Eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
O retrato adormecido
No fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Imagem da escultura - Pietà - Michelangelo
Poema: Eugénio de Andrade
Eu só não escolhi este poema por já o ter postado mais de uma vez, mas considero-o o mais belo poema que se pode escrever a uma Mãe.
ResponderEliminarO ano passado, no âmbito da disciplina de Português, enquanto dávamos a poesia, a minha professora procurou no youtube por este poema. Foi a primeira vez que o ouvi, e desde logo me apaixonei por ele. É mesmo um poema com um significado intemporal. Hoje, sempre que vejo rosas brancas, vêm-me à cabeça os versos desta obra.
ResponderEliminarAdoro este poema ;)
ResponderEliminarÉ um poema lindo =)
ResponderEliminarAbr
adorei o poema mark. bom gosto o teu e espero que a tua mãe tenha gostado xD
ResponderEliminarabc