27 de maio de 2014

Rescaldo.


   Terminado o acto eleitoral e analisados os resultados deste plebiscito europeu, retiramos, desde logo, duas ilações evidentes: a abstenção, que se supunha elevada, foi a maior de sempre, demonstrando, inequivocamente, por um lado a normal relativização, errada, das eleições para o parlamento europeu e, pelo outro, o descrédito acentuado na classe política portuguesa. Não estamos no Verão, não havia qualquer competição desportiva, finda que está a época, logo não há causas de justificação.

    Em segundo lugar, a inércia do centrão favoreceu o recrudescimento dos fenómenos extremistas na Europa, seja da extrema direita, mais visível, ou da extrema esquerda, como sucedeu na Grécia. Pela primeira vez, uma parte do parlamento europeu estará confiada a eurocépticos convictos, o que compromete os desígnios das instituições europeias no sentido do reforço da União. A abstenção verificou-se por todos os Estados-membros.

    A nível interno, retira-se uma conclusão: a penalização da direita, tão invocada, foi uma miragem. De facto, a vitória do PS neste escrutínio é tudo menos confortável, daí que não entenda a urgência de António José Seguro quando clama por eleições legislativas antecipadas. Pretende governar sem maioria parlamentar ou crê que teria maioria absoluta ou relativa? Parece-me insensato. Temerá que o país recupere de alguma forma, o que prejudicaria o discurso fatalista do PS? O problema do Partido Socialista, ou os problemas, na minha humilde opinião, resumem-se a: falta de carisma do seu líder; insuficiência das alternativas credíveis ao programa da direita e o estigma do memorando do triunvirato que remonta aos tempos de Sócrates. É um grande partido, com uma conjuntura que lhe é favorável, e não consegue conquistar o eleitorado, aumentando, por essa via, a vantagem nas intenções de voto. Uma das soluções, a meu ver, seria o avanço de António Costa, socratista, para a liderança, que Sócrates, embora seja um estadista, estará preocupado com outros vôos...

    Nos partidos mais pequenos, destaca-se um bom resultado para o PCP / PEV, e uma surpresa: Marinho Pinto capitalizou o seu discurso populista, convertendo-o em votos para o MPT, que ganhou assim dois eurodeputados. O Bloco de Esquerda foi um dos derrotados da noite, na senda do que já vai acontecendo. O partido começa a desvanecer-se. Não tem uma massa de apoio sólida como o PCP. Os portugueses continuam a demonstrar um bom senso surpreendente que, aliado à tradicional tolerância, não deixa crescer os movimentos radicais, representados, à extrema direita, pelo PNR, uma nulidade política.

   É precipitado falar-se de legislativas. O povo está descontente e rejeita o programa da coligação governamental, mas não o faz categoricamente. Fá-lo por meias palavras. E o governo não está moribundo. É maior o demérito do próprio Partido Socialista do que o empenho do governo em agradar ao eleitorado. Não ficaria admirado se nas próximas legislativas o PSD ficasse bem colocado.
     Cavaco Silva não dissolverá a Assembleia da República e aqui devo concordar com a decisão do Presidente da República. A derrota da Aliança Portugal não foi expressiva e, sendo-o, há que separar as águas. Este governo cumpre um mandato legitimado e longe vão os tempos em que os governos careciam da confiança política do Presidente da República, afastando-se assim a demissão do governo, além de que as eleições para o parlamento europeu são uma realidade distinta das legislativas. Passos Coelho poderia interpretar estes resultados como uma derrota pessoal e das suas políticas e pedir voluntariamente a demissão. Não o fará. O regular funcionamento das instituições democráticas, conceito amplo e indeterminado, que dá azo a especulações de toda a ordem, não está ameaçado.

    A oposição deve esmerar-se para que se apresente como força antagónica que mereça a confiança das pessoas. Continuando neste caminho, fenómenos como o abstencionismo manter-se-ão, enfraquecendo a representatividade parlamentar que emana dos cidadãos.

22 comentários:

  1. Você ama política né? É que você escreve com uma leveza e profundidade que me leva a achar isso. Eu entendo bem pouco da política da pátria irmã mas minha curiosidade é grande. Fiquei sabendo mais um pouco. O sistema aí é parlamentar, diferente daqui. E ainda tem esse troço de parlamento europeu, rs. Parece um país.

    Abraços!!

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    1. Nem por isso. Sou um cidadão interessado. :)

      É um regime parlamentar semipresidencialista. Não é bem um parlamentarismo. O Presidente da República goza de amplos poderes. Mas, sim, o governo emerge do parlamento. É um regime bastante diferente do brasileiro, presidencialista puro.

