uma liderança forte, à esquerda ou à direita, dividir o poder por uma miríade de entidades. Em democracias ideais, sim; não nas democracias imperfeitas que temos, às quais já Churchill aludia há mais de sessenta anos.
O debate entre Pedros Passos Coelho, actual Chefe de Governo cessante, e o líder do maior partido da oposição, António Costa, demonstrou, uma vez mais, a tendência que existe, perversa, até na Comunicação Social, de assumir que um dos dois será o próximo Primeiro-Ministro. Dir-me-ão, sim, à partida, esperando-se que qualquer dos dois partidos obtenha o número de votos suficiente que lhe permita governar, maioritariamente ou através de acordos parlamentares, coligações. Não é aceitável, contudo, que se dê como garantido qualquer resultado antes do escrutínio eleitoral, sabendo-se que o povo é quem dita a última palavra e que há outros partidos que se apresentarão ao eleitorado no próximo dia 4 de Outubro. Trata-se de um empobrecimento intolerável de um acto eleitoral e de uma deturpação do sistema democrático. Por outro lado, não há nenhum mecanismo, sequer constitucional, que obrigue o Presidente da República a nomear Pedro Passos Coelho ou António Costa apenas por serem os líderes da coligação e do partido, respectivamente, melhor posicionados que se propõem às eleições, aceitando-se que um dos dois sairá vitorioso. Teremos uma eleição legislativa da qual resultará a composição da Assembleia da República. O partido mais votado será convidado a formar um Governo. O normal será o Presidente da República nomear como Primeiro-Ministro o líder do partido mais votado. Porém, num cenário de instabilidade política, suponhamos, em que seja necessário um acordo com outro partido, por razão de o partido político mais votado não ter obtido uma maioria suficiente para governar por si só, e em que a figura proposta ante o Presidente da República não consiga reunir esse consenso, poderá o Chefe de Estado nomear outra pessoa. Ao que o Presidente da República está obrigado, por dispositivo constitucional, o artigo 187.º, número 1, é a nomear o Primeiro-Ministro ouvindo os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais. Mas para assegurar a governabilidade do país, e respeitando sempre os resultados eleitorais, pode resultar uma outra figura como Chefe de Governo, inclusive de partidos menos votados. Há, isso sim, o costume constitucional de nomear o líder do partido mais votado. É o ideal que venha a acontecer, respeitando-se a vontade soberana do povo. Não sendo possível qualquer entendimento, do espectro que resultou do acto eleitoral, o Presidente pode ver-se obrigado a chegar a outra solução.
As eleições legislativas têm conhecido outro efeito indesejado: transformaram-se em eleições de Primeiros-Ministros, havendo que lhes chame até, como o insigne Professor Paulo Otero, em "Presidencialismo de Primeiro-Ministro". O Chefe de Governo revestiu-se de uma relevância desmesurada e tal, talvez pela prática que se herdou do Presidente do Conselho de Ministros do Estado Novo, que quem será o próximo Primeiro-Ministro ultrapassa, em importância e teoria, que partidos estarão representados no Parlamento e até, pouco falta, que partido será o mais votado. O cidadão não vota no partido; vota no seu líder, esperando-o como Primeiro-Ministro. Os políticos já vão obedecendo a essa lógica, autodenominando-se "candidatos a Primeiro-Ministro". Nos debates, regra geral, fala-se pouco em partidos, em assembleia, e muito em pessoas - na pessoa, neste caso do Primeiro-Ministro.
Vícios a que uma democracia de quarenta anos não está imune. Difíceis de ultrapassar, quando não impossíveis, pela implantação que vão tendo junto do eleitorado.
Vícios a que uma democracia de quarenta anos não está imune. Difíceis de ultrapassar, quando não impossíveis, pela implantação que vão tendo junto do eleitorado.
Com todos os problemas e vícios que o sistema parlamentarista também possue, ainda sou um ardoroso defensor dele. Por aqui, infelizmente, ainda convivemos com o presidencialismo e, o pior, de coalizão. Resultado: o caos total. Vc é muito bom em suas reflexões sobre os contextos políticos, econômicos e sociais da contemporaneidade. Parabéns.
ResponderEliminarOlá, Paulo.
EliminarSim, embora o sistema português não seja parlamentarista. É semipresidencialista. Não vivemos num parlamentarismo puro. O Presidente da República, por cá, tem importantes funções, incluindo legislativas, ao promulgar os diplomas quer da Assembleia da República, quer do Governo. E pode, no limite, dissolver a Assembleia. Entre inúmeras funções. Não é apenas uma figura cerimonial.
