17 de julho de 2010

D. João VI e a Corte no Brasil - Fuga ou Saída Estratégica?



D. João VI, na altura Príncipe João, herdeiro do trono, tornou-se regente do Reino de Portugal após a constatação por parte dos médicos da Corte de que a sua mãe, a rainha D. Maria I, sofria de instabilidade mental irreversível. Decorria o ano de 1799. Desde 1792 que já assinava os despachos em nome da rainha, sua mãe. D. João não esperava ser rei e, apesar de ter sido educado como filho primogénito, não fosse acontecer algo ao seu irmão, presumível herdeiro (e aconteceu mesmo...), não estava especialmente preparado para assumir o cargo. O seu irmão, o Princípe da Beira, D. José, faleceu de varíola, doença terrível para a época, e um dos motivos que em muito contribuiu para a loucura da rainha, obrigando D. João a assumir as responsabilidades de uma governação futura.
O início do século XIX ficou marcado pela instabilidade política na Europa. Naquela época, Napoleão Bonaparte, Imperador da França, ameaçava toda e qualquer nação que não participasse na sua luta obstinada contra a Inglaterra. Portugal, então aliado da Inglaterra (desde o século XIV, no reinado de D. João I), recusou-se a aderir ao Bloqueio Continental imposto por Napoleão ao seu país amigo. Esta atitude provocou um ultimato de Napoleão - ou Portugal cumpria ou era invadido.
Temendo ser aprisionado pelas tropas francesas, o Príncipe Regente, D. João, resolveu transferir a Corte Portuguesa para a colónia mais próspera e desenvolvida de Portugal, o Brasil. A sede do Império Português era, na altura, Lisboa. Vivíamos no tempo do Absolutismo, ou seja, o Rei e o Poder confundiam-se e onde estava um, necessariamente estava o outro. Se bem que não tenham sido tomadas quaisquer diligências para mudar a sede do Império, o Brasil foi elevado a Reino (Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves), em 1815, o que tornou, virtualmente, Portugal uma colónia da sua colónia.
Durante muitos anos, esta atitude de D. João VI foi encarada como uma «fuga», um acto de cobardia para com o seu povo, uma vez que o seu dever era estar em Portugal, defendendo e morrendo pela Pátria. Mais recentemente, a saída da Corte para o Brasil é entendida como uma «saída estratégica», uma vez que, ao evitar o aprisionamento pelas tropas francesas, D. João continuou a governar como se estivesse em Portugal, devido à transferência da Corte. A cereja em cima do bolo foi a elevação do Brasil a Reino. Tínhamos um rei, um Reino e, teoricamente, a soberania portuguesa estava assegurada. Golpe de mestre.
Eu, apaixonado por História e aspirante, quem sabe numa segunda licenciatura, a historiador, corroboro com a primeira tese. De facto, D. João fugiu para o Brasil. Não foi um acto tão calculado, se bem que essa hipótese remontasse ao reinado de D. João IV (uma saída para o Brasil). O Príncipe Regente temeu pela sua vida e fugiu, deixando os portugueses a uma leva de três invasões destrutivas que arrasaram o país e, mais tarde, a um conselho de Regência desastroso, colocando o Reino sob o controlo da Inglaterra pelas mãos do General Beresford. No Brasil, o rei, conhecido pela sua vida matrimonial agitada e pelo seu hábito de colocar coxinhas de galinha nos bolsos (para comer mais tarde), viveu anos tranquilos, enquanto Portugal amargurava perante um período tão difícil. Uma atitude bem diferente daquela que se viveu em Inglaterra, aquando da II Guerra Mundial. O monarca inglês, Jorge VI, resistiu aos bombardeamentos alemães a Londres de forma heróica, assim como toda a família real, não abandonando o seu povo. Daí vem todo o carinho - merecido, diga-se - de que a família real inglesa usufrui.
Por cá, tivemos um rei diferente. Daqueles que fogem à mínima dificuldade, pensando em si e na defesa da sua vida. Um homem menor que não fazia ideia alguma do que é reinar, do respeito aos súbditos e na honra que é morrer pela Pátria, ao lado do seu povo. Porém, algo surge em defesa da sua memória. Estava no seu ADN, afinal, a cobardia é uma característica que tem acompanhado a elite política portuguesa até aos dias de hoje.