      Pois é, estamos inseridos numa União Europeia, organização indefinida. Ninguém sabe bem o que é. É uma organização internacional? Um pouco mais do que isso? Nem eles sabem.

      um abraço. :)

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  2. tenho tanto receio do que possa acontecer...

    r. bem verdade, Mark, bem verdade...

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    1. Pela Europa, o extremismo vai ganhando uma expressividade apreciável. Não é de se ignorar, de todo. É preocupante. Os exemplos francês e dinamarquês isso evidenciam.

      Por cá, enfim, mais do mesmo. Ainda somos um povo sensato, faça-se justiça. De outro modo, o PNR elegeria um ou dois eurodeputados. Medo.

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    2. r. só estamos juntos mais uns dias, os problemas seriam poucos haha

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  3. Eis senão quando, António Costa aparece e no momento certo.
    É a machadada no sonho de Passos e Portas de voltarem a ganhar as legislativas, coisa bastante plausível depois destas europeias.
    Costa vai ser, não duvido, o próximo primeiro ministro e pode talvez arriscar a maioria absoluta...
    Quanto ao fenómeno Marinho Pinto é um autêntico tiro...de pólvora seca - o tipo é populista, machista, xenófobo e homofóbico. Chega????
    Quanto à Europa está a abrir caminho para a sua própria destruição, no seguimento cego das directrizes da senhora Merckl.
    Ainda não é fogo? Mas já se sente muito o cheiro a fumo...

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    1. Aham, creio que tens razão. António Costa sucederá a Seguro, pelo menos é a opção viável de momento.

      O PS está mal posicionado, o que nesta altura é incompreensível. A coligação tinha tudo para estar de rastos e não está!

      O Marinho Pinto é uma pessoa execrável, sedenta de protagonismo.

      Não lastimo o princípio do fim da União Europeia. É realmente uma farsa.

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  4. - Em relação às causas da abstenção, não te esqueças que apesar de não ter havido nada disso, houve Rock in Rio. Apesar de eu achar que isso são só desculpas. As pessoas não vão porque não querem, não lhes apetece e querem ser ignorantes. Metem nas mãos dos outros a decisão sobre o seu futuro.

    - Sobre Seguro, digo-te, se fosse militante do PS, estava a fazer tudo por tudo para lhe fazer a cama. Esse tipo é uma nódoa, e o Assis ainda é pior que ele. São muito de direita, e nada socialistas (aliás, nos últimos anos o PS tem sido muita coisa, mas socialista não tem sido...). Não gosto de Sócrates, mas sempre conseguia ser "centro-esquerda", ao contrário destes... e passa muito para fora as dissidências internas entre as duas "forças" do PS: a de Sócrates e a de Seguro.

    - Marinho Pinto não me surpreendeu. Ou por outra, não me surpreendeu muito. A comunicação social deu-lhe tempo de antena, precisamente com o objetivo de apanhar uma grande parte dos votos flutuantes. A eleição do segundo é que é péssimo. Creio que será o resultado da forte abstenção. Contudo, ainda falta apurar quatro mandatos, creio. Esperemos para ver a sua distribuição e se Marinho fica mesmo com o segundo...

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    1. Portugal não é bem do tamanho do Luxemburgo e o Rock In Rio Lisboa não justifica a percentagem exorbitante de abstenção. Então e o resto do país, não conta?

      O PS "engaveta" o socialismo de vez em quando. Mário Soares já o fez e admitiu-o. Como é um partido com responsabilidades governativas, não pode fazer cedências e promessas próprias de partidos de oposição. E depois, numa Europa comunitária, as políticas passam por ajustamentos com os restantes Estados-membros. Não há soberania monetária, por exemplo, e há os limites de deficit impostos pela União Europeia. As políticas têm de convergir.

      Já é facto garantido. O MPT elegeu mesmo mais um deputado. O PS outro e a CDU creio que também. Pesquisa que encontrarás. Eu também não tenho esses valores actualizados. :s

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    2. Depois de fazer o meu comentário, li uma notícia sobre a distribuição dos últimos quatro. Um para o PS, PSD/CDS, CDU e MPT. Mas ainda não está nada no site da CNE... Contudo, creio que ficará assim....

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    3. Comprova-se. O Bloco foi o grande derrotado. Não merece outra coisa, depois da polémica em torno da liderança, já para não falar do triste episódio com a Joana Amaral Dias, em que demonstraram pouco fair-play e um desrespeito incompreensível pela liberdade de cada um. E são um vazio de ideias.