O presidencialismo tem as suas falhas, o parlamentarismo também, mas é necessário, direi eu, em países de dimensão geográfica apreciável, como o Brasil, onde se exige um líder forte, coeso, capaz de governar e de representar o Estado, simultaneamente. É o meu entendimento, claro. Haverá outros.
Obrigado. :)
não vi o debate, sabia que havia um algures antes das eleições, mas só hoje pude dar uma vista de olhos pelos jornais online. eu já sei para onde vai o meu voto e não alinho em discursos do género 'se não votas no da oposição, estás a dar votos ao partido do governo'. não sabemos o que o ps faria se estivesse no governo agora e não faço futurologia, excepto que sei que de promessas está o inferno cheio.
Eliminarbjs.
Procurei fugir ao debate. Centrei-me noutras questões. Fiz a minha pequena análise ao debate, sim, no mural de outra rede social. Não me quis repetir.
EliminarEste artigo teve como finalidade alertar para algumas hipóteses que se poderão suscitar, hoje ou amanhã, em sentido amplo, e para alguns vícios que começam a incomodar. Clara de Sousa disse: "Um dos dois será Primeiro-Ministro". Mas porquê, senhora? Apetece perguntar. Porque ela quer ou a Comunicação Social quer? "Porque é o mais certo", responderão. Pois, mas cabe-lhes o rigor. Fica sempre bem.
Se queres que diga, já agora, Costa saiu-se melhor do que o esperado (por mim, se tanto).
um beijinho.
Sim Mark ... soluções sempre teremos, mas colocá-las em prática, principalmente neste campo é o grande problema ...
EliminarA prática sempre supera a teoria em dificuldade.
EliminarDeu pra saber um pouco mais da realidade política portuguesa. Não estou acompanhando com a atenção devida. Acho que terei de ser mais atento. Sempre achei o sistema português mais complexo que o brasileiro, mais elaborado e mais justo até. Obrigado.
ResponderEliminarAbraços!!
Todos terão a sua complexidade. :) E tem muito de injusto, acredita.
Eliminarabraço.
Acredito que se a grande maioria dos portugueses fosse votar em nulo e assinassem petições nesse dia para termos outros políticos ou outras políticas, o caso poderia mudar de figura. Os Governos serem responsabilizados pelas suas acções e não das ditas promessas. A Bélgica esteve sem Governo e Governou-se. Deveríamos ser mais exigentes e reclamarmos o nosso direito. Verdade! O Tuga prefere é reclamar e gritar atrás de um balcão, porque sabe que o funcionário não poderá levantar a voz ou atira-lhe um agrafador à cabeça ou simplesmente dar-lhe uma chapada para o trazer à razão.
ResponderEliminarGrande abraço amigo e adorei o teu post como sempre :D
A maioria dos portugueses abstém-se, isso sim, ainda que acredite que haja uma maior afluência às urnas neste acto eleitoral, pela importância de que se reveste.
EliminarOs governos são responsabilizados pelas suas acções nas urnas, amigo. As "ditas promessas" fazem parte do jogo político, infelizmente. É o que temos. E não deve ser só por cá.
abração.
Quem estava insatisfeito/com dúvidas em quem votar certamente que agora ficou mais "esclarecido"! O debate foi uma chatice, ambos a não abrirem o jogo e a debaterem o passado. Não costumo ser muito adepto do que vou dizer agora, mas desta vez concordo com o Francisco: "Passado é nos museus", lol!
ResponderEliminarPara mim o debate foi decepcionante e só me fez ver que estamos muito mal com as escolhas políticas que os portugueses venham a fazer a 4 de Outubro, junto de uma vitória esmagadora da Abstenção. Vamos a ver.
Abraço :3
Eu gostei de ver (e ouvir, já agora) o debate, apesar de não ter sido suficientemente esclarecedor. Enfim, até os políticos vão ganhando alguma manha com os disparates que cometem. Vi-os, a ambos, bem mais comedidos com as tradicionais promessas eleitorais.
EliminarNão sei se foi uma "chatice". Foi um debate educado, civilizado, sem "sangue", passo a expressão. Apreciei isso. Agora, que foi pouco esclarecedor, foi, é verdade.
