O jornalismo cumpre um papel social de relevo, exigindo-se a ponderação de valores, de interesses, de bens que, eventualmente, possam estar em causa. Nesse sentido, por várias vezes os tribunais são chamados a decidir qual leva primazia: a liberdade de informação ou o direito ao bom nome, à reputação. E em Portugal, maioritariamente, os magistrados decidem-se pelo último, ao contrário do que se passa noutros países. Disso mesmo nos dá conta a longa jurisprudência que temos nesta matéria.
Tempos houve em que o jornalismo, encapotado, trazia as notícias do que se passava lá fora. Jornais eram lidos às escondidas, quantas edições à margem da lei. Através de tais publicações, sabia-se o que se passava quanto aos horrores do regime na África colonial. A preocupação era apenas uma: levar a informação, passar a palavra, a palavra verdadeira e não aquela que o censor consentia.
Em sociedades plurais, o jornalismo não perde, por isso, a sua valia. O poder, regra geral, tende a mascarar a realidade, truncando os factos. Compete aos jornalistas, respondendo perante a sua consciência e cumprindo com os preceitos do seu código deontológico, fazer chegar às massas, ao povo, o seu último destinatário, a verdade sem rodeios, sem farsas.
Um dia, ouvi uma jornalista da TVI - e mais à frente entender-se-á o itálico - referindo-se ao jornalismo como «necessariamente contrapoder». Não tendo formação na área, eu diria que lhe faltaram os conhecimentos básicos que evitariam tal afirmação incorrecta. A meu ver, que também não a tenho, não vejo o jornalismo como contrapoder. O jornalismo não deve ser contra ou a favor do poder. O jornalismo deve ser imparcial. Alertar no sentido do que está mal e deve ser corrigido, dar a conhecer as injustiças que se cometam, informar sobre a vida pública, política, e dizer o bem quando nada de mal há a ser dito. A jornalista supracitada é Manuela Moura Guedes, jurista.
Entretanto, com a evolução natural que atingiu, outrossim, a classe jornalística, surgiram publicações especializadas. Cada uma dedica-se à sua vertente, e isso é de salutar. Aquelas há cujo foco de interesse recai na vida social, outras preferem o desporto, a economia, o automobilismo, enfim, um sem-número de áreas abrangidas. Todas, todavia, devem pautar a sua conduta pela seriedade, pela manifesta vontade de informar, respeitando os limites impostos, primeiramente, pela consciência de cada um, de cada jornalista; de seguida, pela boa fé, não esquecendo a lei, última barreira verdadeiramente intransponível. E chego onde comecei: aos limites.
Determinado jornalismo estendeu esses limites, originando uma imprensa sensacionalista que se dedica a tarefas menores, a invadir esferas pessoais que suscitam apenas a curiosidade mórbida e doentia das pessoas. Chegámos ao campo da informação não-útil. Da pura coscuvilhice ardilosa. Com tal teor, vários jornais granjearam popularidade, alguns dos quais chegando ao pequeno ecrã, inaugurando canais, mantendo o mesmo registo invasivo.
Os últimos dias têm-nos revelado situações em que facilmente atestamos a autenticidade do que foi dito. Jornalistas - que presumo que o sejam - marcando o domicílio de cidadãos, inquirindo terceiros, ocupando-se de detalhes que em nada contribuem para o esclarecimento comum. Não é difícil, aqui, ver a fronteira entre o admissível, o socialmente relevante e tolerável, e a devassa da vida privada. Não interessa ao cidadão médio saber, por exemplo, se eu prefiro cogumelos ou azeitonas na pizza que encomendo. Uma sociedade big brother, em que uns são carrascos e outros espectadores da vida alheia, faz esgotar o conteúdo útil do direito à reserva da vida privada, existindo este ou não ao sabor do interesse que depositam. Isto não pode acontecer, nem estando perante figuras que pela sua notoriedade se tornam mais atractivas.
Os últimos dias têm-nos revelado situações em que facilmente atestamos a autenticidade do que foi dito. Jornalistas - que presumo que o sejam - marcando o domicílio de cidadãos, inquirindo terceiros, ocupando-se de detalhes que em nada contribuem para o esclarecimento comum. Não é difícil, aqui, ver a fronteira entre o admissível, o socialmente relevante e tolerável, e a devassa da vida privada. Não interessa ao cidadão médio saber, por exemplo, se eu prefiro cogumelos ou azeitonas na pizza que encomendo. Uma sociedade big brother, em que uns são carrascos e outros espectadores da vida alheia, faz esgotar o conteúdo útil do direito à reserva da vida privada, existindo este ou não ao sabor do interesse que depositam. Isto não pode acontecer, nem estando perante figuras que pela sua notoriedade se tornam mais atractivas.
Muitos jornalistas esquecem suas prioridades que são aquelas que você referiu e bem, informar, esclarecer, denunciar. Dedicam-se a fofocas sem interesse. Isso pra mim não é jornalismo.
