Na terça-feira, dia 5, participei de uma palestra na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. Em rigor, tratou-se da apresentação de um novo livro do linguista português Marco Neves, O galego e o português são a mesma língua?, um excelente pretexto para juntar um grupo simpático a discutir a situação sócio-linguística actual da Galiza, que como se sabe é delicada. Moderada por Gabriel André (se é que se pode falar de moderação), galego, contou com as intervenções de Carlos Calhão, também galego, conhecido nos circuitos reintegracionistas, além do autor do livro.
Eu, à semelhança dos restantes presentes, pude intervir, e fi-lo sobretudo porque não consigo dissociar a questão linguística da política. Pedi licença e introduzi esse elemento, dando uma achega acerca daquele que me parece ser o caminho único possível à Galiza para escapar à aniquilação total da sua cultura e língua: a independência e a emancipação em relação a Madrid.
Engoli em seco quando Calhão referiu, a determinado momento, que em pequeno comentava à irmã: "Vamos a hablar bien". Na sua cidade, o galego era falado pela totalidade da população. No presente momento, já não o é nas camadas mais jovens. Recentemente, o governo autonómico promoveu a substituição do galego pelo castelhano num desenho-animado dirigido às crianças de mais tenra idade. Qual o objectivo? Parece claro: gradualmente, homogeneizar linguisticamente a Galiza, assimilando-a através de um dos poucos instrumentos que a distinguem de Leão, Castela e das demais regiões da Espanha castelhana: o galego. Remetendo o idioma autóctone a um papel secundário, associando-o à velhice, à exclusão, à ruralidade, incute nos jovens a vergonha pelo seu falar. Não surpreende, no processo, que Calhão tenha crescido com esse preconceito.
Achei por bem apontar culpas ainda à Xunta da Galicia e à Real Academia Galega, que acabam por compactuar com o governo central: a primeira, com medidas que visam a substituição progressiva do galego; a segunda, procurando aproximar o mais possível o galego da ortografia castelhana e afastando-o, simultaneamente, do português, idioma que deveria ser a verdadeira referência para qualquer norma oficial do galego.
Na Galiza, como Calhão relatou, anos após a transición e já no quadro constitucional actual, escritores foram perseguidos, porque o reintegracionismo, e dentro dele o lusismo, é perigoso. Despertar uma consciência nacional na Galiza já seria terrível para o Estado espanhol; ancorá-la em Portugal, pior ainda.
A perseguição a quem fala galego não terminou com o fim do franquismo, regime no qual usar qualquer das línguas minoritárias espanholas equivalia a ser preso, torturado, condenado sem garantias de um julgamento justo e equitativo. Livros eram queimados. Um verdadeiro Index, meras décadas atrás. A realidade mudou apenas na aparência e nos métodos. O preconceito e a perseguição continuam lá, porém, assumindo "vestes mais decentes". Calhão, nos inúmeros processos judiciais em que foi parte, teve de pedir vezes sem conta para que o intimassem em galego, que a prática judicial na Galiza é de o fazer em castelhano.
A realidade galega é-nos próxima geograficamente e distante socialmente. Por lá, há quem lute para poder estudar no seu idioma materno, para poder educar os seus filhos no seu idioma materno, para poder receber informação no seu idioma materno ou aceder a serviços no seu idioma materno. Escrevi "idioma materno" quatro vezes. Não o fiz por acaso. A luta dos galegos pode ser política, mas muitas vezes é-o apenas no domínio do idioma. Estaria tentado a dizer que muitos tão-pouco se importariam de permanecer no Estado espanhol se houvesse garantias reais de protecção do galego, de estímulo ao seu uso pela população. Acontece que o idioma, que é uma arma dos galegos contra o Estado central, também tem sido uma arma de Madrid contra os povos de Espanha. Através do castelhano, procedeu-se a uma política linguicida, uniformizadora.
