25 de março de 2011

A Vida É Feita de Surpresas (inesperadas...)


Aula de Direito Civil. À partida uma enorme seca, para mais tratando-se de uma sexta-feira, que é como quem diz que-é-o-dia-mais-cansativo-por-excelência. Eu acho. As aulas nas salas mais pequenas, para mim, têm uma dupla vertente: por um lado, aborrecem-me; pelo outro, são um enorme desafio, uma vez que tenho a oportunidade de mostrar os meus conhecimentos. E se há coisa que detesto é quando um / a colega responde mais do que eu. Fico possesso. Vá lá, confesso, gosto de ser o centro das atenções até nas aulas. Enfim, é o meu lado mediático que nunca me abandonará.
A aula de hoje estava particularmente aborrecida. O R. estava ao meu lado esquerdo e do meu lado direito estava uma colega muito querida que identificarei como L. Ela é assim meio desleixada com o estudo, no entanto, tem um lado meio rebelde e afável que me leva a gostar de si. A um dado momento, dou com ela a fazer comparações entre dois Códigos Civis, o dela e o de uma terceira colega.

-"L., o que é que estás a fazer? Estás a comparar os Códigos Civis? São iguais! Só tu!" - disse, baixinho.

-"Não é isso... Estou à procura do diploma que aprovou o casamento civil entre as pessoas do mesmo sexo. O da (...) tem e o meu não!" - retorquiu, igualmente baixinho, embora não tanto quanto eu.

O R. estava atento à aula. Todavia, não evitei em olhar para si. Fala-se em homossexualidade e eu tenho a tendência em olhar para ele, não fosse surgir qualquer reação...

-"Oh, e o que é que isso interessa agora?" - perguntei - "Não me digas que és lésbica?" - continuei, rindo baixinho e na mais pura das brincadeiras.

A reação é que me surpreendeu...

-"Por acaso não sou bem isso. Sou parecida..." - disse-me.

Fiquei perplexo porque senti veracidade e seriedade nas suas palavras. Agora não podia parar.

-"O quê? Parecida? Tu não me digas que és bissexual?!!!" - questionei-a, exclamando.

-"Sim, sou. Quero dizer, mais ou menos. Gosto de estar com raparigas, mas não me vejo a estar com uma a sério como com um homem..." - afirmou.

A esta altura estava atónito. Não a via como algo não heterossexual, sei lá!

-"A... A... E já estiveste com mulheres, assim... tu percebes..." - continuei, sempre baixinho.

-"Já... É muita bom. Gosto mesmo..." - mostrou firmeza nas suas palavras.

-"A... Okay..." - foi o máximo que consegui dizer.

Quando pensava que o diálogo estava dado por concluído...

-"Desculpa, escuta, ficaste incomodado ou assim?" - perguntou-me.

-"Claro que não... A... apenas não estava à espera..." - disse-lhe.

-"Humm, 'tá, mas não és homofóbico nem nada disso, pois não?" - interrogou-me, algo preocupada.

Fiquei ainda mais perplexo. Agora sim!...

-"Eu? Não! Claro que não! Sou super aberto..." - afirmei.

-"Ah, ainda bem. Sabes, não lido muito com a comunidade gay e bi, mas haja um hetero com quem possa desabafar. Vi que podia confiar em ti. Só te peço uma coisa: não comentes com ninguém, 'tá?" -  pediu-me.

Já estava completamente sem palavras.

-"Não, fica descansada..." - terminei.

Olhei para o R. e ele fez-me sinal com a cabeça do género: O que é que estavam para aí a falar? Acenei-lhe, dizendo que nada de importante.
Mas acontece-me cada uma! Esta agora foi o máximo...
Para concluir o fantástico dia, no Saldanha, e pela primeira vez num espaço aberto, vi dois gays a passearem junto ao Atrium, de mãos dadas, com o povo todo a olhar e eles nem aí...
Que dia...