ResponderEliminarCuriosamente eu pensava que aí na Europa as coisas eram meio diferentes, com mais respeito. Afinal..
Abraços.
:) A natureza humana não conhece quaisquer fronteiras políticas, geográficas, culturais. Tome-o como certo, caro Ty.
Eliminarabraço.
só hoje li a polémica da pizza. francamente, que tipo de jornalismo é este? e até os jornais mais clássicos de vez em quando caem em notícias-lixo. aproximam-se as eleições. tudo vale, agora, até tirar olhos.
Eliminarbjs.
Se o caso com o Sócrates fosse isolado... Temos vindo a assistir à proliferação deste estilo que ultrapassa o sensacionalismo. É verdadeiro "trash", como bem disseste.
Eliminarum beijinho.
Esta cobertura exasperada e esmiuçada ao Sócrates é mais um "panem et circenses" que se arranjou para distrair o povo...
ResponderEliminarFelizes daqueles que ficam satisfeitos por saber quais os sabores da pizza que ele vai comer ou se está mais gordo ou mais magro...!
Abraço :3
Não sei se pretendem distrair o povo ou se é, de facto, a exigência de uma linha editorial perversa.
EliminarEu achei a pizza muito simples. x)
abraço, Mikel.
Seria importante que os jornalistas tivessem em mente que eles são um meio importante para a população adquirir informações e de mais valia ainda que essas informações fossem úteis e verdadeiras. Como sou do meio medico, vejo muitas barbaridades escritas por aí que percebe-se que a pessoa não teve o mínimo de trabalho de averiguar se a notícia que ele ia postar era verdadeira.
ResponderEliminarAbraço!
Como em todas as profissões, há os bons e os maus jornalistas. Muitos não percebem a importância de uma notícia e a repercussão que poderá ter. Outros sabem-no, utilizando a imprensa para atingir certos fins.
Eliminarabraço.
Infelizmente é esse tipo de noticias que alimenta esta mentalidade de povo.
ResponderEliminarNuma terra de doutores e engenheiros, e numa época que se vende mais estas notícias. Eu pergunto: Em que escolas andaram os meninos a estudar?!
Grande abraço amigo
A formação dos jornalistas será a mesma. Acredito que depois se vejam obrigados a ceder por forma a obter um emprego. Se é na redacção de Jornal X e se esse jornal obedece a determinada lógica, pois lá terá de ser. As pessoas, claro está, alimentam esta imprensa. Ela existe porque há leitor.
Eliminarabração.
Mark achas que se pode chamar de jornalismo a certas coisas que são ditas e escritas? Os limites de que falas deveriam de ser analisados com olhos de ver, e revistos com uma abertura de separar o que é bom e o que é mau.
ResponderEliminarPor vezes são as pessoas que fomentam certo tipo de jornalismo que nem o "cego mais cego" irá querer ler.
Limite, não, claro que não. E se reparares, eu tive o cuidado de "separar as águas", passo a expressão. A partir do momento em que essa imprensa perdeu todos os valores que norteiam o jornalismo, abandonou-o [cito-me: «Determinado jornalismo estendeu esses limites, originando uma imprensa sensacionalista que se dedica a tarefas menores (...)»]. O verbo no gerúndio marca a transição.
EliminarTens toda a razão. Mas, com todo o respeito pelos invisuais, neste caso há cegos que continuam a ler. :)
Muito pertinente esta sua reflexão ... "Determinado jornalismo estendeu esses limites, originando uma imprensa sensacionalista que se dedica a tarefas menores (...)"
ResponderEliminarObrigado, Paulo.
Eliminar:-p
EliminarO que o Correio da Manhã faz ao PS ou ao Sócrates não se faz. Deveria ser multado por estar a realizar uma perseguição política sem precedentes.
ResponderEliminarMiguel Sousa Tavares confrontou o director do Correio da Manhã, dizendo-lhe que provavelmente ele não gostaria de ser detido enquanto a CMTV filmava...
EliminarMas ai a culpa é das auto-denominadas "entidades reguladoras" e do próprio Sindicato dos Jornalistas porque aquilo que o Correio da Manhã faz não se chama jornalismo, mas sim perseguição. Lembro ainda um episódio sobre a licenciatura do Relvas e de uma manifestação sobre isso em frente à Assembleia da República (a que fui) promovida por um realizador português (Miguel Gonçalves Mendes). No dia seguinte, o Correio da Manhã andou à procura dos "podres" desse realizador e fez uma página inteira a dizer mal do homem (e por acaso o que escreveram era mentira). Isto é jornalismo ou perseguição?
EliminarSem dúvida. Aquilo tem muito pouco de jornalismo. Dedicam-se a práticas persecutórias.
EliminarDepois, a fronteira entre o informar e o invadir já é ténue. Claro está que há sempre o recurso aos tribunais para fazer valer os nossos direitos. Se o que publicam é mentira, processe-se. E imagino que tenham bastantes processos "em cima".
Ficámos sem o 24 Horas... Este é igual ou pior.