Esta luta galega não nos deve ser indiferente. Nós, portugueses, aprendemos a reagir contra Espanha e a negar tudo o que venha de lá. Compreensivelmente. A nossa identidade nacional foi contruída por oposição àquela realidade política. Entretanto, não nos podemos esquecer de que num recanto do que hoje é parte do Estado espanhol nasceu a língua portuguesa, na antiga Gallaecia, que englobava o norte. Virar costas à Galiza será o mesmo que cometer matricídio.
Felizmente, para nosso bem, tímidos passos vão sendo dados no sentido de uma cada vez maior aproximação entre galegos e portugueses. Da mesma forma que o preconceito e a perseguição não terminaram, apenas se refinaram, também hoje dispomos de meios humanos e tecnológicos que nos permitem trocar ideias e informações. Que nos permitem o que ali se fez naquela sala: conversar, questionar, estimular. Permitir que todos formem uma opinião fundamentada sobre o reintegracionismo, apoiando-o ou rejeitando-o. Galegos e portugueses, nos seus dialectos, com os seus sotaques. Num mesmo idioma. Com um mesmo propósito.
Foto da palestra / apresentação. Sou o rapaz do meio, na primeira fila |
A perseguição a quem fala galego não terminou com o fim do franquismo, regime no qual usar qualquer das línguas minoritárias espanholas equivalia a ser preso, torturado, condenado sem garantias de um julgamento justo e equitativo. Livros eram queimados. Um verdadeiro Index, meras décadas atrás. A realidade mudou apenas na aparência e nos métodos. O preconceito e a perseguição continuam lá, porém, assumindo "vestes mais decentes". Calhão, nos inúmeros processos judiciais em que foi parte, teve de pedir vezes sem conta para que o intimassem em galego, que a prática judicial na Galiza é de o fazer em castelhano.
A realidade galega é-nos próxima geograficamente e distante socialmente. Por lá, há quem lute para poder estudar no seu idioma materno, para poder educar os seus filhos no seu idioma materno, para poder receber informação no seu idioma materno ou aceder a serviços no seu idioma materno. Escrevi "idioma materno" quatro vezes. Não o fiz por acaso. A luta dos galegos pode ser política, mas muitas vezes é-o apenas no domínio do idioma. Estaria tentado a dizer que muitos tão-pouco se importariam de permanecer no Estado espanhol se houvesse garantias reais de protecção do galego, de estímulo ao seu uso pela população. Acontece que o idioma, que é uma arma dos galegos contra o Estado central, também tem sido uma arma de Madrid contra os povos de Espanha. Através do castelhano, procedeu-se a uma política linguicida, uniformizadora.
Esta luta galega não nos deve ser indiferente. Nós, portugueses, aprendemos a reagir contra Espanha e a negar tudo o que venha de lá. Compreensivelmente. A nossa identidade nacional foi contruída por oposição àquela realidade política. Entretanto, não nos podemos esquecer de que num recanto do que hoje é parte do Estado espanhol nasceu a língua portuguesa, na antiga Gallaecia, que englobava o norte. Virar costas à Galiza será o mesmo que cometer matricídio.
Felizmente, para nosso bem, tímidos passos vão sendo dados no sentido de uma cada vez maior aproximação entre galegos e portugueses. Da mesma forma que o preconceito e a perseguição não terminaram, apenas se refinaram, também hoje dispomos de meios humanos e tecnológicos que nos permitem trocar ideias e informações. Que nos permitem o que ali se fez naquela sala: conversar, questionar, estimular. Permitir que todos formem uma opinião fundamentada sobre o reintegracionismo, apoiando-o ou rejeitando-o. Galegos e portugueses, nos seus dialectos, com os seus sotaques. Num mesmo idioma. Com um mesmo propósito.
Penso que será como a língua alemã e a língua austríaca, apenas diferem em algumas palavras, mas toda a estrutura da língua. Mas como o sul da Europa vive de quintas e quintais, é o que temos
ResponderEliminarGostei
Abraço amigo
A estrutura do português e do galego é a mesma, e nem as pequenas diferenças no léxico poderão justificar que estejamos perante dois idiomas. Tens razão. E, no caso do galego, acresce a influência do castelhano, perniciosa.
EliminarUm abraço, amigo.