P.S.: Tentei reproduzir o diálogo com o máximo de semelhança possível. Claro que era impossível lembrar-me de cada palavra que foi dita, contudo, e dado à minha boa memória, foi mais ou menos assim.

14 comentários:

  1. EPIC xD Lol pensa no lado positivo (?) tens um lado hetero bem vivo. Até se nota e tudo Looooool :)
    E por acaso também nunca vi dois homens em público a mostrar afectos --'
    Abr

    ResponderEliminar
  2. Tomás, oh, vivíssimo! LOL
    Sabes, dizem que Lisboa é a "cidade mais aberta do país", mas, pelo que vi hoje, é bem retrógrada. Parecia que estavam a observar dois extraterrestres! Que gentinha. -.-
    Abraço.

    ResponderEliminar
  3. Bem, Mark, a tua vida é uma aventura :) pelo menos fazes justiça ao nome do blog!
    Enquanto gerações menos informadas cá estiverem, olhar para homossexuais vai ser como uma criança visitar o Jardim Zoológico. Vive o espanto, comenta o desconhecido, goza e vai contar aos amigos o que lá viu.
    Eles vão cansar-se disso, quando deixar de ser novidade. Isto é, quando virem muito mais vezes demonstrações de afecto em público.

    Hug, K.

    ResponderEliminar
  4. Kevin, tens toda a razão. Infelizmente, estas situações ainda vão sendo "novidades" para as pessoas. Depois vem todo o desrespeito associado à novidade...
    A minha vida nem é uma grande Aventura. Até é morna, por vezes morna demais. :D

    Abraço. ^^

    ResponderEliminar
  5. Achei muito positiva a conversa com a tua colega e, na minha opinião, devias ter sido mais aberto para com ela.
    Quanto a demonstrações públicas de afecto, já tenho cumprimentado amigos homossexuais com beijos na face, em público, e quando o Déjan chega ou parte, no aeroporto, beijamo-nos normalmente ao de leve na boca, e nunca me senti incomodado com isso.

    ResponderEliminar
  6. Pinguim, apenas não me alonguei mais na conversa com ela porque não temos assim tanta intimidade. Bom, da minha parte, já que da dela... :)
    Por acaso, nunca tinha visto demonstrações públicas de carinho e amor por parte da comunidade LGBT. Em privado, sim, mas na rua a céu aberto foi a primeira vez. :)

    Abraço, my dear ^^

    ResponderEliminar
  7. vá, se calhar deves uma conversa mais séria com essa rapariga. just my two cents...

    ResponderEliminar
  8. Speedy, talvez, mas não para já... (:
    Abraço.

    ResponderEliminar
  9. já tive uma amiga que também se "abriu" assim para mim durante uma aula. é fixe ver que os outros se sentem capazes de nos confiar este género de coisas =p
    abr

    ResponderEliminar
  10. Miguel, pois é, eu não teria essa coragem... Pelo menos com ela, uma vez que ainda não a conheço bem. :)
    Abraço.

    ResponderEliminar
  11. Sublinhe-se o "à vontade" da rapariga! Notável! Tens de fazer amizade com ela, pois parece-me a pessoa ideal para troca de experiências e conversas mais abertas!
    Just saying!

    Abraço,
    Ikki

    ResponderEliminar
  12. Ikki: Ela é assim toda "p'rá frentex", como se diz no adágio popular. Não tenho é a confiança necessária para lhe falar mais sobre mim.
    Abraço. ^^

    ResponderEliminar
  13. Às vezes essas pessoas mais 'prá frentex', como dizes, têm carências de afectos ou de pessoas em quem confiar. Quando se olha para uma pessoa muito moderna e liberal corre-se o risco de esquecer que essa pessoa também tem problemas, dúvidas, vontade de desabafar... apesar da forma inusitada com que o fez, talvez ela precise mesmo de um amigo...

    ResponderEliminar