10 comentários:

  1. É com muito prazer que encontro um colega "historiador".
    Concordo com o ponto de vista de que a acção de D. João VI foi prejudicial para o nosso país, no entanto necessária. A ideia da transferência da Corte para o Brasil não foi ideia de D. João mas dos ingleses. Que no fim só saíram a lucrar com isso. E de facto o pior que podia acontecer a Portugal seria que a sua família real fosse aprisionada. Foi portanto um mal necessário. O único erro que aponto a D. João foi não ter deixado um dos seus filhos (D. Pedro à partida, e por razões óbvias) como Regente em Portugal. Teria sido muito mais benéfico do que a Junta de Regência que deixou. E teria evitado que os ingleses tivessem por uns tempos sido "donos e senhores" de Portugal.
    Quanto à família real inglesa de facto concordo que é uma atitude louvável de Jorge VI ter-se mantido em Londres durante os bombardeamentos. Quero no entanto lembrar que a família real dispunha de abrigos anti-aéreos, pelo que posso questionar até que ponto foi um acto corajoso. E quero relembrar, devido à comparação com a "fuga" da nossa família real, que ao contrário de Portugal, a Inglaterra é uma ilha; que de facto Portugal foi invadido três vezes pelos exércitos de Napoleão e que nem um único soldado alemão colocou pés em solo britânico durante a 2ª guerra mundial. E mal isso acontecesse uma das primeiras medidas dos britânicos, estava já decidido, seria embarcar a família real para o Canadá. Da coragem dos britânicos durante a 2ª guerra podemos referir sim os soldados britânicos, principalmente os pilotos da RAF que mereceram as palavras do também bastante corajoso Winston Churchill: "nunca tantos deveram tanto a tão poucos."
    Quanto à última frase do texto, a relativa ao ADN e à suposta falta de coragem histórica da elite política Portuguesa, permita-me discordar. Basta referir o nome do homem com que tudo isto começou – D. Afonso Henriques. Ainda do seu tempo, Egas Moniz. E muitos outros ao longo da nossa história. Mais recentemente relembro ainda os Drs. Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, que se viram privados da vida exactamente devido à sua coragem.
    Um bem-haja.

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  2. Também fico muito satisfeito pelo facto de uma outra pessoa da blogosfera gostar de temas culturais e, principalmente, de História, uma vez que não são temas que despertem o interesse da maioria. :)
    Parece que ambos concordamos com o facto de D. João ter sido um rei "fraco" de espírito e com más opções políticas. Era, no mínimo, essencial que tivesse deixado o príncipe herdeiro, D.Pedro, em Portugal. Teria poupado muita dor e sofrimento.
    A comparação que fiz com os bombardeamentos alemães a Inglaterra, durante a II Grande Guerra, peca devido ao espaço temporal que separa os dois acontecimentos e às diferenças de meios de guerra utilizados. Mas, nesse aspecto, até terá sido uma situação mais difícil para a família real inglesa. No tempo de D. João VI, era mais fácil resistir a uma ofensiva. Na II Guerra Mundial, já existia a aviação e meios mais eficazes, o que me leva a valorizar a atitude de Jorge VI.
    Quando referi o ADN, referia-me, em concreto, à elite política portuguesa desde D. João IV até aos dias de hoje. Eu deveria ter sido mais explícito. Assim como referiu - e muito bem - D. Afonso Henriques não merece estar incluído nesta "lista", assim como Egas Moniz e muitos, muitos outros. Os "nossos" homens da epopeia marítima também não o merecem, bem como os reis que os acompanharam no tempo.
    Concordo inteiramente com os últimos dois nomes citados. Foram homens de grande valor que, infelizmente, perderam as suas vidas muito cedo.
    Um bem-haja, Francisco. :)

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  3. Marcelo B. Pires19/07/2010, 15:00:00

