Chamei-lhe várias vezes de o caderno dos sonhos. Era-o, de facto. Para onde quer que fosse, ele ia comigo. Nele escrevia o que sentia naqueles momentos. Soltava o grito, muitas vezes, que tinha preso na garganta. Assinava e colocava a data por baixo de cada texto. Mais tarde, quando o abria e me dava ao trabalho de reler o que escrevera, encontrava sempre correlações com a atualidade.
Coloquei os headphones e saí para reler o caderno. Pudera fazê-lo em casa, mas o Sol convidativo aliciava-me para que saísse. Pelo caminho, resolvi sentar-me num banco de madeira. Perto de mim, dois homens jogavam futebol, dando sucessivos chutes numa bola usada. Ao mesmo tempo que os via jogar, via também uma normalidade que não era a minha. Fora mais fácil deixar o caderno em casa e dar uns pontapés numa bola de futebol. Tratava-se de uma normalidade alheia, sim, mas também de uma realidade alheia. Não terei de ser quem não sou.
Abri o caderno e folheei as páginas. Todavia, o meu olhar subia a cada parágrafo, podendo sentir as linhas a sumirem ante os meus olhos. Era-me humanamente impossível não reparar em como vivemos num mundo de pedra.
Um mundo em que robôs substituíram os homens. No mundo de pedra, não mais existe lugar à diferença. Não se nasce, surge-se mediante processos de automatização. Todos iguais, sem diferenças, que - existindo - são extirpadas.
Quis ser diferente e tornei o meu mundo real, humano. É assim que o sinto - e o caderno não me mentiu.
Humano, assim, que um rapaz que ia a correr, escorregou, caiu e sangrou.
Os robôs não sangram; não sentem.
Mas precisam de óleo...
ResponderEliminarNão acho que os robots tenham substituído os homens. Acho que os homens criaram os robots para executarem algumas tarefas, com mais precisão ou rapidez, mas nenhum robot conseguirá substituir o homem. É preciso um coração para amar, pele para sangrar quando se cai, é preciso ser-se humano.
ResponderEliminar... mas cada vez mais nos assemelhamos a robôs. Claro que no texto não me refiro a robôs no verdadeiro sentido da palavra. Satirizo, no fundo, a tendência irresistível para que sejamos todos iguais... como robôs. Esses, contudo, não sentem, não sangram e, quando menos damos por isso, a natureza humana revela-se mais forte.
ResponderEliminarAdorei o teu texto, sobre o qual se pode dizer tanto...
ResponderEliminarNos dias de hoje o futebol és mais patente na nossa sociedade, todos querem ser um Ronaldo ou Quaresma.
Quanto aos robôs, somos isso mesmo. Apenas pensamos, alguns pensam lololololol
Abraço
os processos de automatização foram feitos para serem quebrados. Difícil é reconhecermos que estamos no meio de uma linha de montagem
ResponderEliminarExistem contrastes neste teu texto, alguns dos quais já foram sinalizados. Contudo, o que me apaixona, é esse caderno (um segredo: tb eu trago sempre um comigo só que, ao contrário de ti, acabo por rasgar os meus desabafos)
ResponderEliminarAbraço
Não os rasgues! Também escrevo textos que depois me arrependo de os ter escrito, mas continuam a fazer parte de mim. Eu guardo tudo. O bom e o mau.
ResponderEliminarObrigado a todos. <3
Partilhamos um sentimento semelhante: a dificuldade em sentir-nos parte desta real "realidade" (passo a redundância).
ResponderEliminarDifícil tarefa, esta de sermos a peça que não encaixa do puzzle, mas penso não ser impossível fazer parte desta realidade quando advogamos pelo direito a sermos nós próprios. As pessoas acabarão por respeitar.
Até já :)
Tens razão, Mark (desculpa só agora responder mas o alzheimer de minha avó e sobretudo o ambiente na escola têm-me impedido de fazer muito daquilo que gosto). Não devemos rasgar por mais parvo ou mal construído que o texto esteja. São pedaços nossos! Com eles crescemos.
ResponderEliminarAinda não somos todos robôts, mas concordo que algumas pessoas se esquecem que não têm que o ser...
ResponderEliminarhttp://youtu.be/bB6HDsJ382w
ResponderEliminarCom carinho, Jo ;)