30 de março de 2021

The Handmaid’s Tale.

 

   Conforme prometido, vou-lhes falar um pouco da série que terminámos há umas semanas, A Serva em português, que em castelhano ficou El Cuento de la Criada. Não se admirem se eu utilizar alguns vocábulos em castelhano, que seguramente na tradução portuguesa ficaram diferentes. 

    Antes de começar, e de forma a concretizar o que referi no parágrafo anterior, nós vemos as séries em castelhano, dobradas em castelhano, que o meu marido é espanhol, e, como todos os espanhóis, ou quase, tem ali uma coisa com os anglo-saxónicos, uma antipatia, que se estende ao idioma. Portanto, nada de língua inglesa nesta casa. A mim até dá jeito, que assim melhoro o meu castelhano.

    The Handmaid’s Tale é uma série passada num futuro distópico. Nos EUA, que passam por um golpe de estado que assassina o presidente e encerra as instituições democráticas, uma seita fanática religiosa toma o poder. Implementa uma sociedade de índole totalitária na qual as pessoas são divididas em castas (as mulheres, refira-se de passagem). Uma sociedade cristã, que, no entanto, me parece detestar as religiões tradicionais. Vemos, a determinado momento, uma igreja completamente destruída. O poder político faz-se representar por um comité onde se reúnem os comandantes que lideraram o golpe. São eles os únicos que detêm todos os direitos civis. As mulheres, inclusive aquelas que melhor estão posicionadas, as esposas, não podem frequentar o ensino. Ler, por exemplo, acarreta-lhes a perda da mão. Existem, além das esposas, que são as mulheres dos comandantes, inférteis, as tías, incumbidas de “educar” as criadas, e na base da pirâmide social estão as martas, que são meras empregadas domésticas, e as criadas, por fim, mulheres férteis que são escravizadas sexualmente, obrigadas a participar num tenebroso rito sexual conhecido por Cerimónia. São compulsivamente obrigadas a ter sexo com os comandantes, engravidando e parindo. Nesse futuro não mui longínquo, há uma crise de natalidade que ameaça a sobrevivência da espécie humana.

   É uma produção excelente, com actuações brilhantes, sobretudo da actriz principal, e considerações sobre a série em si à parte, o que mais me assustou é saber que não estamos imunes a que algo assim nos aconteça. Quem diz nos EUA, transformada numa República de Gilead, diz aqui na Europa. Por lá, como se calcula, os homossexuais são exterminados, considerados traidores ao género. As execuções, sumárias ou após julgamentos sem quaisquer garantias de que o réu possa exercer uma defesa livre, são comuns. As ruas são vigiadas vinte e quatro sobre vinte e quatro horas pelo exército, e há, evidentemente, um organismo de repressão, uma secreta, os Ollos (no castelhano).

  Imaginamo-nos a viver assim, inteiramente subjugados a um Estado totalitário, aniquilados enquanto pessoas, indivíduos que se concretizam na livre expressão da sua identidade? A primeira, talvez única, talvez mais importante ilação que terei, é a de que a democracia, embora adquirida, não está garantida. Recua ou avança conforme o permitamos. A crise da COVID-19 veio-o demonstrar, embora por motivos que nos superam. Pode haver limitações à nossa liberdade; as que vivemos, dentro do quadro constitucional. Reagimos, numa primeira etapa, com compreensão, colaborativos, porém, rapidamente houve quem o considerasse uma intromissão excessiva. Não estamos acostumados a viver condicionados. De certo modo, estas restrições vieram despertar-nos para uma realidade desconhecida, e é benéfico por aí. Quanto mais atentos estivermos, maiores dificuldades enfrentarão, se se proporcionar, esperemos que não, para nos submeter a regimes tirânicos. 

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