11 de janeiro de 2020

Dois Papas.


   Um filme Netflix que esteve nomeado nalgumas categorias dos Globos de Ouro, que de resto não vi. Disseram-me que era um filme aborrecido. Eu, por acaso, gostei, particularmente do confronto ideológico entre Ratzinger e Bergoglio. Claro que houve ali um toque brasileiro na narrativa, com a inclusão do futebol, do Mundial de 2014 - o filme passa-se sobretudo no momento em que Bento XVI decide deixar o Papado, tendo, todavia, todo um contexto em retrospectiva, recuando ao início da vida de Bergoglio, às suas crises de fé, ao momento em que se apercebera da sua verdadeira vocação etc.

   Reside, entretanto, no dito confronto ideológico o verdadeiro mote do filme: que Igreja Católica queremos, que Igreja Católica cada um daqueles homens nos apresenta? Homens que divergem nas vivências, nas realidades socioculturais em que se inseriram por décadas até terminarem no Vaticano. 

   E também eu mudei, mudança essa que foi perceptível pelos leitores mais atentos do blogue. Ao longo dos anos, à medida em que amadureço, venho-me tornando mais conservador. Não gostava nada do Cardeal Ratzinger. Considerava-o um homem obsoleto, e foi com alívio que na altura soube da sua resignação. Hoje em dia, sete anos depois, temo o futuro da Igreja. Subjazem muitos interesses em torno da tal reforma que muitos dizem ser necessária. Discute-se, por exemplo, o fim do celibato, que está longe de ser um dogma e que só foi adoptado pela Igreja no século XII ou XII. Pessoalmente, não me agrada nada a ideia de ter um pároco que à noite se entrega aos prazeres da carne. Como disse Ratzinger, «uma Igreja que case com o espírito da época, acabará viúva na época seguinte».




    Um das leituras possíveis prende-se à hipótese de este filme vir limpar um pouco a imagem que Ratzinger deixou no mundo, e particularmente no católico, ao mostrá-lo como o homem que esteve por detrás da ascensão de Bergoglio à Cátedra de São Pedro, apercebendo-se da sua importância no futuro da Igreja, o que seria até algo contraditório. Percebemos que Ratzinger, embora aberto ao diálogo, não sentia apego às ideias reformistas de Bergoglio. O realizador, Fernando Meirelles, deixa-o em aberto e deixa-nos na dúvida sobre o que terá pretendido: exaltar o legado de Ratzinger ou, pelo contrário, mostrar-nos o homem que, antecipando-se aos escândalos que se abateram sobre a Igreja, passou "a bola" a Bergoglio? Um retrato algo injusto, uma vez que as investigações aos abusos sexuais no seio da Igreja começaram justamente quando o actual Papa Emérito era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

     Em todo o caso, o filme gira inteiramente em torno daqueles homens, sem a perturbação de personagens secundárias, e dos debates que travaram entre si. As interpretações vão além do fabuloso, e confesso que gostaria de saber a reacção de Ratzinger ao ver-se retratado a comer pizza com as mãos e a dançar o tango.

6 comentários:

  1. Todos criticam a Igreja por causa da pedofilia mas ninguém tem a coragem de condenar o Islão é permitido homens de 70 anos casarem com crianças de 7 lololololol Que sociedade é esta?! Alguém me explica?

    Abraço amigo

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  2. Um ponto interessante, e que sempre me tornou algo desconfiado em relação aos padres: porque não deixá-los casar? Qual o problema? Porque afinal, para que um homem seja completo, dever-se-á contemplar também o seu lado físico e não só o espiritual.
    Sempre fiquei algo suspeitoso sobre o celibato, porque, afinal, não há muitos que o sejam, e quando o não são, acabam por fazer mais estrago do que se fossem casados. Acabam por se atirar a mulheres e homens ou, o que é muiiiito pior, crianças. E é algo que continua, apesar de hoje se falar mais sobre isso, e ainda bem!
    Quer em jovem adulto, quer já homem, fui abordado por sacerdotes e outros homens da igreja a ocupar outras funções e cargos, com o intuito de obterem ligações românticas/sexuais comigo (parece estranho, mas tal foi o caso).
    Não vejo nada de mal em que o tivessem feito, pelo menos não era criança e saberia no que me estaria a meter. Tentaram a sua sorte e obtiveram a sua resposta.

