O Brasil afirma-se progressivamente como uma das grandes potências mundiais; por seu lado, Portugal demonstra as suas fragilidades, fragilidades essas inerentes à sua condição de país pequeno, pobre, mal organizado e desastrosamente governado desde a queda do seu vasto império colonial. Poderia não ser assim.
Quando analisamos os movimentos independentistas da América Latina, no século XIX, e em África, já na segunda metade do século XX, raramente temos em atenção o movimento independentista brasileiro que em tudo diferiu dos restantes que se processaram, aqui e ali, em todos os territórios colonizados. Em boa verdade, o Brasil e Portugal ainda hoje poderiam estar unidos, não mais numa relação de metrópole-colónia, evidentemente, mas como um Reino Unido, que efetivamente existiu de 1815 a 1822. Não fosse a precipitação das Cortes portuguesas, hoje poderíamos ter uma vastíssima nação dividida nos dois lados do Atlântico...
Em 1807, aquando das invasões francesas a Portugal, impostas por Napoleão devido ao facto do monarca português não ter participado no Bloqueio Continental ao seu velho aliado Reino Unido, D. João (futuro D. João VI, príncipe regente desde 1792 devido à doença mental da sua mãe, D. Maria I) e a família real
fogem ou
saem estrategicamente (questão desenvolvida por mim num outro texto visível
aqui) para o Brasil. À época, o Brasil era uma colónia de Portugal, subdesenvolvida e de certa forma explorada pela sua metrópole. Estando o rei no Brasil, e uma vez que vivíamos ainda o Absolutismo Régio, ou seja,
«onde está o rei, está o poder», não fazia sentido o monarca habitar numa colónia. Logo, para além de logo à chegada ter decretado a abertura dos portos brasileiros às nações amigas (Reino Unido), em 1808, o Brasil foi conhecendo várias manifestações de progressiva autonomia e desenvolvimento, sendo que a mais importante foi a sua elevação à condição de reino unido a Portugal, surgindo o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1815. Estavam criadas as bases para um Reino Unido estável, estando, nesta altura, Portugal e o Brasil em pé de igualdade jurídica, podendo mesmo afirmar-se que Portugal era, tecnicamente, uma colónia do Brasil. Não nos esqueçamos de que onde está o rei, está o poder. Caso, aliás, insólito em todo o mundo.
Afastada a ameaça francesa - e devido ao descontentamento gerado pelo estado de Portugal, arruinado pelas invasões francesas e pela ausência do monarca - em 1820 dá-se a Revolução Liberal que termina com o Absolutismo Régio e exige o regresso imediato de D. João VI (já rei) e da família real a Portugal (1821). D. João VI, apercebendo-se de que não poderia continuar no Brasil, regressa a Portugal, não sem antes deixar no Brasil D. Pedro como regente, em seu nome.
Em Portugal, as Cortes Constituintes, depois de dada a Revolução, reuniram-se para elaborar aquele que viria a ser o primeiro texto constitucional português, a Constituição de 1822, em moldes liberais, com a separação entre os poderes legislativo, executivo e judicial, inspirada na Revolução Francesa de 1789. A Constituição foi jurada por D. João VI e previa a União Real com o Brasil. Tudo parecia encaminhar-se nesse propósito. Todavia, as Cortes pretendiam recolonizar o Brasil, destituindo-o da condição de Reino e tornando-o novamente numa colónia de Portugal. Dão ordens imediatas para que D. Pedro regresse a Portugal. D. Pedro, naquele que é entendido como o primeiro passo para a independência do Brasil, diz, a 9 de janeiro de 1822, que ficava no Brasil, no que ficaria para a história como o Dia do Fico. Perante a insistência das Cortes portuguesas em recolonizar o Brasil, exigindo o regresso de D. Pedro, a 7 de setembro de 1822 dá-se a independência formal do Brasil, terminando assim o Reino Unido.
D. Pedro, agora Pedro I do Brasil, torna-se o Libertador da nação brasileira. Em Portugal, foi visto como um traidor. Também haveria de ser visto como um traidor no Brasil...
Com a morte de D. João VI, em 1826, D. Pedro I do Brasil é o herdeiro oficial da Coroa portuguesa, uma vez que era o filho mais velho do monarca falecido. Impossibilitado de herdar as duas Coroas, portuguesa e brasileira, D. Pedro I, agora também IV de Portugal, visto que chegou a jurar o trono português, abdica em nome da sua filha, D. Maria II, casando esta com o seu irmão, D. Miguel. Desta forma, pacificaria as tensões já evidentes entre liberais e absolutistas (D. Miguel era absolutista) e asseguraria uma estabilidade para a filha, que tinha na altura sete anos. Contudo, D. Miguel, assumindo a regência devido à menoridade da sobrinha e tendo como base o futuro casamento com esta, consegue ser jurado rei de Portugal, usurpando o trono a D. Maria, e restaura o Absolutismo. D. Pedro I vê-se obrigado, então, a voltar a Portugal de modo a lutar pelos direitos da sua filha. Abdica da Coroa brasileira no seu filho, D. Pedro II do Brasil, e vem para Portugal, onde se inicia a Guerra Civil entre liberais e absolutistas. Esta decisão não lhe seria perdoada no Brasil e é encarada como uma traição ao povo brasileiro. O homem que liberta o Brasil de uma tentativa de recolonização, dando-lhe a independência, abdica agora do trono para lutar pelos direitos da filha na antiga metrópole.
D. Pedro IV (I do Brasil) não traiu Portugal ou o Brasil. De facto, crescendo no Brasil desde a saída da família real para território brasileiro, D. Pedro amava o Brasil e, por isso, lutou pela sua não-recolonização e subsequente independência. Amou também a Portugal, saindo do Brasil e abdicando da Coroa brasileira para lutar em terras lusas pelo legítimo trono da sua filha.
Portugal e o Brasil poderiam, hoje, estar unidos num único Reino, não fosse a má vontade das Cortes portuguesas da Revolução de 1820. Depois de elevado a Reino, era mais do que legítima a vontade do povo brasileiro de assim se manter. O Brasil não queria a independência total e incondicional de Portugal; o Brasil viu-se obrigado a optar pela sua independência devido ao orgulho colonizador ferido de Portugal. Quem sabe hoje não seríamos um maravilhoso Reino Unido? Sim, seríamos, não me restam quaisquer dúvidas. Um Reino Unido em moldes bem mais sustentáveis do que a Commonwealth britânica, que não é mais do que uma organização internacional que mantém os laços históricos e de amizade entre o Reino Unido e algumas das suas antigas dependências ultramarinas: seríamos uma União Real efetiva. Portugal e Brasil, em total pé de igualdade. Não é ficção: o Reino Unido existiu de 1815 a 1822 e ainda hoje existiria.
Têm a magnífica União Europeia. É ótimo, não é?
Se Portugal é a sombra do que foi, a si próprio se deve a sua triste condição.