Enquanto alguns se preocupam com o carro que vão adquirir graças à troca do anterior ou a roupa que vão levar para a próxima festa social, há quem pense que no dia seguinte pode não ter o que comer. Há quem viva com pensões miseráveis em pleno ocidente europeu moderno e de primeiríssimo mundo.
Hoje, desloquei-me ao centro da cidade para tratar de uns assuntos. Estacionar o carro em Lisboa - e quem é lisboeta sabe-o - é uma árdua tarefa que exige paciência e disponibilidade. Não tenho qualquer uma das duas, no entanto, continuo a desafiar-me. Encontrei um lugar, estacionei e percorri as ruas até chegar ao meu destino. A meio do caminho, ali para os lados da Avenida Duque D'Ávila, sozinha no meio de transeuntes que passavam indiferentes à sua presença, dei por uma senhora, que deveria ter seguramente mais de oitenta anos, sentada numa cadeira, de mão estendida, a pedir uma esmola a quem passava. A sua pele extremamente envelhecida, sobretudo na parte do pescoço, revelava a sua idade avançada. Os seus olhos, tristes e amargurados, eram o espelho do sofrimento escondido e latente no interior do seu coração cansado. Não estive perante um jovem preguiçoso que pede porque não quer trabalhar; não estive perante um toxicodependente que quer dinheiro para saciar os seus vícios; não estive perante o ócio que não conhece a palavra esforço e vergonha. Não. Estive perante uma idosa que pedia para comer.
As pessoas passavam e nem sequer olhavam. Rejeitam a sua própria vergonha. Viram a sua face à miséria que está perante os seus olhos. Renegam o espectro da fome.
Passei, detive-me na minha estupefacção e não soube o que fazer. Abri a carteira, tirei umas moedas e coloquei-as na mão da senhora. Que sentimento de impotência! Acabei de fazer o que todo o cidadão hipócrita faz para ficar de bem com a sua consciência. Resolvi o problema da senhora? Não. Dei a triste esmola, dinheiro vil e sujo, e segui o meu caminho. É este o comportamento que devemos adotar uns para com os outros? Certamente que não.
Eis a triste realidade de um país que despreza e maltrata os seus idosos. Aquela senhora poderia ser a nossa amiga, a nossa avó, a nossa mãe... Com o rumo de mórbida indiferença que o mundo segue, nós seremos aquela senhora quando tivermos a sua idade.
Imagem: Homem Velho Com A Cabeça Em Suas Mãos (1882), Vincent van Gogh
um dos meus piores medos é mesmo esse: chegar a uma idade avançada e não conseguir sustentar-me ou cuidar de mim. Casos como o que acabaste de descrever, sinto-os como um murro no estômago
ResponderEliminarÉ isso mesmo, sem tirar nem pôr! Triste sociedade que não sabe cuidar dos seus.
ResponderEliminarTambém eu vou dando as minhas "esmolas", mas com o mesmo sentimento que descreves. O Mundo está cheio de imperfeições e, pior, está a seguir o caminho errado.
Abraço!
Há muito que defendo que se deve olhar mais para os velhos do que para as crianças.
ResponderEliminarQue triste é ser-se velho e sentir-se só e sem nada...
É a triste realidade dos nossos dias. Também eu vejo semelhantes situações onde vivo. A miséria aumenta quando na verdade deveria de diminuir. Entristece-me ver Portugal perder as batalhas contra o seu atraso...
ResponderEliminarMais uma belíssima exposição escrita, com "todos os pontos nos i's e nos seus devidos lugares".
Um abraço do Amigo Virtual.
Eu confesso que não costumo dar esmolas. Prefiro dirigir os meus contributos (não exclusivamente monetários) para instituições que possam, de facto, melhorar as condições de vida dessas pessoas. Não é que não acredite na capacidade de julgamento e discernimento dos pedintes, mas acho que o problema não se resolve dessa forma. Além disso, não conhecendo essa senhora em particular, os pedintes em Lisboa obedecem a uma máfia que os controla e atribui determinadas zonas da cidade, e à qual têm de pagar uma renda. É uma realidade chocante que poucos conhecem.
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