Tenho poucos conhecimentos do problema, porque viajo pouco pela Galiza, só uma vez estive em Compostela, e uma ou outra vez atravessei a fronteira para os lados da Galiza, o que se verificou nas visitas que tenho feito a Chaves, ou cruzando o rio Minho, indo para Vigo. Passei férias em Chaves e ia algumas vezes a Verín, na província de Ourense, e deliciava-me com este passeio. Ou ainda visitando a lagoa de Sanabria, quando me perdia para os lados de Vinhais.
ResponderEliminarNo entanto, mesmo verificando a diferença entre as duas línguas, percebi que as semelhanças eram significativas.
Disseram-me que no século XIX as semelhanças eram ainda maiores (nem outra coisa seria de esperar, sabendo que as duas vertentes são provenientes do mesmo tronco comum), entendendo-se as pessoas de ambos os lados sem qualquer problema, dado o isolacionismo maior face às influências castelhanas.
E parece que, foi sobretudo durante o século XX, que estas influências foram-se tornando cada vez maiores, os portugueses virando-se para um português mais "lisboeta", para onde os jovens passaram a migrar, e os galegos para um castelhano instigado por Franco e pelos poderes de Madrid em geral.
Franco, à semelhança do que fez na Catalunha, tentou miscigenar estas regiões com espanhóis provenientes do resto do país, para amortizar as diferenças, promover as independência do país face às influências portuguesas ou independentistas e criar uma identidade comum a toda a Espanha, que afinal, sabemos nós, é proveniente de uma manta de retalhos.
Hoje parece haver grandes questões sobre os caminhos que as línguas tendem a tomar, com várias versões diferentes e tendências, por vezes mesmo opostas.
A questão não me parece importante, pois, seja lá o caminho que tomem as línguas e dialetos, as pessoas que ali vivem é que devem fazer as escolhas que melhor se lhes adequem e com que se sintam mais confortáveis.
Não estou mesmo nada de acordo, mas mesmo nada (!), que se pretendam unir coisas que não são miscíveis, como é o caso do português falado em Portugal com o falado no Brasil. Cada conjunto de pessoas deve seguir o seu caminho em vez de andarmos todos a reboque de modas e unificações que nada têm de construtivo, antes se assiste a uma perda da identidade dos povos que em nada nos melhora.
Uma boa semana
Manel
Olá, Manel.
EliminarObrigado pela sua contribuição.
Franco fez o mesmo em Olivença, por exemplo, favorecendo e incitando à migração de castelhanos para aniquilar a cultura portuguesa, até então dominante. A língua portuguesa era amplamente falada em Olivença até aos anos 40, aqui tão próximos de nós. Fez o mesmo na Catalunha, que, sendo a região mais rica, recebeu pessoas de toda a Espanha, daí que eu costume dizer que a pobreza, de certa forma, salvou a Galiza, onde a língua mais falada ainda é o galego, embora esteja em franco declínio.
O problema do Brasil é outro. No Brasil, fala-se mal porque há um desinvestimento gritante na educação e os próprios professores incutem determinada carga ideológica nos alunos. Dou-lhe um exemplo: há uma esquerda brasileira que defende que não há erros, há jeitos de falar. Esqueça a língua portuguesa e aplique isto a uma eventual língua brasileira. Já se deu conta do caos que seria? Todas as línguas têm as suas normas, e todas as normas têm de ser cumpridas. Os brasileiros incumprem com a sua norma, não com a nossa. Mudem de língua, ou mudem de norma.
Uma boa semana.
Mas o que é que a pluralidade linguística tem a ver com o quintal do sul da Europa? Isso é provincianismo. Vai ao centro da Europa e analisa a quantidade de dialetos...
ResponderEliminaresculpa?
EliminarProcura informar-te melhor, ou informa-te de todo, sobre o panorama sociolinguístico da Galiza. Vê-se que nada sabes.
E não, o galego não é um dialecto. Não confundas língua e dialecto. O centro da Europa tem várias línguas, e cada língua terá os seus dialectos. Sabes o que é um dialecto ao menos? Quando pesquisares sobre isso, pesquisa também sobre diglossia.