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  5. |||||
    Tirando o gelo do Polo Norte que está a desaparecer aos nossos olhos, também como tu dizes, os resultados das eleições dos vários países ditaram uma Europa esfrangalhada que vai colocar em causa instituições de crédito. Leva-me a pensar que esta Europa como está nem ao "menino Jesus" interessa, senão aos amantes da desordem. Por cá, estes resultados para a coligação PSD/CDS resume-se a uma mosca que poisou em cima do bolo. Mata-se a mosca mas a merda continua, falando português...

    Abraço

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    1. Bom, é normal que os parlamentos tenham várias cores políticas. O que é grave, a meu ver, é este despoletar dos extremismos. Não ajuda em nada à democracia. E a incoerência é gritante: são eurocépticos, mas candidatam-se ao parlamento europeu, adoro, ahah.

      um abraço. :)

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  6. Acho que somos todos uma vergonha e contra mim falo.
    Por estar recenseado numa cidade a mais de 300km da que me encontro fiz parte da abstenção,com muita pena minha.
    O desacreditar nas forças politicas e a desilusão com o rumo da sociedade não podem servir de desculpa.
    Por muito que me custe dizer temos,muitas vezes,aquilo que merecemos.

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    1. Shiver, mas houve uma alteração nos cadernos eleitorais. Pessoas que estavam recenseadas longe, passaram a votar na respectiva freguesia de residência. Tens de ver isso. :)

      Eu, por acaso, acho que quem não quer votar está no seu direito. Depois não pode é vir com queixumes. No teu caso, foi por erro, desconhecimento, está justificado. :)

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    2. Ah okay, estás recenseado num determinado lugar, onde tens a residência oficial, mas moras presentemente noutro. Claro, claro. Como se eu agora fosse morar para outra cidade e mantivesse esta como oficial. Entendi só agora, daí o acrescento. :D

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  7. Isso mesmo.
    E mesmo os que votaram, votaram naquilo que se viu.....mais de metade dos votantes votaram na continuação destas politicas.

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    1. Pois, estás longe para votar. Não te culpes. Tens um bom motivo.

      Sim, os votos incidiram, maioritariamente, no PS e na dita coligação Aliança Portugal. Como se diz vulgarmente, "são sempre os mesmos". :)

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  8. Por um vota se ganha, por um voto se perde. Parece-me é que o PS ganhou quase por sorte. Até porque a diferença foi muito pequena o que revela que este PS não serve e este "To Zé", um "puto" da "jota" sem grande currículo não servirá de todo. Parece-me que a melhor (e única) solução será o António Costa (e como vaticinaste avançou hoje) que tem mais postura e quer se queira, ou não, mais currículo. Sobre a CDU... bom 12% parece-me pouco tendo em conta o descontentamento que existe sobre os partidos "de governo". O Marinho e Pinto é o nosso "Tiririca" e daqui a uns tempos passará a figurar nos livros de história como um tótó que fala, fala, mas não faz nada. Finalmente sobre o Bloco, é pena que se esteja a desfragmentar, mas não é nada que não se soubesse, não porque não tenha mérito como partido (para mim tem), mas porque o Louça quis transformá-lo num feudo pessoal do seu ego. E esta liderança "bi" não lembra ao menino Jesus...

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    1. Soube que o António Costa avançou há minutos, através de uma publicação de um amigo numa rede social. Fez bem. Começo a ter capacidades "mediúnicas" como o professor Marcelo. :D

      O resultado da CDU foi bom porque foi melhor comparativamente às últimas europeias. :)

      Bem visto! Nem me lembrava desse "Tiririca". Realmente, já temos um no arquipélago da Madeira, de que agora não me recordo do nome, a que se junta o Marinho "e" Pinto. LOL

      O Bloco tem o mérito de ter empunhado bandeiras inéditas à época. Entretanto, foi perdendo relevância. Falta-lhe aquela base sólida. A maioria do seu eleitorado é composto por jovens que, crescendo, passam para o PS ou, na pior das hipóteses, para o PSD. E a questão da polémica em torno da liderança bicéfala enfraqueceu-o.

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  9. Vontade de dizer: Benficaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

    Os portugueses estiveram dez horas à espera de um bilhete de futebol, encheram o Marquês de Pombal, e não se deslocaram para votar...

    Este país é um circo a céu aberto

    Não digo mais nada :(

    Abraço amigo

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    1. Tens toda a razão. Vais ao encontro daquilo que o Shiver disse. Somos os principais culpados da situação em que o país se encontra.

      um abraço. :)

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