    Como é que um sacerdote possui conhecimento de causa para julgar no aconselhamento a casais, e poder ajudá-los de forma consciente e rigorosa por forma a dirigir de forma correta a vida de alheios?
    As antigas histórias da carochinha que eram impingidas já não surtem efeito, nem têm qualquer efeito sobre pessoas adultas, e que se encontram mergulhadas num mundo pleno de informação.
    Porque é que um homem, ainda que sacerdote, não pode ter o sexo/amor (são coisas diferentes, sei) de que necessita para estar com este aspeto da sua vida mais equilibrado? Não será muito mais satisfeito consigo mesmo?
    Pessoas que estão de bem consigo,e com a sua vida, têm o condão de ser mais equilibrados e poderem ser mais mais prestáveis aos seus semelhantes, religiosos ou não.
    Não é por acaso que os sacerdotes rareiam cada vez mais, e, os que existem, estão exaustos de tantas paróquias percorrerem ... acabam por não conseguir ajudar ninguém, nem satisfazer aquilo para que afinal foram conduzidos pela sua fé e força de vontade (porque hoje ela é mesmo necessária!).
    A fé não coexiste com o amor carnal? Porque não? Penso até que se fortalecerá.
    Porque não se abrem as portas do sacerdócio a mulheres? Que há de errado com elas? A fé,a inteligência e a vontade de ajudar não é a mesma em todo o ser humano?
    Não sou religioso, e uma razão, entre muitas, tem a ver com este facto: a possibilidade de um sacerdote não poder unir o seu caminho com o de outra pessoa. Fico sempre de pé atrás quando encontro tal pessoa, terá forçosamente de estar deformado, tendo castrado (sublimado, dirão os puristas ... ) dentro de si o desejo e outros sentimentos afins - substituídos por outros princípios mais nobres e altos, dirão alguns, ao que respondo que isso é o mesmo que esconder o sol com uma peneira. E gente deformada não é aconselhável de se ter perto.
    Claro que haverá gente que me virá com as doutrinas teológicas, sempre tão debatidas dentro do seio da comunidade, mas que não se coadunam com as regras de vivência atual.
    A minha resposta é sempre a mesma: continuem e verão a religião, como é tida há séculos, desaparecer de vez, e será uma pena, pois o papel do sacerdote é vital e muito importante numa comunidade, crente ou não.
    Têm mesmo um papel fundamental de aconselhamento, condução e libertação de consciências e seres humanos que, doutra forma, estariam presas a erros passados.
    Também acabam por dar esperança a gente que doutra forma poderia facilmente perdê-la, para lá de muitas outras funções fundamentais dentro da religião e da igreja católica.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Olá, Manel.

      O abuso sexual de menores é um grave problema no seio da Igreja, e acredito que agora ela esteja empenhada em lhe pôr cobro. A maior parte dos abusos sexuais em crianças até se dão no seio familiar, sobretudo praticados por pais e demais familiares, e depois por educadores, e em meninas, ou seja, há muita desinformação.

      O porquê de se vedar o casamento aos padres. O sexo tem sido visto pelas várias religiões abraâmicas como algo intrinsecamente sujo - basta atentar-se na Bíblia que percebemos o que Deus ordenava após a cópula. O sexo é visto como instrumento de reprodução. Ora, não se espera que os párocos se reproduzam. Não é essa a sua função. A sua função é a de exercer o ministério da fé e da Igreja. São homens que pregam a palavra de Deus, e o sexo não nos é compatível com essa ideia de proximidade com Deus, de pureza. É esta a minha interpretação, que acredito que não esteja muito afastada da posição oficial da Igreja. Em todo o caso, o celibato não é prática primitiva da Igreja, como foi referido na crítica ao filme.

      Sinceramente, compreendendo e aceitando todas as opiniões, não vejo pertinência nesta discussão. Não é por isto que a Igreja perde fiéis. A Igreja perde-os pela crise de valores que atravessa o ocidente e pela concorrência da fé protestante. Parece-me até um tema menor que nos afasta de temas importantes.

      Continuação de uma excelente semana.

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  3. Peço desculpa por este pequeno texto, pois não faz grande sentido responder a uma resposta, senão passa a ser diálogo, e estes devem ter lugar no face a face.
    Não obstante peço-lhe para considerar que não se pode desculpabilizar ou menosprezar um crime porque outro de índole semelhante ocorre, ainda que cometido em ambiente diferente. Ambos são crimes e devem ser difundidos, discutidos e combatidos de igual forma.
    Continuação de uma boa semana e que tenha prazer com o cinema, pois aproxima-se a época do que se consideram os galardões máximos da sétima arte (eu discordo completamente desta classificação, claro).
    Manel

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    1. Manel, eu não quis de forma alguma desculpabilizar ou menosprezar os crimes praticados dentro da Igreja. Se ficou com essa impressão, não é certo. O que eu quis dizer, isso sim, é que se empunha a bandeira dos abusos sexuais como se fossem exclusivos da Igreja, melhor dizendo, cansa-me aquela retórica de que "os padres são pedófilos" ou "é melhor poderem casar para não andarem atrás das crianças".

      Obrigado! Continuação de boa semana.

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