Levítico, 18: 22 / Bíblia
E foi com esta bela frase que tudo começou.
O Levítico, como se sabe, é um dos cinco livros mosaicos. Faz parte do chamado Pentateuco, juntamente com o primeiro livro da Bíblia, Génesis, Êxodo, o próprio Levítico, Números e Deuteronómio. O Levítico é, assim, considerado um livro jurídico, verdadeira compilação de direito a ser utilizada pelas gerações futuras. Claro está, tudo escrito segundo uma poderosa inspiração divina.
Podemos atribuir à Bíblia a real moralização da sociedade. É sabido e reconhecido que a homossexualidade coexistia normalmente, nas sociedades clássicas, com a heterossexualidade. Na Grécia e em Roma, a homossexualidade era encarada como um processo normal na vida dos cidadãos e não raras vezes os jovens tinham experiências homossexuais naquela que é considerada a fase de transição, a adolescência.
Moisés, qual hebreu filho de Levi resgatado das águas do Nilo, foi adotado por uma princesa egípcia e, em adulto, sabendo de antemão as suas origens, rebelou-se contra aquilo que entendeu ser uma opressão injusta contra o seu povo, o povo de Israel, o povo de Deus. Investido pelo Senhor, encaminhou o seu povo para a liberdade, resgatando-o da servidão da casa do Egito, não sem antes mostrar toda a autoridade de Deus com as dez pragas infligidas à grande civilização do Nilo. Contra ventos e marés, com a força do seu bastão separou as águas do mar perto de Pi-hairoth diante de Baalzefon, sepultando centenas de egípcios e salvando o seu povo.
Durante a longa caminhada do povo hebreu, que ainda haveria de construir um bezerro de ouro..., Moisés juntou à boca do Senhor uma série de leis que ficariam conhecidas como leis mosaicas. Dentro dessas leis, encontramos esta passagem do Levítico.
Tratando-se ou não de inspiração divina, a doutrina do Levítico, sobretudo passagens semelhantes a esta, ajudou a impregnar os hebreus, os muçulmanos (para os quais Moisés é um dos profetas do Islão) e os cristãos de preconceitos e teorizações pecaminosas sobre a homossexualidade. Ao tornar-se a religião oficial do Império Romano, com o Imperador Teodósio I, em 380 d. C, a moralização cristã da sociedade haveria de se estender, com o fim do Império, aos povos bárbaros, recém cristianizados e, por fim, aos modernos estados europeus. A verdadeira condenação e perseguição da homossexualidade viria em 390 d. C pela mão do Imperador Teodósio I, dez anos depois do Cristianismo se tornar a religião oficial do Império.
Como é facilmente verificável, hoje em dia não estamos perante uma afirmação dos direitos das minorias sexuais; estamos, isso sim, perante um ressurgir de todos os direitos que existiam antes do Cristianismo se expandir pelo mundo ocidental. Houve uma interrupção de mil e quinhentos anos, uma verdadeira Idade das Trevas entre o mundo tolerante e o seu retorno.
Resta apreciar o conteúdo das leis mosaicas. Facilmente constatamos, ao analisar os textos mosaicos, uma verdadeira contradição entre os ensinamentos de Moisés e os ensinamentos de Jesus Cristo. Sendo certo que existem bem mais de mil anos a separá-los, os ensinamentos dos dois não deveriam ser tão diferentes, uma vez que ambos foram inspirados por Deus. Moisés é implacável, "olho por olho, dente por dente"; Jesus, por sua vez, advogou a bondade, a misericórdia e o perdão. Em nenhum ensinamento de Cristo, revelado pelos seus discípulos, encontramos uma só passagem condenando a homossexualidade. Pelo contrário, extrapolando a sua misericórdia a outras situações descritas na Bíblia, Jesus foi um exemplo de perdão, nomeadamente com a célebre mulher adúltera que evitou que fosse apedrejada (João 8: 2, 11).
Hipocrisia maior será utilizar o versículo 18: 22 do Levítico contra os homossexuais quando, às restantes leis do mesmo livro, ninguém ousa respeitar por considerá-las desatualizadas. É admissível, por exemplo, que uma mulher seja considerada imunda enquanto corre fluxo da sua carne (menstruação)? (Levítico 15: 19) Mais, faz sentido que uma mulher seja imunda por sete dias se der à luz um varão (Levítico 12: 2), mas, se tiver uma fêmea, seja imunda por duas semanas (Levítico 12: 5)? No fundo, é correto uma mulher ser imunda por dar à luz? Parece - e é - uma barbaridade entre várias. Então, porque motivo o versículo 18: 22 continua a ser utilizado por líderes religiosos e cristãos homófobos quando lhes é conveniente? Só algumas passagens são utilizadas consoante maior ou menor for a hipocrisia reinante.
Moisés viveu há perto de três mil e quinhentos anos. As suas ideias, os seus pensamentos e as suas leis refletiam os preconceitos da época. É pouco provável que Deus seja o Deus mosaico, destilando ódio e vingança por todo o lado. Seguramente, a minha imagem de Deus assemelha-se àquela que foi ensinada por Cristo: um Deus Pai e bondoso.
Todo o ser vivente é criatura de Deus. Não há excluídos nem condenados no seu enorme coração. A Bíblia terá, porventura, inspiração divina. Todavia, só após um escrutínio de todo o preconceito existente nas suas parábolas e nas suas frases poderemos retirar a verdadeira mensagem de amor, paz e reconciliação para os homens.
Todo o ser vivente é criatura de Deus. Não há excluídos nem condenados no seu enorme coração. A Bíblia terá, porventura, inspiração divina. Todavia, só após um escrutínio de todo o preconceito existente nas suas parábolas e nas suas frases poderemos retirar a verdadeira mensagem de amor, paz e reconciliação para os homens.
Concordo com o teu texto e aplaudo.
ResponderEliminarA hipocrisia do cristianismo já foi longe demais.
É precisamente esse factor de selecção de certas partes da Bíblia que mais me repugna. Só dizem o que lhes interessa e esquecem o resto. Pergunto-me quem de facto terá lido tudo e só após disso ter afirmado ou afirmar tais barbaridades e ainda assim pensar que está dizer alguma coisa de jeito.
ResponderEliminarEstranho Mundo em que vivemos...
A tua cultura com tão pouca idade deixa-me incrédulo ao que leio. Parabéns, meu rapaz! Não te percas e continua sempre assim.
ResponderEliminarO teu nível de conhecimento é algo assustador! Mas no bom sentido...
ResponderEliminarQuanto aos escritos, a verdade é que muito provavelmente aquilo a que temos acesso é apenas partes "tratadas" e "seleccionadas" de entre aqueles que, possivelmente, seriam os escritos originais! Adaptados ao longo dos tempos, consoante as conveniências da Igreja e outros! Por isso, quem sabe o que estaria originalmente escrito...
Abraço!
Aqui está uma bela lição. Mesmo sendo origens cristãs aprendi aqui algumas coisas.
ResponderEliminarA seleção das passagens que interessam tem sido uma constante ao longo dos tempos, como diz o CP, só referem o que lhes interessa, esquecendo o resto e a contextualização histórica e cultural de quem escreveu os textos.
Dizes bem, a Religião opta pela interpretação que mais lhe convém...
ResponderEliminar:)
Abraço amigo e obrigado pela nota deste teu canto :)