    Marc,
    Tenho acompanhado seu blog, do Brasil, já faz algum tempo. Gosto. Acho interessante ver como os jovens portugueses, principalmente os gays (como eu), pensam, com entendem o amor, como são suas descobertas, seus relacionamentos, etc.
    Até agora não me manifestei porque achei que não era relevante ou que não tinha nada a lhe acrescentar. Mas esse tema me é caro. Sou advogado (tenho 39 anos), mas também adoro história.
    Existem poucas unanimidades na história do Brasil. Mas uma delas é a grande importância que teve a vinda da família real para cá. Foi um enorme divisor de águas e, creio, o diferencial que fez com que o Brasil, ao contrário de toda a América latina, fosse uno e tivesse possibilidades de se tornar globalmente relevante.
    Pense que quando de Napoleão TODAS as monarquias européias estavam em risco. A Espanha teve seu rei deposto e no lugar foi coroado um Bonaparte... Que chances tinha a frágil coroa portuguesa frente ao poderio do maior e mais temido exército europeu? Pense, ainda, que a noção de país, naquela época, era muito diferente do que é hoje. Existia mais a noção de rei, de estado monárquico. E isso pode desviar nossa análise.
    Na minha modesta opinião, quando a coroa veio para o Brasil dom João mostrou ser o mais hábil e corajoso governante europeu do seu tempo. Ele salvou não só a coroa portuguesa como também suas colônias. Fazendo um paralelo que me parece pertinente, a coroa espanhola caiu e a Espanha perdeu TODAS as suas colônias após a passagem do furacão Napoleão. Somente quando ele foi derrotado (o que era impossível ser previsto na época) é que a coroa Espanhola voltou ao poder...
    Se D. João não tivesse vindo para o Brasil ele teria sido “tomado” pelos ingleses e Napoleão teria invadido Portugal da mesma maneira. Ao final, Portugal continuaria da mesma forma que ficou, mas sem o Brasil e ainda mais depauperado porque as riquezas da coroa teriam sido roubadas pelos Franceses. O ato de do João foi de coragem (pense o que era o Brasil naquela época), não de covardia.
    O legado de dom João é, ainda hoje, visível e sua determinação possibilitou à Inglaterra furar o bloqueio econômico imposto pela França o que redundou na possibilidade real de derrotar Napoleão. Sem Portugal, ouso dizer, Napoleão não teria sido derrotado pela Inglaterra.
    Ainda na minha modesta opinião, D. João foi o mais sábio (pode não ter sido o mais inteligente) dos governantes Brasileiros dos últimos 200 anos (mais que D. Pedro II ou Getúlio Vargas) e um dos maiores de Portugal em todos os tempos.
    Esse, realmente, é um tema apaixonante...
    Abraços.
    Marcelo B. Pires.

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  4. Olá, Marcelo. Fico muito feliz por saber que o meu blogue é acompanhado desde o Brasil. Obrigado por gostares do meu espaço. :))
    Eu acho a figura de D. João VI muito caricata. Foi um rei bastante estranho, no entanto, reconheço que terá os seus lados positivos. Toda a dinastia de Bragança teve especificidades únicas, o que me leva a não gostar muito de algumas opções políticas desses monarcas. Talvez tenhas razão... Se D. João tivesse ficado em Portugal, podia ter sido aprisionado e Portugal ficaria num estado pior, ou talvez não... Quem sabe? :)
    A História não é feita de hipóteses, mas sim de factos. E é, sem dúvida, apaixonante.

    Abraços.

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  5. Mais um excelente post sobre História, a tua e minha paixão; acredito mesmo que um dia possas vir a ser um historiador, e com a habilidade que tens pela escrita e todo essa paixão pela História, será decerto algo fascinante.
    Sobre o facto em si, penso que foi sempre uma fuga, mas habilmente preparada e aproveitada. Ao fim e ao cabo, resultou...
    Também não concordo totalmente com a comparação que fazes com Jorge VI, pela especificidade geográfica e temporal do caso.
    Mas já estou totalmente de acordo com o que afirmas no final, sobre a elite política portuguesa, principalmente nos dias de hoje, e até aponto dois exemplos concretos: Durão Barroso e Guterres.

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  6. ele nao devia ter fugido para o brasil com o rabo entre as pernas.pra mim é um cobarde.

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  7. Ele nao devia ter fugido com o rabo entre as pernas para o brasil.Pra mim é um cobarde.

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  8. D. João Vl devia morrer como o cão do miguel, seco, sozinho e abandonado. ah e atropelado.

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  9. Ha muito que a Historiografia contemporânea reviu a iniciativa de Dom Joao, hoje a saida da familia real de Portugal é tida como genial e estratégica, embora nas escolas o tom ainda seja de fuga!

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    1. Depende, HHP. Depende dos autores. A História é feita de factos e de opiniões. E geralmente é escrita pelos vencedores. Eu, por acaso, simpatizo mais com a tesa da saída estratégica, embora já tenha defendido a tese da fuga.

      Terá sido "genial" para o Brasil; Portugal foi invadido e saqueado pelos franceses e, posteriormente, caiu em mãos inglesas até à Revolução de 1820. Nada genial... :)

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