As escolhas serão feitas de entre o leque que se apresentará a votos. Que escolham com sensatez. Eu nem sei ainda que sentido dar ao meu voto.
um abraço, Mikel. :)
Já somos dois, querido Mark! ^^
Eliminar:)
EliminarTambém gostei imenso do post, Mark. Quão importante é o conhecimento dos factos que nos esclareceste. É a base do nosso regime e somos ignorantes governados por quem tem manha e mal-informados pela desenfreada e pouco rigorosa comunicação social que tem asumido um papel estranho em Portugal - juro que a diferença para o jornalismo espanhol que acompanho é incrivelmente avassaladora e, no mínimo, embaraçosa. É como se o jornalismo estivesse a competir com o poder político e, não raras vezes, também o jurídico procurando usurpá-los. Em vez de informar de forma isenta, a peculiar preocupação é o de formar uma opinião, que implica um juíz, e esse juízo encontra-se imiscuído com poderes de bastidores perigosos para uma democracia funcional e saudável.
ResponderEliminarDe resto, subscrevo todo o teu post - claro, incisivo e isento. E útil!
Tens imensa razão. A Comunicação Social, na sua maioria, dedica-se a tricas - ainda há dias falei sobre isso, relegando o essencial, o que, de facto, importa para os cidadãos. Nem toda, contudo.
EliminarNão sabia dessa diferença avassaladora entre a imprensa portuguesa e a espanhola. Como são países vizinhos e culturalmente próximos, julgava-os parecidos nas mais diversas áreas. Muito me contas!
A Comunicação Social é um verdadeiro "quarto poder". No Brasil, a Globo, por exemplo, esteve directamente ligada à eleição de Collor de Mello, no final dos anos oitenta. Não raras vezes os políticos são "levados ao colo" pelas grandes empresas de comunicação.
Obrigado, Alex, terminando. :)
Mark não vi o debate, vi um filme muito mais interessante "The Age of Adaline" que não me deu sono e no final deixou-me muito satisfeito, coisa que o debate não me iria dar. Foi uma opção, talvez a melhor para aquela noite :-p
ResponderEliminarEstou a par do que foi dito, no entanto acho que estamos num impasse, tipo "vira o disco de toca o mesmo", pouco ou nada irá mudar, aliás até acho que Portugal perdeu toda a elasticidade que tinha e agora só falta é "arrebentar" pelas costuras!
Heheh, ver o debate não me roubou tempo programado para alguma outra actividade, uma vez que o vi gravado, através da box, horas depois. Bendita evolução. :)
EliminarOs debates políticos, estes, raramente me dão sono. Questões bastante pertinentes são discutidas, analisadas. Queiramos ou não, estas pessoas representar-nos-ão nos próximos anos. É importante, quanto a mim digo, saber o que pensam, já dando o devido desconto ao que não cumprem e às "mudanças supervenientes" que sempre invocam...
És capaz de ter razão quanto ao último parágrafo. Achei mais esclarecedora, todavia, a entrevista de António Costa ao jornalista Vítor Gonçalves, um dia depois, na RTP.
- Estava de férias, e na unidade hoteleira onde me encontrava não há TV nos quartos, mas apenas na sala de estar. Que estava repleta de gente a ver o debate (numa semana foi o dia que a vi mais cheia), com duas jovens estrangeiras a um canto a olhar para aquilo tudo com um pouco de preplexidade...
ResponderEliminar- Acho que ambos estiveram muito mal. Falou-se muito do passado e muito pouco do futuro, como já referiram. E se o Francisco diz que o passado é nos museus, não nos podemos esquecer que o debate foi num museu... (ironia das ironias)
- A Comunicação Social está a ter um comportamento asqueroso nestas eleições, por fazer em "canal aberto" apenas um dos debates. Quem não tem TV Cabo não poderá ver os restantes debates.
Provavelmente, no país das jovens estrangeiras dão importância a debates antes de actos eleitorais.
EliminarFalaram muito do passado e contornaram as perguntas, daí ter dito que gostei mais de ver a entrevista de Costa no dia seguinte.
Não vi qualquer outro debate, mas, sendo assim, é realmente desadequado.
Foi um mau debate. Aliás péssimo. Enfim.
ResponderEliminarPelo menos teve nível. :)
EliminarMark não vi o debate porque estava em Estocolmo, mas a verdade (e pegando no que escreveste) a comunicação social em Portugal quer transformar a nossa democracia num sistema Americano. Ou seja, teremos um Partido Democrata e outro Republicano. O que as pessoas não percebem é que somos diferentes enquanto povo/sociedade e derivamos de outras tantas influências, que um sistema bipartido seria uma armadilha para a nossa democracia.
ResponderEliminarExacto. Uma democracia ideal convive com várias cores, várias correntes ideológicas, se bem que o bipartidarismo é mais ou menos transversal por esse mundo. Há a tendência em bipolarizar. Aqui em Espanha, por exemplo, a vida política gira em torno do PSOE e do PP.
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